segunda-feira, novembro 30, 2015

Fernando Pessoa, 80 Anos Depois


O nosso Fernando Pessoa deixou-nos há 80 anos.

Tem uma particularidade que o distingue de todos os outros poetas, foi o primeiro poeta que gostei mesmo a sério, no final da adolescência. Tinha uma predilecção especial pela falsa simplicidade de Alberto Caeiro e pelo olhar largo de Ricardo Reis.

E nunca mais deixei de gostar da genialidade e criatividade desde criador, que não cabia apenas num corpo e foi por isso que escolheu viver mais que uma vida literária.

Já comecei a escrever uma pequena ficção com ele de visita a Cacilhas, nesses pouco gloriosos anos vinte e trinta do século passado... mas com receio de a tornar demasiado banal, tendo andado a fugir desta minha homenagem prosaica ao melhor dos poetas da língua portuguesa...

O óleo é de Carlos Carneiro.

domingo, novembro 29, 2015

A Amizade Fecha os Olhos a Muitas Coisas


Ao contrário do que muito boa gente diz, a amizade fecha os olhos a muitas coisas, felizmente.

Acho que ser amigo também é isso, conseguir ver os defeitos de quem gostamos com um sorriso nos lábios e desculparmos-o, apenas porque sim.

Não quer dizer que não lhes demos um empurrão aqui e ali, quando ele foge demasiado dos "carris", mas a amizade não é sermos "paizinhos" de ninguém, é muito mais que dar lições de moral, é sobretudo aceitar as diferenças que existem, que nos unem mais do que nos separam.

A fotografia é de Roger Schall.

sábado, novembro 28, 2015

Quando o Canto à Alentejana era Proibido


Hoje, estupidamente, comecei por escrever sobre a forma miserável que têm caracterizado o segundo mandato do nosso Presidente da República, que ano após ano, foi sendo o presidente de cada menos portugueses.

Mas depois verifiquei, que além de estar a ser negativo, estava a dar atenção a quem não a merecia.

Ainda por cima tinha passado a manhã no colóquio sobre o Cante Alentejano, em Almada, que festeja o primeiro aniversário da sua passagem a património da humanidade.

E como foi impossível passar ao lado das intervenções dos professores Alexandre B. Wefford e de José Rodrigues dos Santos (não é o escritor-pivot...), no painel, "Origens e História do Cante: uma Perspectiva Antropológica", moderado pelo meu amigo Eduardo M. Raposo.

Disseram-se tantas coisas importantes, especialmente o percurso pela história recente do Cante de Rodrigues dos Santos. Eu por exemplo não sabia que durante a ditadura tinha sido proibido o canto à alentejana nas aldeias, por medo da "desordem social", ou seja da resistência deste povo heróico. 

Foi muito elucidativo o testemunho de um senhor quase a fazer noventa anos, que falou da sua experiência pessoal em Cuba... quando aos dezoito anos, ele e os amigos, para cantarem, tinham de escapar para os campos.

O óleo é de José Esteban Basso.

quinta-feira, novembro 26, 2015

O País dos Falsos Heróis


Ontem falei do 25 de Novembro de 1975, por ser uma data decisiva na nossa história. Mas não me esqueci que também foi o dia da Eliminação da Violência Contra a Mulher.

Não há muito a dizer sobre os cobardes que escolhem a mulher como o alvo de todas as suas frustrações e complexos. É gentalha que me mete nojo e envergonha enquanto ser humano. 
 
E explica muito bem a espécie de homens que existem à nossa volta. Homens capazes de engolir mil e uma humilhações no trabalho e que depois se encharcam em álcool, para em casa, se vingarem nas suas companheiras. Quase sempre apenas porque sim. 

Homens que ainda não perceberam que não já estamos na idade média, nem tão pouco no salazarismo. Ou nas arábias, onde ainda é costume trocar mulheres por camelos ou cavalos.

 A mulher é um ser igual a nós. Ponto Final.

O óleo é de René Magritte.

quarta-feira, novembro 25, 2015

As Duas Verdades do 25 de Novembro


Passados 40 anos, as opiniões continuam divididas nos dois lados da "barricada" que quase se confrontaram no dia 25 de Novembro de 1975. Quase.

De um lado a esquerda com mais extremidades, uns mais utópicos outros mais malandros, mas quase todos com os mesmos objectivos: ter algum poder, nem que fosse para conseguir alcatroar a rua onde moravam ou para levar até lá água canalizada. Não, não vou falar daqueles que se achavam no direito de ocupar fábricas, casas, quintas, etc, apenas porque pertenciam aos "gajos ricos".

