quinta-feira, março 31, 2016

Ideias, Caixotes e Repetições

Para quem escreve, uma das coisas mais frustrantes que nos acontece, é a mudança que existe dentro de nós em relação às ideias. Essas mesmo, que nos surgem do nada e parecem boas. Parecem. E isto passa-se apenas de um dia para o outro (quando não é de uma hora para a outra...). Não sei se isso só acontece a quem é exigente e tem um "caixote do lixo" aberto dentro dele, sempre preparado para receber ideias amachucadas. É capaz... 

Um exemplo? Eu ontem tinha pensado escrever aqui no "Largo" sobre o facto de passarmos o tempo quase todo a escrever as mesmas coisas, de nos repetirmos, mesmo sem darmos por isso. Só que essa ideia hoje parece-me uma banalidade...

Mas se nós até nos erros, nos repetimos, porque razão não acontecerá o mesmo em tantas outras coisas da nossa vidinha, como a "escritaria", por exemplo?

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, março 30, 2016

Os Lugares, as Pessoas e a Indiferença

Nem sempre pensei assim, mas agora também me começo a aproximar daqueles que olham para a indiferença como o pior dos sentimentos que se podem ter sobre qualquer coisa ou lugar.

Quando nos tornamos indiferentes ao que nos rodeia, não só caminhamos de braços caídos como viramos as costas, com a maior das facilidades, aos problemas que acontecem.  Com uma boa dose de egoísmo, dizemos, ainda que de uma forma velada, que eles "pertencem" aos outros...

Este estado de alma pode ser transposto para o Mundo, para a Europa, para Portugal, para a nossa Cidade ou ainda para a nossa Rua.

Mas esta indiferença ainda tem outros "ques", confunde-se muitas vezes com outra coisa: o estar à espera que os outros resolvam os nossos problemas...

E nós portugueses somos tanto isso. É provável que nos outros países aconteça o mesmo, mas penso que não. Por aqui vejo demasiada gente à procura de um "D. Sebastião" ou de um "Farol" que caia do céu e venha iluminar as suas vidas... 

Eu continuo a pensar que viver é outra coisa...

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, março 28, 2016

Os Teatros e os Actores Principais da Justiça


Gostava que os juízes fossem todos mais parecidos uns com os outros.

Claro que não quero que tenham todos cabeleira loura ou pesem apenas sessenta quilos. Quero sim que tenham o mesmo peso e a mesma medida da justiça.

Podia falar dos nossos casos mais mediáticos ou do que nos chega diariamente dos "brasis"... onde alguns senhores dão cotoveladas, aqui e ali, só para aparecerem no jornais ou na televisão.

Mas não, fico-me apenas por dois casos: pela senhora que tratou os pais da criança de doze anos (que quase pareceu que era ela que estava a ser julgada...) de forma diferente, ele por senhor doutor e a mãe pelo nome próprio e por "querida", entre outras coisas... e claro, ainda por outra senhora (o facto de terem sido senhoras nestes casos é apenas uma coincidência...), que a páginas tantas disse sobre o caso que julgara: «Todos reconhecem ao apresentador características que reflectem atitudes atribuídas ao sexo feminino, tal como a sua forma de se expressar... para além de que o apresentador usa roupas coloridas próprias do universo feminino e apresenta um tipo de programas também eles ligados às mulheres.» Não, não estou a falar de José Castelo Branco, mas sim de Manuel Luís Goucha (que nunca vi de saia, vestido ou sapatos de tacão alto na televisão...), que em 2009 foi vitima de uma brincadeira de mau gosto do programa televisivo, "Cinco para a Meia Noite", em que perguntavam qual era a melhor apresentadora de televisão e cuja resposta certa era, Manuel Luís Goucha.

Ele não gostou e como as pessoas da "gracinha" não se retrataram ou pediram desculpa seguiu com o caso para os tribunais. Eu na altura senti logo que tinha existido um "abuso". Sem me querer armar em "Diácomo Remédios", penso que o humor é outra coisa, não é bem isto.

