quinta-feira, agosto 30, 2007

O Uso dos Adjectivos


Nunca tinha pensado nisso.
Foi preciso alguém, que anda entre o amigo e o conhecido, me dizer que utilizava muito a palavra "lindo" nos comentários, e que devia ter mais cuidado, porque ela era "abichanada"...
Deixei escapar uma gargalhada, porque pensava que era uma piada. Mas não, era a sério...
Neste mundo palavroso, parece que ainda há quem separe os adjectivos por sexos, ou seja, defendem uma cartilha de palavras para homens e outra para mulheres. O mais curioso, foi o facto de ter constatado que as "bichas" são as únicas pessoas que não têm fronteiras, no mundo das palavras...
Apesar de ter a questão das minhas preferências sexuais bem resolvida, percebi que era "bicha", pelo menos no jogo das palavras...
O preconceito, essa coisa feia, imaginem só, até consegue chegar às palavras, neste caso particular, aos adjectivos.
Acho que vou aplicar ainda mais vezes o "lindo", porque é um adjectivo bonito, prático e não muito excessivo...

Este texto tem a Linda companhia de um desenho de Carlos Botelho, "Jungle", da sua passagem por Paris, nos anos trinta.

terça-feira, agosto 28, 2007

Os Jornais e a (i)Realidade


Faço quase sempre uma primeira leitura de jornais, um pouco transversal. É por isso que me escapam alguns pequenos nadas, que acabo por descobrir passado um dia ou dois...
Foi o que aconteceu sobre um pequeno texto do "Público" de sexta-feira, que nos anunciava a publicação de um retrato de Sarkozy, feito pela dramaturga Yasmina Reza.
A parte que achei mais curiosa da notícia, é a que descreve a campanha (comum a tantas outras...), focando a velocidade, a irrealidade das deslocações onde não são vistos os lugares, não se ouvem as pessoas, apenas se aparece. E cita mesmo um moço jeitoso (Laurente Solly), que foi chefe de gabinete de Sarkozy e agora é director da estação televisiva TFI: «A realidade não tem qualquer importância. Só a percepção importa.»
Embora este texto se refira a França, penso que pode ser facilmente transposto para o nosso país, e explicar, porque razão temos tão maus políticos, com lata para pagar os favores de qualquer "Solly", desde que participe activamente nesta irrealidade...
Apesar de ser "moderno", aparecer apenas, sem ter tempo olhar para os lugares e muito menos para ouvir as pessoas, todos sabemos que esta postura não resolve os problemas de nenhum país...
É por isso que o humor de Bordalo Pinheiro, neste anúncio "mágico", continua a fazer todo o sentido no século XXI...

sexta-feira, agosto 24, 2007

Fugir da Cidade...

Quando já não estamos de férias, os fins de semana de Verão são quase sempre aproveitados para continuar em passeio, aqui e ali. Podemos deambular pelas praias ou pelos campos, e até ver pessoas que nem sempre é possível visitar, por estarem longe...
Foi por isso que escolhi "A Fuga" de Mário Eloy, em excelente pintor modernista, de uma segunda vaga, com algum vestígios do expressionismo.
Parece que o bom tempo está para ficar no fim de semana que se avizinha, pelo que é boa ideia aproveitar a boleia do Eloy e fugir da cidade...

segunda-feira, agosto 20, 2007

A Importância da Comunicação...

Nos anos quarenta os telefones tentavam a aproximação dos lares portugueses, com a verdade indesmentível, de que seriam o meio de comunicação mais rápido do mundo.
Ainda hoje é assim, não perderam a rapidez, ganharam sim, alguns rivais de peso, como este meio que utilizamos para comunicar, também com imagens e imaginação...
Claro que apesar da publicidade, o telefone continuou a ser um luxo e a estar ausente na maior parte dos lares portugueses.
Também aqui, as coisas só mudaram com a revolução de Abril...