No outro lado encontravam-se a maior parte dos portugueses, ou seja as pessoas que tinham votado maioritariamente no PS e no PSD, os partidos com mais deputados na Assembleia Constituinte (saída das primeiras eleições livres realizadas a 25 de Abril de 1975) e também a gente mais conservadora, e até reaccionária (não estavam todos em Espanha e no Brasil)...

Este período foi quase dourado para muitos oportunistas (muitos deles curiosamente hoje pairam no PS e no PSD e contribuíram enquanto governantes para que o nosso país esteja na situação em que está...), bem falantes, que empurraram para trás os verdadeiros protagonistas da revolução e da resistência antifascista.

E quem tivesse dois dedos de testa, percebia que se tinha de se acabar com toda aquela "rebaldaria". E que isso só seria possível através de um desvio político, mais para o centro democrático, porque liberdade nunca foi o mesmo que libertinagem.

Claro que tudo isto é desculpável, se pensarmos que as pessoas tinham vivido quase meio século subjugadas a um regime autocrático e repressivo. E queriam a igualdade a qualquer preço.

Felizmente algumas das pessoas mais lúcidas que ajudaram a fazer o 25 de Abril (Melo Antunes, Vasco Lourenço, Vitor Alves, Pezarat Correia, Vitor Crespo, Franco Charais, Canto e Castro, Costa Neves e Sousa e Castro), perceberam a tempo para onde caminhávamos e uniram-se, redigindo o "documento dos nove", que culminaria com a mudança política registada a 25 de Novembro, em que foram neutralizadas as forças militares que estavam mais próximas da esquerda revolucionária.

Infelizmente as coisas não caminharam para a existência de uma verdadeira democracia, porque se cometeram vários erros. O maior talvez tenha sido permitir que o poder económico que dominava o país antes de Abril, voltasse a ter a primazia, com os resultados que todos sabemos (e culminaram com os "roubos" do BPN e BES...).

Mas, mesmo sendo de esquerda, não tenho dúvidas que nesse Verão Quente era mesmo necessário arrefecer os ânimos, era preciso caminhar na direcção de um regime mais democrático e pluralista.

A ilustração é de Loui Jover.

terça-feira, novembro 24, 2015

Algumas Coisas que Não Sei


Não sei se 51 dias depois a serenidade vai voltar.

Não sei se o Palácio de Belém têm buracos suficientes para o senhor Silva se esconder, pelo menos até meados de Janeiro, quando se aproximar o render da guarda.

Não sei quem são alguns dos ministros escolhidos pelo Costa. Torço para que sejam diferentes, para melhor, que os do costume (também há vários).

Não sei se o Portas e o Coelho vão continuar a fingir que são grandes amigos.

Não sei se o PCP e o BE vão aguentar ver o Costa a ser obrigado a meter mais uma vez o "socialismo" na gaveta, porque ele vai mandar muito menos do que pensa no governo.

Não sei se a justiça vai investigar tudo e todos, em vez de se ficar apenas com os dois ou três casos do costume, como têm sido os casos da "vida de príncipe em Paris de um plebeu" ou os "mistérios da pesca ao robalo à vara".

Não sei mesmo se a serenidade vai voltar, 51 dias depois...

O óleo é de Heather Stamenov.

segunda-feira, novembro 23, 2015

Viagens no Tempo


Quando fazemos trabalhos de investigação que levam as pessoas a voltar atrás no tempo, a recordar a sua meninice, é quase sempre reconfortante ver como os seus olhos brilham. Como falam de tudo aquilo que desapareceu, desde o velho sapateiro da esquina onde hoje existe um restaurante, à tasca e mercearia da Rita, que hoje é um cabeleireiro...

É como se lhe proporcionássemos uma viagem no tempo. Outra coisa curiosa é falarem connosco como se também fossemos daquele tempo, se conhecêssemos todas aquelas pessoas, que agora são meras personagens de uma época que não volta...

O óleo é de Henri Matisse.

domingo, novembro 22, 2015

O Nosso Lado Lunar que Gostamos de Pintar Cor de Rosa


Entre a centena e meia  de pessoas que visita o "Largo" diariamente, encontram-se dois ou três amigos que gostam de falar sobre o que escrevo (tenho pena que não queiram ser comentadores...), e que normalmente me ajudam a pensar com mais profundidade sobre coisas que escrevo com alguma leveza.