E embora não seja fã do apresentador, nem veja normalmente os seus programas nem o canal para onde trabalha, acho que ele tem toda a razão em se sentir indignado com o arquivamento do processo e, especialmente, com a leitura da sentença. As suas preferências sexuais são públicas, mas não vejo que ele tenha as tais características que reflectem atitudes atribuídas ao feminino. Em relação ao colorido das roupas que usa - pelo menos aos meus olhos -, fazem parte da sua imagem de marca televisiva, tal como acontece com tantos outros colegas de profissão.

Não gosto nada, mas mesmo nada, destes "justiceiros" (nestes dois casos foram "justiceiras"...) que se acham no direito de fazer julgamentos no mínimo preconceituosos, que acabam sempre por "ferir" a lei.

(Óleo de René Magritte)

domingo, março 27, 2016

Teatro na Páscoa

Os calendários têm destas coisas e este ano o Dia de Páscoa coincidiu com o Dia Mundial do Teatro.

Quem gosta de teatro têm muitas salas abertas neste feriado, onde além da Páscoa, se festeja o Teatro, esse companheiro permanente de todas as "crises" e que tem uma resistência pouco comum...

Esta fotografia foi tirada num dos ensaios da peça que escrevi, "O Amor é uma Invenção do Cinema", encenada e exibida pelo Cénico da Incrível Almadense em 2014 e apresentada na 18ª Mostra de Teatro de Almada.

(Fotografia de Luís Aniceto)

sexta-feira, março 25, 2016

Achamos Sempre Mais Graça às Raparigas que aos Rapazes

Como observador do "mundo que me rodeia" sinto que se acha sempre mais graça às raparigas que aos rapazes.

Posso falar inclusive dos exemplos cá de casa, pois a minha filhota sempre foi mais mimada e elogiada que o meu filho - e não estou a falar dos pais. Ou ainda de outros casos próximos, como o exemplo de dois gémeos falsos em que as suas diferenças de comportamento (a "lata" dela e a "timidez" dele...) e a forma como foram acarinhados durante o seu crescimento determinaram os seus percursos na vida adulta (ela mais certinha e ele mais errático...).

Isto pode ser entendido como palavra de homem, mas sinto que estou a escrever sem qualquer tipo de amarras de género. Basta olhar para as avós, para quem as suas "meninas" são sempre diferentes dos seus "rapazes". Sei que isto também pode acontecer como forma de defesa e de protecção, por estas saberem que o mundo que as espera continua a ser mais masculino que feminino (para não lhe chamar outra coisa...), pelo menos fora de casa.

Como a maioria dos comentários do blogue são femininos, estou curioso por saber o que é que elas pensam deste quase "não assunto".

(Óleo de Dima Dmitriev)

quinta-feira, março 24, 2016

«De lágrimas de crocodilo está o mundo cheio.»


Enquanto bebíamos café a televisão continuava com ligação directa a Bruxelas.

Comentámos mais uma vez de forma crítica  toda esta "intoxicação televisiva", com repetições de imagens, entrevistas a vitimas dos atentados e também a todos aqueles que gostam de dar um ar da sua graça e de se candidatarem a "heróis".

As emoções e as palavras de circunstância dos políticos foram o alvo da Rita que exclamou: «de lágrimas de crocodilo está o mundo cheio.»

O Carlos foi ainda mais incisivo sobre os governantes europeus: «são uns merdosos que passam a vida a alimentar todo este circo de hipocrisia, incapazes de resolver o que quer que seja.»

Eu limitei-me a ouvir, cansado e farto disto tudo. Até por saber que eles estão certos. Tenho cada vez mais a sensação de que as grandes potências europeias apenas fingem estar preocupadas com o clima de medo e de desconfiança que se vai instalando um pouco por todo o lado.

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, março 23, 2016

Viagens pela Memória à Mesa...


Hoje fui à minha Cidade Natal almoçar com a minha mãe e o meu irmão.

O passado finta quase sempre o presente e o futuro, através das conversas sobre as pessoas que povoaram a nossa meninice.

Sei que sou quem tem mais dificuldade em arranjar rostos para colar aos nomes que a mãe e o mano vão trazendo para a mesa.

Tenho a desculpa de ter partido aos dezoito anos para a "Cidade Grande" e, embora nunca me tenha afastado demasiado, fui perdendo raízes, fui esquecendo a existência de demasiadas pessoas, que o tempo gosta de "engolir".