terça-feira, agosto 14, 2007

Mais Além

"Mais Além" é um livro especial.
Digo isto porque está escrito com tanta proximidade e paixão, que faz com que haja uma ligação muito forte entre o leitor e o narrador, que também é a personagem principal.
Sentimos tudo muito perto, quase real. Tal como acontece com os bons livros de viagens, quando damos por isso, "estamos com um pé" nos lugares tão bem descritos, vivendo a acção, as dificuldades e as alegrias de cada expedição. Quase que sentimos a respiração dos heróis das alturas, das personagens secundárias - onde se podem incluir os iaques -, dos nativos, e claro, a importância das tradições locais...
Vamos subindo e descendo, descendo e subindo, andando de aclimação em aclimação... sempre a querer chegar Mais Além, na companhia do João Garcia, este português fora de série, que está cada vez mais próximo do seu objectivo: alcançar o topo das 14 maiores montanhas do planeta.
Grande João!
Esta leitura foi mais uma excelente companhia nas férias...

domingo, agosto 12, 2007

MIguel Torga (III)



Ficha

Poeta, sim poeta...
É o meu nome,
Um nome de baptismo
Sem padrinhos...
O nome do meu próprio nascimento...
O nome que ouvi sempre nos caminhos
Por onde me levava o sofrimento...

Poeta, sem mais nada.
Sem nenhum apelido.
Um nome temerário,
Que enfrenta, solitário,
A solidão.
Uma estranha mistura.
De praga e de gemido à mesma altura.
O eco de uma surda vibração.

Poeta, como santo, ou assassino, ou rei.
Condição,
Profissão,
Identidade,
Numa palavra só, velha e sagrada,
Pela mão do destino, sem piedade,
Na minha própria carne tatuada.


Hoje o poeta fazia 100 anos...

Este poema de Miguel Torga foi retirado do seu livro, “Câmara Ardente”, editado em 1962, ano em que nasci...

sábado, agosto 11, 2007

Miguel Torga (II)


[...] Noé e o resto dos animais assistiam mudos àquele duelo entre Vicente e Deus [...]. A significação da vida ligara-se indissoluvelmente ao acto de insubordinação. Porque ninguém mais dentro da Arca se sentia vivo. Sangue, respiração, seiva da seiva, era aquele corvo negro, molhado da cabeça aos pés, que, calma e obstinadamente, pousado na derradeira possibilidade de sobrevivência natural, desafiava a omnipotência.
Três vezes uma onda alta num arranco de fim, lambeu as garras do corvo, mas três vezes recuou. A cada vaga, o coração frágil da Arca, dependente do coração resoluto de Vicente, estremeceu de terror. A morte temia a morte.
Mas em breve se tornou evidente que o senhor ia ceder. Que nada podia contra àquela vontade inabalável de ser livre.
Que, para salvar a sua própria obra, fechava, melancolicamente as comportas do céu.

Final do último conto do livro, “Bichos”, uma obra fascinante, pela sua simplicidade e pelas várias mensagens que nos são oferecidas, pela sapiência dos animais de Miguel Torga, ao longo dos catorze contos...

sexta-feira, agosto 10, 2007

Miguel Torga (I)

A "Visão" e o "Jornal de Letras", resolveram homenagear um dos grandes nomes da literatuta portuguesa, com a edição de um pequeno livro com o título, "MIguel Torga, Cântico do Homem".
Quem gosta deste poeta e prosador genial, não deve perder esta pequena homenagem...
Eu gosto. Gosto de tudo o que ele escreveu. Da sua poesia, tão forte; da sua ficção, tão natural; e claro, dos seus diários, tão intimistas e certeiros.
Por hoje, retiro apenas uma passagem curta do seu "Diário, XI", que expressa bem a seu amor pela liberdade e pela democracia:
«S. Martinho de Anta, 21 de Agosto de 1968 - Não, nunca poderia pertencer a nenhum partido. Se eu hoje me visse na situação de ter de aplaudir a invasão da Checoslováquia, preferia morrer. Assim, ao menos, posso continuar a viver no mundo, livremente indignado.»