As conversas mais interessantes que tenho tido são com uma amiga, que posso dizer, sem ironia, que é um poço de sabedoria (rima e neste caso é mesmo verdade...). Eu sei que os sociólogos são uns chatos, que acham que têm respostas para tudo. Por vezes são piores que os filósofos, que gostam sobretudo de questionar e contradizer. Mas ela tem essa coisa boa de me fazer reflectir...

É impossível transcrever tudo o que dissemos ontem (dava quase um ensaio...), mas pelo menos posso tentar relatar o que foi dito de mais importante, o facto de vivermos o tempo das mudanças constantes.

Sim, eu acredito que até a forma como sonhamos vai sofrendo alterações. Talvez hoje haja uma maior confusão dentro das nossas cabeças, que acabe por "meter no mesmo saco" os sonhos e a realidade.

E também tens razão quando dizes que esta busca incessante pela felicidade, só nos tem conseguido transformar em pessoas mais infelizes e frustradas. Mas se não fossem os sonhos, como é que era possível sobreviver num lugar tão desigual como o nosso país, onde a ti só te é permitido viver num T1, mas o teu vizinho da frente vive num T5... E não vou falar das diferenças de ordenados, de carros, de lugares onde se passam férias, etc.

Tudo isto para dizer que é perfeitamente justificável e humano, que algumas pessoas queiram mostrar o que não têm e até inventar a tal personagem que gostavam de ser, nas redes sociais. Abriu-se uma porta e a parte cénica partiu em busca de palcos, deixando de ser habitada apenas nos nossos sonhos. Ou seja, as novas tecnologias tornaram mais fácil fazer o número de uma pessoa mais bonita, mais rica e mais feliz, com inspiração nos enredos das telenovelas e nos mexericos das revistas "rosa". E na actualidade este nosso "lado lunar "também pode ser facilmente transmitido (por exemplo) em episódios no "facebook" e ficar à espera dos desejados "likes".

Como tu dizes, isto dava um romance. E que romance...

A ilustração é de Cipriano Dourado.

sexta-feira, novembro 20, 2015

Felizmente o Mundo está longe de ser um Espelho ou uma Fotocópia


Ela aceitava que os meus companheiros de mesa não tivessem "facebook", por todas as razões e mais alguma, agora eu, não, isso não podia ser possível. 

Como é que eu podia passar sem esta forma, tão mediática, de publicitar os meus trabalhos?  Interrogava-se ao ponto de também me deixar surpreendido.

Talvez eu dê uma ideia errada de quem sou de facto. Mas o meu telemóvel só serve mesmo para telefonar, nem sequer me serve de máquina fotográfica, muito menos de "computador".

É mais fácil encontrarem-me no cacilheiro a olhar para o Tejo, a ler um jornal, uma revista ou um livro, que a trocar mensagens no telemóvel.

Talvez esteja a ficar ultrapassado, embora isso me soe a coisa boa.

Pode ser defeito, mas continuo a gostar de olhar para as pessoas, de falar com elas quando são amigáveis, de escutar vozes aqui e ali, de partilhar sorrisos e até cantos abrilentos como os que o João nos presenteou depois do almoço, ao ponto de inventar na nossa mesa um coro desafinado mais feliz.

O óleo é de Davis Park. 

quinta-feira, novembro 19, 2015

Viagens Quase Paralelas


Um homem abandonado e uma mulher em fuga, foram apanhados no meio de uma discussão, apenas porque estavam no lugar errado à hora errada.

Alheios ao que se estava a passar, limitaram-se a trocar olhares e a encolher os ombros na velha estação de comboios.

Quando as coisas começaram a acalmar já se tinham distanciado da confusão e partido, cada um para seu lado. 

Ambos partiam da mesma cidade, mas com destinos diferentes. 

Instalados nas carruagens mostravam o quanto é diferente um homem de uma mulher. Ele pegara num livro e já estava noutro lugar qualquer, mas ela, como quase todas as mulheres, continuava à janela da carruagem, à espera de um final...

A fotografia é de Marcel Bovis (quando não há assunto inventa-se, a partir de uma imagem...).

terça-feira, novembro 17, 2015

Querer Mudar o Disco e...


Não queria falar mais de política esta semana aqui pelo "Largo", mas é difícil passar ao lado da criaturinha que exerce o cargo de Presidente da República, que mesmo cheio de rabos de palha, adora evocar a sua governação como primeiro-ministro.

Como qualquer "super-herói" exaltou que foi primeiro-ministro de um governo de gestão por cinco meses e que nenhum mal veio ao mundo, até entregou Macau à China e tudo, já a preparar-nos para a "possível" bomba que vai largar por aqui, daqui a uns dias...