Louvo a paciência dos meus filhos que são meros espectadores destas conversas sobre lugares e pessoas, que fazem parte do meu imaginário, de uma Cidade e de um Bairro que já só existem nas nossas memórias...

(Fotografia de Luís Eme)

terça-feira, março 22, 2016

A Substituição do Nosso Olhar...

Já devo ter escrito qualquer coisa sobre a evidência da "massificação" da fotografia, ter revolucionado completamente o nosso olhar.

Fico muitas vezes com a sensação de que vamos aos lugares para os fotografar e não para os olhar.

Talvez seja por isso que muitas vezes tento disciplinar-me, dizer aos meus olhos e aos meus dedos, que estou ali para olhar e não para fotografar. Mas é uma tarefa difícil...

Não sei se vimos pior ou melhor as coisas. Sei apenas que as olhamos de maneira diferente.

É também por isso que gosto dos museus que nos proíbem de tirar retratos. Os museus pedem um olhar mais atento, e também uma atmosfera sem os "cliques" das máquinas, apenas com vozes que se fazem ouvir quase em sussurro.

Claro que também se mistura nesta "febre de imagens" a natural "feira de vaidades", um sinal destes tempos. Esta fotografia foi tirada no domingo de manhã, em que me apeteceu ir a Lisboa ver a Sophia, no seu miradouro da Graça. Quando vinha de regresso no cacilheiro para a minha margem, escutei e senti a alegria de uma "atleta" que participara na meia-maratona, por já ter colocado a sua aventura atlética e fotográfica no "facebook"...

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, março 21, 2016

Abril Pode (e deve) Florir em Março...

Porque hoje se festeja a natureza e a poesia, publico o poema que escrevi para ser "colado" à fotografia de ontem, da tal exposição de Abril de 2014, "Cravos da Liberdade", quase de poesia ilustrada, pois cada fotografia teve uma Legenda-Poema...

A exibição da peça "Turismo Infinito" em Almada foi usada como pano de fundo para ilustrar o futuro próximo dos nossos jovens, que para sobreviverem têm de partir...


Abril Floria

Fazias as malas
enquanto lá fora ABRIL FLORIA.
Sabias que não havia
lugar para ti neste país
onde se continua a fingir
que se vive em democracia…


                      [Luís Milheiro]

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, março 20, 2016

Mudar (ou não) de um Dia para o Outro...


Há pessoas que conseguem mudar de vida de um dia para o outro, quase sem deixar rasto. Não vivem agarradas aos lugares, mudam de casa e de cidade com relativa facilidade.

Hoje isso acontece mais que ontem, porque a instabilidade tomou conta de muitas vidas, especialmente dos jovens. O emprego voltou quase aos tempos da "jorna diária", nos campos e nas fábricas. O arrendamento de casas também voltou em força (até por ser mais difícil conseguir um empréstimo)...

Eu sei que não sou de mudar. Muito menos de deixar tudo para trás num ápice. Este tudo não engloba apenas pessoas, também lá estão os objectos que fui "coleccionando" ao longo da vida.

Talvez isso aconteça por não ter nascido nem vivido num tempo e num espaço de instabilidades. Enquanto vivi com os meus pais só mudámos uma vez de casa. Eu também vivo há vinte e oito anos no mesmo apartamento, que vim estrear...  

Claro que pode sempre acontecer uma catástrofe, natural ou não, que nos obrigue a seguir um novo rumo, sem querermos. Basta olharmos para o Médio Oriente, para todos aqueles que são obrigados a fugir da "morte anunciada"...

(Fotografia de Luís Eme - uma encenação que fiz para a minha exposição de fotografia, "Cravos da Liberdade" de 2014, o modelo é o meu filho...)

sábado, março 19, 2016

O Cacilheiro o Tejo e o "Polícia Sinaleiro"

A ilusão óptica tem destas coisas...

Eu que estava lá, no Cais do Ginjal, ao fim da manhã, sei que o homem mexia os braços a puxar os fios das "armadilhas" que montara para chamar os chocos.

Mas quem olha para a fotografia, fica mesmo a pensar que se deve tratar de "louco de Cacilhas" (ou de um brincalhão), que pensa escolher a direcção do Cacilheiro...

