terça-feira, março 15, 2011

A Cor do Jazz

O rapaz de cor era o mais bem vestido da sala. Ninguém diria que ele estava ali, para uma simples audição, com aquele fato cinzento claro de cetim, que fazia conjunto com um colete e gravata creme.

Os outros jovens olhavam-no de lado, com ar de gozo, pela sua figura pitoresca. Ainda escutei um mais atrevido a perguntar ao colega de lado se não gostava de ter uma fatiota daquelas. Este limitou-se a sorrir.

Embora eu também sorrisse com o comentário, pensei noutras coisas: no orgulho do rapaz que estava ali para impressionar, com a música e com o estilo já de artista, por mais ultrapassado que parecesse. Percebi que ele, como africano que era, preferia o brilho de África, ao baço da Europa. E que belas cores nos oferece o continente africano...

O brilho exterior manteve-se intacto quando ele pegou no saxofone e nos deixou a todos boquiabertos. Além de vestir bem, o negro era mesmo bom músico. O melhor daquele grupo.

Durante o intervalo da audição o David confessou-me que já estava à espera de algo musical igual à roupa do jovem. E claro, contou-me uma das suas histórias de músico errante, a da excepção, que lhe dizia que todos os negros eram músicos. Nos anos setenta estava a actuar em Paris, num cine-teatro, com uma "big-band" e antes do espectáculo era costume fazerem horas no bar a trocarem aventuras. Foi então que perguntou a um jovem de cor que estava por ali, que instrumento tocava, ele disse em francês que "tocava cadeiras". David ficou sem perceber que instrumento era aquele, até que um colega da banda lhe disse com um sorriso de orelha a orelha, que o rapaz era um dos "arrumadores" da sala...
A vida continuou a ajudá-lo a ver em cada negro um músico e a perceber que a imprevisibilidade do jazz vive sobretudo da cor africana. Também não chegámos a nenhuma conclusão por os homens serem mais de tocar e as mulheres de cantar...

O óleo é de Tjarko Ten Have.

16 comentários:

  1. delicia de texto e com o seu quê de verdadeiro.

    beij

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  2. Está bem, Luís, mas já vai havendo também bons músicos de jazz brancos.
    Mas está bem esgalhado o texto.

    Um abraço!

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  3. Fantástica história, caro Luís!

    Um abraço de Sintra
    Jorge Vicente

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  4. Eu gostava bem de cantar com uma banda de jazz...

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  5. É bem capaz de ser assim...
    Beijinhos, Luis.

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  6. e as minhas cores quando oiço este jazz??????????

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  7. digamos que foi uma transformação do "herói", o menino negro do fato cinzento brilhante, em músico, Piedade...

    com quem me cruzei mesmo, numa sala de espera.

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  8. sim, mas a genialidade continua a ser mais escura, Carlos.

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  9. desvia, sempre que te apetecer, Marta.

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  10. ainda bem que gostaste, Jorge.

    abraço

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  11. ainda te vou "agenciar", Laura...

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  12. depende sempre do nosso olhar, Filoxera.

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  13. bonitas pela certa, Inominável.

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