Éramos cinco à mesa e sabíamos que nenhum de nós tinha contribuído para a chegada ao poder de um homem tão medíocre - ainda que continue convencido que é o melhor do mundo -, mas questionávamos-se, como é que foi possível alguém votar num cobarde, que além de passar a vida a fugir do contraditório das ruas, é exímio a atacar por trás. E também se esquece, vezes demais, que é presidente de todos os portugueses e não apenas dos amigalhaços do BPN e de outras tramóias "cavaquistas", que só foram investigadas pela rama.

segunda-feira, novembro 16, 2015

Vivemos Tempos de Medo e de Desconfiança


Vivemos tempos de medo e de desconfiança. Não é de agora, nem tem nada que ver com os atentados de Paris.

Provavelmente terá alguma coisa a ver com o 11 de Setembro, com a invasão do Iraque, mas o que tem mesmo muito a ver, é com o poder insaciável do capitalismo, com a facilidade com que ele destrói vidas.

Quando se diz que o capitalismo não tem rosto, é mais uma mentira, das muitas que nos impingem diariamente. Claro que tem, é nem mais nem menos que a "tromba" da gente que se exibe nas listas dos mais ricos de cada país e do mundo.

São eles que andam por aí a distribuir medo por todas as ruas, que despedem as pessoas que lhes apetece, sem se preocuparem se têm família para sustentar, casas para pagar.

São eles que constroem hospitais, escolas, apenas com o objectivo de ganhar dinheiro. Para que a saúde e a educação deixem de ser direitos de todos nós, como está escrito na constituição.

São eles que escolhem os ministros e deputados que mais lhes convêm, para que aconteça o que aconteceu no nosso país nos últimos quatro anos. Os ricos ficaram ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres.

São eles que dominam os jornais e as televisões, que só nos mostram e escrevem o que querem, oferecendo ainda mais "medo" e "desconfiança", especialmente a quem não gosta muito de pensar pela sua própria cabeça.

Além de vivermos tempos de medo e de desconfiança, se não mudarmos de rumo, caminhamos para a "autodestruição", porque esta Europa capitalista não é boa para ninguém, nem mesmo para os Europeus.

O óleo é da alemã Dorte Clara Wolff.

domingo, novembro 15, 2015

A Memória e a Imaginação são Livres...


Tantas vezes que nos apetece fugir dos acontecimentos... 
Como se fosse possível apagar a memória com uma "borracha"...

Sei que a televisão gosta de se transformar num produto tóxico, quando acontece algo que entra dentro de nós pelo olhar e revela toda a nossa fragilidade.

Sei também que graças ao cabo "podemos fugir do mundo", escolher uma série ou um filme. Mas acontece, que, de repente, perdemos a vontade de fazer "zaping" e ficamos por ali, presos ao sofá, incrédulos, sem perceber muito bem no que nos transformámos. Mesmo que transmitam pela centésima vez a mesma imagem, usem as mesmas palavras, ao espreitarmos a janela, percebemos que não sabemos quem vamos encontrar depois da esquina...

Mas baixar os braços e fugir da rua não adianta nada. Além disso a memória e a imaginação são livres... 

É ela que me diz que somos a pior espécie que habita neste planeta. Mesmo dotados de inteligência, raramente aprendemos com os erros que cometemos. Além de destruirmos tudo aquilo que nos cerca, somos cada vez melhores a dar cabo de nós próprios.

Isso reflecte-se em tudo, até nas nossas escolhas políticas. Não é por acaso que os mentirosos e os fantasistas são normalmente os nossos eleitos.

Talvez seja mesmo cíclico e dentro de pouco tempo surja das trevas do Oriente, o "IV Imperador", ainda mais impiedoso que o alemão que também fingiu querer purificar o mundo...

O óleo é de Emile Bernard.

sexta-feira, novembro 13, 2015

O Alto Preço da Liberdade


As explosões e os atentados que colocaram Paris em estado de sítio, esta noite, podem ser várias coisas. Um aviso sangrento, é com toda a certeza. E terá repercussões por toda a Europa. 

Se o objectivo pretendido é dar início a uma inversão da marcha do Oriente na direcção do Velho Continente, ele será conseguido. Os muros já se começaram a erguer...

Mesmo nós, quase esquecidos neste canto da Europa, ao ponto de pensarmos que somos demasiado pequenos para servir de alvo terrorista, também iremos mudar de atitude, a breve trecho.

Infelizmente o nosso futuro é sermos cada vez menos livres, para felicidade de quem gosta de controlar e condicionar os outros (são cada vez mais...).