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, março 18, 2016

«Será que o jornalismo morreu, sem que tenhamos dado por isso?»

Hoje publicou-se pela última vez, em papel, o "Diário Económico".

Confesso que nunca perdi muito tempo com as leituras deste género jornalístico, por ser demasiado técnico. Foi também por isso que não comprei o último número.

Tenho lido algumas coisas que se têm escrito sobre o que se está a passar no nosso jornalismo, onde se fica com a sensação que o "jornalismo sério e pluralista" já quase que não tem leitores...

Não vou em busca de causas, mas o que se tem passado nos últimos anos na nossa comunicação social, só nos poderia levar a caminhar para "ruas tortuosas", cheias de "armadilhas". Quando se fechou os olhos à criação de autênticos monopólios - que nunca existiram nas ditaduras salazarista ou marcelista -, cujos interesses tinham a ver com tudo menos com jornalismo, não se podia esperar que o rigor e independência do "quarto poder" ficassem a ganhar. 

Sei que a televisão é em boa parte a grande culpada do quase "alheamento" das pessoas, pelo que realmente se passa no nosso país. Parece que é só ali, dentro da "caixa mágica" que está a felicidade... Com programas que enchem as manhãs e as tardes das pessoas de ilusões (basta ligar para o número da "sorte" para ganhar um carro mais um saco cheio de notas...).

Não é por acaso que o que hoje mais vende são as revistas associadas à televisão, que se alimentam dos resumos das telenovelas e das "invenções" sobre as vidas - pública e privada - dos "famosos", que tanto podem ser actores das novelas como participantes dos programas onde se finge transmitir a "vida em directo" (e que eu na maior parte das vezes não faça ideia quem são... mas isso só acontece porque eu primo por ser gajo um "mal informado"...). 

E claro, quem também vende que se farta é um jornal diário que explora ao jeito de folhetins novelescos vários casos de polícia, e que adora explorar a curiosidade mórbida de cada um de nós. Parece que este "Correio" vende mais que todos os outros jornais juntos...

Por tudo isto, não sei que diga sobre jornalismo, jornais, monopólios, patrões ou jornalistas, mas lanço uma pergunta: «Será que o jornalismo morreu, sem que tenhamos dado por isso?»

(Fotografia de Johua Benoliel)

quinta-feira, março 17, 2016

O Fado Vadio e um Outro Bairro Alto


Ontem encontrei um rapaz que não devia ver há mais de vinte anos.

Encontrámos-nos por acaso nas ruas de Lisboa. Acabámos por parar num café onde oferecemos alguns minutos de conversa um ao outro.

Falámos de vários tempos e de várias peripécias, desde as aulas de natação que demos em conjunto (que eu evitava, porque ele passava mais tempo a chatear os miúdos que a ensiná-los a nadar...) às noites de quinta-feira em que nos enfiávamos no Bairro Alto com mais dois ou três amigos depois de jantar, e que se prolongavam até ao raiar do dia.

Nesse começo da década de oitenta, em que ainda andávamos a aprender a ser homens, o fado ainda não estava na moda, as prostitutas e os seus "donos" ainda tinham o seu território no Bairro, tanto nas ruas como em alguns bares, que tentavam fintar a modernidade, perfumados com vinho tinto, carapau frito e "águas de colónia" e lacas baratas que as "meninas" (algumas já quarentonas...) usavam.

Perguntei-lhe se ainda cantava o fado. Começou a sorrir e abanou a cabeça a dizer que não. Depois disse-me que continuava a gostar da canção de Lisboa e que ainda sabia de cor os dois ou três fados que cantava sempre que lhe pediam, embora gostasse de se "fazer caro". Pelo menos isso aprendera com as "vedetas", a só responder às chamadas para  o palco improvisado com muita insistência...

Claro que falámos de outras coisas, dos filhos que fizemos, das mulheres que amámos, dos amigos que perdemos de vista. Da vidinha, como diria o grande poeta O' Neill...

(Fotografia de Toni Frissel)

terça-feira, março 15, 2016

Proibido Andar Sobre a Relva


Hoje comprei por dois euros o livro, "Proibido Andar Sobre a Relva", de Ferro Rodrigues. Embora não esteja datado (há muitos livros mais antigos que não têm qualquer data da sua edição...), pesquisei e descobri que era de 1966.