terça-feira, agosto 07, 2007

A Geografia dos Nomes

Ontem a Ponte Sobre o Tejo, entre Alcântara e o Pragal, comemorou mais um aniversário.
Curiosamente, ou talvez não, os baptismos da ponte continuam sem unanimidade. Primeiro foi Ponte Salazar, hoje é Ponte 25 de Abril. E amanhã poderá ser outra coisa, pois segundo os engenheiros esta obra é coisa para durar pelo menos um século. Pelo que até 2066 ainda tem tempo de sobra para receber novo baptismo...
Provavelmente o erro foi ter ficado inicialmente com o nome do ditador português e não de outra figura histórica mais abrangente, como por exemplo D. Afonso Henriques, D. João I ou II. Até porque ele ainda estava em funções, como presidente do conselho de ministros do império português, quando este cargo era o mais importante da nossa governação e o Presidente da República não passava, orgulhosamente, de um corta-fitas, ao qual juntava ainda algum humor, com os seus discursos pouco convencionais...
Claro que Salazar não passava de um falso simplório. Se por um lado, fazia o papel de pobre e humilde - não trocando de botas nem de fato - adorava estas coisas dos nomes, o poder ficar para a posteridade. Só lhe faltava a lata do ditador do Iraque e do Alcaide de Elvas, caso contrário não havia cidade portuguesa sem uma sua escultura num lugar bem visível e ainda um jardim, uma ponte ou avenida...

Fiquei ainda mais convencido desta "vaidade", quando descobri, há pouco tempo, que no concelho de Almada - na Cova da Piedade - já existia uma Rua António Oliveira Salazar em 1940...

sábado, agosto 04, 2007

Cemitério de Pianos

Não consegui ler todos livros que levei para férias, Li apenas três... e um deles fora da lista escolhida.
Um dos livros que fiz questão de ler foi o Cemitério de Pianos de José Luís Peixoto.
É um livro soberbo. Embora esteja escrito de uma forma em que as próprias personagens acabam por se confundir no tempo e no espaço, relata uma malga tão intensa de sentimentos e de vivências, de acontecimentos, que apesar de fazerem parte do quotidiano de tantas famílias, surgem de uma forma mais intensa.
Todo o desfilar de sentimentos contraditórios, que fazem parte da natureza humana, chegam a fazer "doer", ao próprio leitor - pelo menos a mim, fizeram... a parte da cegueira de Simão é muito dura, e fez-me lembrar a espaços o que deve ter sentido o meu tio, que ficou cego de um olho, na infância, por um gesto inconsciente da irmã, pequenina, que lhe enfiou um garfo num dos olhos.
O José Luís escolheu o drama de Francisco Lázaro, que morreu em Estocolmo, quando corria a maratona dos Jogos Olímpicos, apenas para situar esta família no tempo. Depois aborda a violência doméstica, o adultério, a obesidade, o ciúme, os sonhos, o amor, o trabalho, o alcoolismo, etc.
Há também uma mistura interessante entre a vida e a morte, como se vivêssemos por episódios, ou seja, em várias vidas. É no mínimo curiosa a forma como a morte se intromete com a vida, surgindo de múltiplas maneiras, e com qual nunca se sabe lidar, nem nunca estamos preparados...
O cemitério de pianos? é mais uma metáfora e não apenas um "decor"...
Recomendo este livro a todas as pessoas que gostam de ler...

quarta-feira, agosto 01, 2007

Notícias Estranhas Sobre Gente Estranha

Já estava de férias quando assisti às entrevistas, previamente escolhidas, com vários "excursionistas" da terceira idade, oriundos de várias terras do Norte e do Sul, que foram empurrados para o Hotel Altis, onde o Costa e companhia, disfarçavam a vitória da abstenção.
Pobres coitados, nem sabiam ao que iam, foram mesmo apanhados na curva...
Notícia pior foi o "fumo" lançado pelos patrões, sobre a possibilidade de se alterar a constituição, para lhes facilitar, mais ainda, os despedimentos sem causa justa, de que tanto gostam.
Nunca tive conhecimento de nenhuma falência ocorrida por culpa dos empregados. São quase todas provocadas pela má gestão dos patrões, ou por fraudes, dos mesmos.
Como não fui passar férias para outro país, não consegui passar ao lado destas duas notícias estranhas, sobre gente estranha...
Socorri-me a mais um desenho do Rui, para dar alguma cor a este povo português, condenado ao uso e abuso de «chico-espertismo»...