Pode ser um reflexo da idade, mas cada vez acredito menos na chamada "bondade humana"...

A fotografia é de Edouard Boubat.

quinta-feira, novembro 12, 2015

Uma Cidade Diferente Feita com Pessoas Diferentes


Ao longo da minha vida fui-me cruzando com várias pessoas que estão sempre certas e nunca se enganam. E quando metem os pés pelas mãos, raramente dão a mão à palmatória. Se tiverem alguém a jeito por perto para arcar com as culpas, "sacodem o capote" com a maior das facilidades.

Quando este comportamento apenas se verifica na Colectividade da nossa rua, com o presidente que continua a dirigir com a cartilha de Salazar debaixo do braço, as pessoas prejudicadas são em número relativamente reduzido. Agora quando esta forma de estar é protagonizada por um político importante (sei que o Presidente da República é o melhor exemplo desta espécie, que tanto mal tem feito ao país, mas não me vou focar nele, desta vez...), que geriu uma das principais autarquias do país, quem fica a perder são todos os seus cidadãos.

Não basta que estes indivíduos se afirmem como as pessoas mais sérias do mundo (dizem muitas vezes estas balelas, o que também é perigoso, porque somos sempre maus juízes em causa própria...), que fazem tudo pelos outros etcétera, quando na prática governam como se estivessem nas suas casas, como se o bem público lhes pertencesse e aos amigos.

Se ainda não perceberam, eu estou a falar de Rui Rio e da Cidade do Porto.

Com alguns dos caprichos que são mantidos por muita gente de direita (e também de alguma esquerda, como acontece por vezes em Almada...), ele foi destruindo muita da cultura que se fazia na cidade que governou, especialmente aquela que estava mais dependente dos apoios do Município. Em alguns casos poderia ter razão, mas na maioria não tinha. E quase como provocação, apoiou gente que veio de fora apenas para ganhar dinheiro, sem deixar qualquer marca cultural no Porto.

Felizmente com Rui Moreira tudo isto mudou, muito graças ao papel do seu vereador da Cultura, Paulo Cunha e Silva (que não conheci e penso nunca me ter cruzado com ele...), que nos deixou ontem. 

Embora não existam pessoas insubstituíveis, ele vai fazer muita falta ao novo Porto, que é hoje uma cidade diferente, muito mais aberta ao exterior e com muito mais oferta cultural.

quarta-feira, novembro 11, 2015

Os Nomes de Guerra na Infância


Na infância e adolescência os erros são mais facilmente perdoáveis, porque não são idades de reflexão mas sim de brincadeira e risota. Ou seja, o disparate vive muito mais perto de nós.

Mesmo assim nunca me esqueci da lição de ética e moral dada por um professor no segundo ano do ciclo preparatório, que nem se preocupou por estarmos numa fase da história cheia de excessos de liberdade (PREC).

Fez-nos perceber o quanto era doloroso passarmos a vida a chamar coxo ao nosso colega que tinha uma perna mais curta que a outra e que não precisava de ser lembrado de que coxeava de verdade, a todas as horas. Deu-nos mais exemplos do humor fácil e baixo, que utilizávamos com abundância. E se ainda não se usava o termo "badocha", "havia "baleias" à farta no recreio.

Podemos não ter mudado muito no nosso comportamento na época, mas eu não esqueci aquela boa lição em várias situações pela vida fora...

Já adulto fiz parte de um grupo de amigos, em que posso afirmar que aquele que subiu mais na vida socialmente (cargo de chefia na banca), era o mais provocador e mais ordinário. Algo que lhe causou alguns dissabores na rua, inclusive ajustes de contas com maridos que não se ficaram com os piropos ordinários desta figura, que não vejo há uns bons dez anos.

Irritava-me solenemente que quando jantávamos em grupo, ele aproveitasse de imediato algum "aleijão" físico de um dos empregados para se armar em engraçado, utilizando termos como "vidros" ou "gordo", para chamar o tal funcionário. Mas de nada valiam as nossas chamadas de atenção. Talvez se aproveitasse da nossa companhia para se libertar de todas as horas em que era escravo da gravata, do terno e da etiqueta...

Tudo isto porque ao ouvir as aventuras de infância de dois amigos que moraram na mesma rua (perto da Alameda), voltei a recordar o professor. Disseram-me entre outras coisas, que na rua todos tinham alcunhas, mas nenhuma tinha alguma coisa que ver com a aparência física. Isto aconteceu porque uma das melhores pessoas daquela rua era um cego, que os encheu de histórias pela infância fora. Deram o bom exemplo do Leandro, o único preto das redondezas, que foi sempre o "King" da rua.