Comprei-o sobretudo pelo título. Já em casa acabei por ter uma segunda surpresa, o livro nunca tinha sido lido, continuava "virgem", à espera que alguém lhe abrisse as suas páginas...

Não deixa de ser curioso, que um livro com praticamente cinquenta anos de vida, com as suas páginas amarelecidas, tenha passado  todo este tempo a "dormir" em qualquer estante, sem que ninguém sentisse curiosidade pelo título ou pela própria capa.

Prometo lê-lo com alguma brevidade (vai ultrapassar uma montanha de livros que esperam e desesperam por quem os folheei com entusiasmo...). Talvez já em Abril.

segunda-feira, março 14, 2016

A Arte de Ser Actor


Antes do almoço vinha numa das carruagens do metro perto de cinco jovens que falavam descontraidamente das vantagens de se ser actor. Durante os poucos minutos que os ouvi, nunca se referiram a esta profissão como Arte, nem tão pouco ao talento que é necessário ter para se enfrentar o público numa sala de teatro ou uma câmara de filmar.

A única coisa que realmente lhes interessava era o dinheiro que um ou outro amigo tinha ganho com a participação numa série ou telenovela. O mais curioso é que nenhum deles tinha aquilo que se pode chamar de "bom ar", algo que nos dias de hoje é essencial para se aspirar a qualquer coisa no mundo do espectáculo.

Já depois das 16 horas fiquei a saber que o Nicolau Breyner tinha sido encontrado sem vida em casa.

Como já tinha pensado escrever algumas linhas sobre a conversa destes jovens, aproveito também para homenagear o Nicolau, um dos grandes actores portugueses. E ele bem podia ser olhado como um exemplo para estes jovens, do que é realmente ser actor, até por ser bom em todas as áreas de representação (embora não morresse de amores pelo teatro, pelas "repetições" do mesmo papel, noite após noite...).

Guardo na memória algumas excelentes personagens que interpretou na "sétima arte", onde oferecia uma naturalidade e uma relação com as câmaras pouco habitual no nosso país. 

(Óleo de Pablo Picasso)

domingo, março 13, 2016

A Tentação do Mar

Hoje esteve um belo dia de Sol.

E como costuma acontecer ao domingo, muito boa gente aproveitou para passear e ir espreitar as ondas do mar, ao longo do areal das praias da Margem Sul.

Também passei pela Fonte da Telha e vi que houve quem não resistisse à tentação de molhar os pés e experimentar a frescura do Oceano...

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, março 12, 2016

O Adeus sem Aviso que Faz Parte das Cidades...


Hoje estive vários minutos sozinho no café e, para variar, lá coloquei nas folhas de guardanapo "papel bíblia", algumas ideias que apareceram sem pedir licença.

Uma delas foi sobre a solidão que toma conta das grandes cidades, fazendo com que seja possível morrer, sem que quase ninguém dê por isso. E nem estou a falar das pessoas que ficam abandonadas dias e dias em casa, sem que a vizinhança perceba que já cá não estão...

Falo sim do meu vizinho do prédio da frente, que mesmo quando já não saia de casa gostava de nos acenar e oferecer um bom dia ou boa tarde como se vivêssemos numa aldeia. Ou do quase amigo, presença habitual deste mesmo café, com quem falei algumas vezes, para além do cumprimento diário.

Um dia notei as suas faltas. Mas quando perguntei por eles, soube que já cá não estavam há semanas...

Em ambos os casos não havia proximidade que se abeirasse da amizade. Havia sim uma simpatia mútua, que se revelava na troca de sorrisos e olhares, que ofereciam " boas energias" e tornavam o começo dos dias mais prometedores.

(Fotografia de Jean Loup Sieff)

sexta-feira, março 11, 2016

O Sonho não Enche Barriga (e diz-se que é no aproveitar que está o ganho)...

Ontem andei "perdido" por Lisboa e a meio do caminho escrevi:

Quase que deixámos de "existir".
É como se tivéssemos vendido
a Cidade a todos estes turistas
de várias idades, cores,
palavras e nacionalidades.