A fotografia é de Denise Colomb.

segunda-feira, novembro 09, 2015

Já Não há Jornais de Rua como Antigamente


Hoje durante o almoço dei uma volta quase completa por Almada Velha, guiado pelo Chico, pelo Orlando e pelo Carlos. Reparei que a maior parte dos nomes que apareciam enquanto íamos percorrendo as ruas Capitão Leitão e José de Mascarenhas, eram nomes próprios colados a alcunhas. E se lhes perguntasse quais eram os apelidos, talvez ficassem a coçar a cabeça.

Como tem acontecido em tantas conversas lá surgiu a Rita "Macha", o mais completo e pitoresco "jornal" de toda a Almada Velha... Desta vez também fiquei a saber onde viveu.
Quis saber o porquê do "Macha", ninguém me soube dizer. Perguntei se ela era uma mulher grande, disseram-me que sim.

Quando vinha para casa pensei que não são só os jornais de papel que estão em crise, também as chamadas "coscuvilheiras" estão em crise, pelo menos as de rua. Já não existem mulheres bem informadas - e boas informadoras, das que raramente descuravam os pormenores mais interessantes - , sempre em cima dos acontecimentos que podiam ser notícia de rua, como foi o caso da popular Rita "Macha".

Pois é, a realidade diz-nos que já não jornais de rua como antigamente...

A ilustração é de Jon Whitcomb.

domingo, novembro 08, 2015

Passam por Nós Todos os Dias e Continuam sem um Nome e uma Voz


Estava a tomar o pequeno almoço e a olhar pela janela, satisfeito com o dia de Sol que temos pela frente, quando passou pela rua uma jovem mulher na companhia do seu pequeno cão. Passa por aqui pelo menos uma vez por dia, há pelo menos meia dúzia de anos. Reparo que é moderna, elegante e diferente (os penteados têm a sua marca pessoal), veste roupas confortáveis (pelo menos nestes passeios). Não é feia nem bonita, é ela. E não sei mais nada da jovem mulher. 

Ela é apenas um caso dos milhentos que nos passam pelos olhos diariamente, como o sujeito que encontro há anos no café e que nunca trocámos um simples bom dia ou boa tarde. Sei apenas que se senta na mesma mesa, perto da janela, gosta de andar de gravata e é um lobo solitário, daqueles que parecem não ter família. E pede sempre a bica cheia.

E nem vou falar dos vizinhos, não os do meu prédio mas os da minha rua. A maioria tem apenas rosto, nunca um nome. Por falar nisso, reparo que cumprimento mais as pessoas mais velhas que as da minha geração e mais novas. Talvez tenham sido elas que tenham começado a dar-me os bons dias e as boas tardes. E a maior parte conhece melhor a minha biografia familiar que eu a deles. Viram-me vir viver para aqui sozinho, depois descobriram-me uma companheira e viram nascer os meus dois filhos, que conhecem desde os tempos de colo até serem gente quase crescida.

Há o hábito de se dizer que as cidades cortam os laços humanos. Não sei se é verdade. Acho que muitas vezes somos nós que escolhemos viver nas cidades grandes para sermos gente sem nome...

O óleo é de Avigdor Arikha.

sábado, novembro 07, 2015

O Ressentimento e o Ódio Despertaram, Quarenta e Um Anos Depois...


No dia 25 de Abril de 1974 tinha apenas onze anos e vivia numa Cidade pacata, sem grandes laivos revolucionários.

Mesmo assim sempre gostei deste dia e da feliz ideia de crescer num país mais justo, fraterno e livre, que aquele que existira até então. 

E também gosto do que aconteceu no PREC, mesmo que tenha sido um período de grandes batalhas entre as esquerdas, os centros e as direitas. Embora nesses tempos andasse mais entretido a brincar, sei do que falo porque tenho lido muitos jornais, revistas e livros, e claro, ouvido o testemunho de tantos amigos mais velhos, que viveram esses anos inesquecíveis de 1974 e 1975, com os sonhos quase a flor da pele.

É por isso que me espanta, que 41 anos depois da Revolução, a possibilidade da existência de um governo com o apoio da esquerda (maioritária no parlamento) assuste tanta gente e liberte tantos fantasmas...

Hoje ouvi uma história pela primeira vez, da violência que era exercida sobre os operários não comunistas na Lisnave. Embora a fonte esteja longe de ser credível, não deixei de ficar espantado pelo relato, em que alguns elementos nem sequer para o duche se deslocavam sozinhos. 