Trespassamos lojas, restaurantes
museus, entre outras lugares errantes...
Fizemos de cada lisboeta um guia,
mas o seu sorriso aberto é diferente,
foi vendido a este "reino da fantasia".

Até as almas sonhantes
dos bairros do antigamente
se renderam-ao poder do dinheiro,
alugaram as suas casinhas
e estão a viver no "galinheiro"...

Claro que há algum exagero nas minhas palavras, mas foi o que saiu... E resolvi não retirar as vírgulas.

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, março 10, 2016

Distracções de Quarta para Quinta-Feira




Eu sei que sou um bocado distraído.

Foi por isso que fiquei com a sensação que voltámos a viver num regime monárquico, embora com um Rei do povo, que até tem um nome plebeu e tudo...

Não me lembro de assistir a tantas horas de "tonterias" e "esfreganço" televisivo (é mentira, a única coisa que aconteceu foi que sempre que ligava a televisão, lá me aparecia o "rei solitário", que, sabe-se lá porquê, não quis ter primeira dama, fosse ela rainha ou princesa..)...

Felizmente o Benfica também jogava ontem,  e o futebol sempre foi bom para desanuviar (mesmo excessivo tem sempre mais humor que a política)... E para felicidade de "seis milhões de portugueses", o Benfica ganhou. 

Espero que o Jorge Jesus não roa muito as unhas. E já agora, que não mastigue pastilhas elásticas a mais...

E que o Tejo se continue a transformar num "Rio sempre novo", mesmo que o Presidente da República não vá a banhos na "Praia dos Prodígios" (baptizada pelo Mestre Lagoa Henriques...), ali mesmo ao lado da Torre de Belém...

(Fotografia de autor desconhecido)

quarta-feira, março 09, 2016

«Não sei ser feliz como nos filmes.»


Quando ela me disse: «Não sei ser feliz como nos filmes», apeteceu-me dar uma gargalhada. Mas o caso parecia ser sério. Parece sempre. As mulheres são melhores nos dramas que nós...

O que é que poderia dizer? Que nós somos todos diferentes e todos iguais? Que lá em casa sou eu quase sempre que peço beijos e dou carinhos? Serei também um cinéfilo (sou de certeza, mas não por andar atrás das histórias com cordel...)?

Foi quando experimentei dizer, sem saber se estava certo: «Não sei se estavas mesmo a falar a sério ou a querer brincar com as palavras. Mas acho que ninguém sabe ser feliz como nos filmes, porque aquilo é tudo inventado. Só nos filmes é que parece que andamos em pino a vida inteira. Ou então na horizontal, como se vivêssemos colados a uma cama E podia continuar a dar-te dezenas de exemplos, por que a vida não é assim. As nossas vidas duram muito mais que duas horas.»

Ela olhou-me sem dizer nada. Primeiro com cara de caso, depois com um sorriso.

Foi quando ela disse uma frase que é capaz de valer para o dia: «Gosto de falar contigo porque és bom a desmontar problemas. Devias abrir um consultório.»

«E chamava-me isso, desmontador de problemas?»
«Porque não? Ias ser um sucesso.»

Quando nos separámos, fiquei a pensar que somos sempre melhores a resolver os problemas dos outros que os nossos...

(Fotografia de Henri Cartier-Bresson)

terça-feira, março 08, 2016

«Então, já compraste flores?»


«Então já compraste flores?»
«Não.»
«Já percebi, estás a fingir que pertences ao clube dos homens esquecidos.»
«Não. Só não ligo muito ao negócio destes dias. E ainda menos à hipocrisia reinante de tornar a mulher rainha por um dia.»
«Como  é que eu me fui esquecer da tua superioridade intelectual...»
Acabámos a sorrir os dois. Foi quando chegou o Carlos Alberto, de luvas e sobretudo. Ele sim era homem para oferecer flores, bombons ou perfumes... E a Rita não perdeu a oportunidade para lhe devolver a mesma pergunta que me fizera.
«Então já compraste flores?»
«Claro. Sou sempre um homem prevenido nestes dias festivos.»
«Eu sabia... Como vocês são diferentes...» E sorriu.
«E ainda bem, só assim é que estes nossos cafés têm graça.» Rematou o Carlos.
«O que é que vocês dão mais importância numa mulher?»
«Sabes que a beleza sempre foi fundamental» Disse eu.
«Concordo. A mulher é  um olhar, um corpo, um sorriso, um andar...»
«Fizeste uma quadra, Carlos. Temos poeta!» E continuou. «Ainda bem que não me vieram com o palavreado de "miss", a falar da inteligência...»
«Mas eu gosto de mulheres inteligentes. Por que achas que estou aqui?» Insisti eu.
«Que parvo! Essas coisas não se dizem em dias como o de hoje. Estragam o ego de qualquer mulher.»
«Não te preocupes, eu não acho que a inteligência seja fundamental. Aliás vocês são mais esperteza que inteligência. É assim que levam a água ao moinho...» Explicou o Carlos.
«Vocês são terríveis. Só pela vossa conversa deviam ser obrigados a oferecer-me uma flor.»
«Pode ser de papel?»
«Querias...»