E mesmo que seja verdade, porque razão estas pessoas não esqueceram todos esses excessos, próprios das revoluções (e a nossa até foi das menos sangrentas que se conhecem)?

E porque razão não confiam na palavra dos comunistas?

Não consigo compreender todo o ressentimento e ódio que têm enchido as páginas de alguns jornais. 

Talvez o problema tenha sido ter apenas onze anos no dia 25 de Abril de 1974 e viver até aos dezoito anos numa Cidade pacata, sem os tais grandes laivos revolucionários.

Ou talvez não. Provavelmente o problema está nos meus pais, que nunca alimentaram na nossa casa qualquer tipo de ódio ou ressentimento. 

E como lhes agradeço, de todo o coração.

A fotografia é de Bill Perlmutter, a prova de que a Vila da Nazaré não foi descoberta por McNamara.

quinta-feira, novembro 05, 2015

Quase Teatro na Biblioteca


Podia ser quase um número de teatro, mas aconteceu numa tarde destas. O cenário é a biblioteca da Incrível e as personagens uma mulher que gosta de livros e o bibliotecário (sim, eu mesmo).

Ela ia andando pelos pequenos corredores da biblioteca, à espreita dos nomes das lombadas dos livros, sem no entanto os tirar do sítio. Depois perguntou-me:

«Incomoda-te que quase ninguém frequente esta biblioteca?»
«Não. Não me incomoda, nem preocupa muito. Sei que há bibliotecas com melhores condições e com livros mais bonitos que esta.» Ela insistiu agora com uma quase afirmação.
«Mas de certeza que gostavas que existissem mais leitores.»
«Nunca pensei a sério nisso, mas acho que sim. Sei que esta biblioteca ainda podia ser mais que um quase museu. Mas também sei que estes tempos não são de livros, é difícil resistir ao mundo que nos aparece a um simples toque de telemóvel. Vejo-o pela minha filha que andava sempre com um livro atrás e agora anda a namorar um "tablet" para o Natal, porque o telemóvel é demasiado pequeno para ela estar dentro do "mundo"...»
«Consegues perceber porque razão estas bibliotecas eram tão frequentadas há cinquenta e sessenta anos?»
«Claro que consigo. Em primeiro lugar os livros eram caríssimos nesse tempo, comparados com outros bens essenciais. Isso fazia com que não existisse o hábito de teres uma biblioteca em casa, o normal era ires requisitar um livro para ler às bibliotecas das colectividades. Em segundo lugar, tirando o trabalho, o cinema e os bailes de fim de semana, não havia muito mais para se ocupar o tempo. E não menos importante, os livros eram uma das poucas oportunidades que existiam para se conhecer o mundo, e até de se sonhar. A televisão só apareceu no final dos anos cinquenta do século passado e era muito pobrezinha, com um horário limitado.»
«E eu que pensava que te sentias mais desgostado.»
«Pensavas... a vida é o que é.»
«Nem pareces um ficcionista a falar...»
«E tu não pareces uma mulher que lê livros. A ficção é a vida tal como ela é. Quase sempre com menos vírgulas.»

E depois seguiu-se um silêncio quase de ouro. Até que finalmente pegaste num livro e contaste-me uma história deliciosa sobre o autor.

quarta-feira, novembro 04, 2015

Pois Foi, Matei o Árbitro...


No domingo o "Diário de Notícias" entrevistou três escritores com ligações ao futebol, Mário Zambujal, Francisco José Viegas e Rui Miguel Tovar, depois de uma conversa na FNAC do Chiado, na sexta-feira.

Quando a Ana me telefonou eu ainda não sabia que o Francisco tinha dito ao jornal: «Eu matei um adepto do meu clube num romance (Morte no Estádio).»

E ela desafiou-me a escrever qualquer coisa pelo facto de ser o único romancista a ter matado um árbitro num livro (Bilhete para a Violência). Claro que estou longe de ter a notoriedade do Francisco, que até secretário de Estado da Cultura foi... Mas também escrevi um romance sobre futebol, editado em 1995. Tal como já sucedera, quarenta anos antes, em 1955 com o meu saudoso amigo e conterrâneo, Romeu Correia, com o seu "Desporto Rei", que fala do negócio que se avizinhava e da transformação de um desporto em espectáculo. Livro que foi tão mal recebido na época foi pela imprensa da especialidade...

Pois é, apesar de serem raros os escritores que ficcionam o futebol, em Almada há nada mais nada menos que dois. Bem sei que estes livros podem ser encarados como "literatura menor" (embora não saiba muito bem o que isso é).

terça-feira, novembro 03, 2015

Um Telefonema com Puxão de Orelhas


Hoje falei ao telefone com uma amiga sobre esta coisa de  escrever. 

Não gostou de saber que o romance (que tinha muitas histórias e muita gente lá dentro...) estava à espera de melhores dias.

Acusou-me de não me levar demasiado a sério. Eu sorri-lhe, para depois responder que era um alívio, pois sofre-se muito menos.

Disse que se lembrou de mim ao ler o "Diário de Noticias" de domingo (prometo contar por quê até ao fim da semana...). E voltou a tentar chatear-me, com puxões de orelhas ao telefone. Isso mesmo, desses que não doem nada, apenas nos fazem pensar.

Depois de desligar o telefone fiquei a falar com os meus botões e não tive qualquer dúvida de que para mim é mais fácil começar. Talvez seja por isso que tenho tantas histórias que não passaram do meio e continuam à minha espera, algures numa pasta qualquer do computador.

Nem se pode falar de gavetas cheias de "palha". Pode-se sim falar das tais pastas com documentos à espera de melhores dias...

A fotografia é de Gabriel Casas.

segunda-feira, novembro 02, 2015

Gostar de Filmar para as Pessoas


Ontem deixou-nos um dos realizadores portugueses mais comprometidos com os espectadores, o José Fonseca e Costa.

Quem conhece a sua filmografia sabe que ele nunca andou com a câmara virada para o umbigo, quis sempre fazer filmes que chegassem às pessoas.

E na minha modesta opinião, penso que chegaram. Gostei de quase todos os filmes, especialmente os que fez com o Mário Viegas (Kilas (o Mau da Fita)", "Sem Sombra de Pecado" e "Mulher do Próximo") e também de "Cinco Dias, Cinco Noites". Noto que sabia o que queria, era por isso que era muito bom a escolher os seus actores.

Claro que Fonseca e Costa, Fernando Lopes, António Pedro-Vasconcelos, Joaquim Leitão ou João Botelho, não têm culpa que o cinema português seja quase escondido debaixo do tapete das salas e dos portugueses...

O óleo é de Everett Shinn.

domingo, novembro 01, 2015

Operário entre Burgueses no Dia de Santos


Sim, continuo a pertencer ao meio operário (embora não se perceba muito bem o que é isso nos nossos dias). Nunca tive dúvidas, seja pelas minhas origens, seja por me sentir como "peixe na água" ao lado os meus amigos marxistas de Almada (mesmo que alguns deles não saibam muito bem o que isso é, mas as suas palavras e o que sentem, diz tudo...). Ao contrário do que acontecia na minha cidade natal, pequeno-burguesa, onde quase toda a gente queria parecer mais do que era...

Olho para este presente cheio de nuvens e não esqueço as palavras de um sobrinho-neto de um ministro de Salazar (no fim do "reinado" de Sócrates...), que fez um desenho com palavras do que aí vinha. Inocentemente não quis acreditar. Ele, mesmo sabendo que eu era um "perigoso comunista", capaz de "comer criancinhas", não teve qualquer problema em explicar, que finalmente as famílias que tinham ajudado a construir Portugal nos últimos duzentos anos, iam voltar ao poder e fazer do nosso país o que fora adiado em 1974.

Não só não acreditei como não lhe dei conversa, até por já termos tido um "desaguisado", por entendermos a história de maneiras diferentes. Ele poderia ter um quadro do Salazar na parede e achá-lo um "santo protector", que isso não ia mudar nada sobre o que pensava daquele "paizinho" de tanta gente, que continua a não passar de um "filho da puta".

O que é certo é que apesar do fim dos Espírito Santo, o "reino", que tem como "testas de ferro", Portas e Passos, conseguiu fazer o impensável, em apenas quatro anos, devolvendo o pouco poder que ainda existe às famílias do costume (que deviam odiar o Ricardo Salgado por ter conseguido fazer tantas sombras nos últimos trinta anos...).  

Mas o pior ainda está para vir (se continuarmos adormecidos...). Sedentos de poder, vão usar ainda mais a mentira para voltarem a ter uma maioria absoluta. Já devem estar mais que preparados para "minar" todas as ruas que podem ir dar a um acordo político entre o PS, PCP e BE.

E eu continuo sem perceber o que "falhou" na minha educação, pois continuo a querer ser operário e nunca burguês...

A fotografia é de Bert Hardy (sim, podia ser eu, sem medo da chuva ao lado do meu Pai  - que bom ensinares-me a gostar tanto da liberdade - e com o olhar na minha Mãe).