E lá fomos os três até à florista da esquina. O que um homem faz para ver uma mulher com um sorriso de orelha a orelha...

(Óleo de Dima Dmitriev)

segunda-feira, março 07, 2016

A Liberdade, Sempre a Liberdade...

Ao ler o conto, "Memória de Camarote" do João Tordo do livro, "Mística em Prosa", sobre o avô do João e o camarote que o assustava no velho Estádio da Luz, lembrei-me da minha infância, da liberdade e também do grande desportivismo que sempre reinou na nossa casa.

Não me recordo do meu pai, da minha mãe ou do meu irmão, sportinguistas, alguma vez terem questionado o meu benfiquismo, muito menos de tentarem que eu me mudasse para o seu clube. Talvez gostassem que eu gostasse desse Benfica vencedor dos anos sessenta do Eusébio, do Coluna, do Cávem (amigo de um dos meus tios), do Simões, do Jaime Graça, e mais tarde do Humberto, do Tony, do Néné... e de tantos craques de boa memória.

Continuo a pensar que fui eu que escolhi ser benfiquista, como escolhi tantas outras coisas pela vida fora. Nunca tive espírito de "carneiro", sempre fui incómodo, por não esconder os meus gostos e desgostos. E começou logo na infância... 

Nem todos conseguiam disfarçar o incómodo de "terem de levar" com um puto que gostava de dizer o que pensava, ao contrário do irmão, mais velho e também mais dócil...

Mas havia alguém que se orgulhava da minha rebeldia... Era apenas, e só, o homem mais livre que conheci, o meu querido pai.

Sinto-me sempre reconfortado quando o recordo. É também por  isso que continuo a gostar de dizer o que penso e a achar a palavra Liberdade, uma das mais bonitas que conheço. 

(Óleo de Theodor Kittelsen)

domingo, março 06, 2016

O "Doutor" que Canta o Fado e Conta Histórias Deliciosas


Embora ele não me explicasse como foi a sua infância (pelo menos com principio, meio e fim...), percebi que tinha sido uma enorme aventura, quase um salve-se quem puder. Filho de pais demasiado ausentes e distraídos, salvou-se o avô,  mestre em todo o género de expedientes e que continua a ser o seu herói preferido.

Com tantos putos do seu tempo foi obrigado a crescer depressa demais e a descobrir antes do tempo todo o tipo de "manhas", usadas pelos adultos para arranjarem uns trocados e sobreviverem na "selva urbana".

No bairro onde cresceu habituou-se a ser visita das casas dos vizinhos, que lhe davam comida e até abrigo, especialmente no Inverno. 

Quem o queria chatear chamava-lhe "Má Sorte", a alcunha do pai, que ficou sempre com a sensação que passou mais tempo preso que em liberdade, sobretudo por aselhice, a que se juntava algum azar. O avô há muito que desistira de o ensinar a fugir dos problemas. Preferiu dedicar-se ao neto, que tinha mais do dobro do potencial do filho e era menos teimoso. Foi por isso que quando ele cresceu ficou conhecido como o "Doutor" (alcunha do avô) e não por "Má Sorte".

Hoje, quando lhe perguntam a profissão, nunca sabe o que responder. Talvez seja engenheiro de qualquer coisa, como alguns fulanos que não trabalham como ele, mas têm bons empregos e melhores ordenados. Ele tem de fazer pela vida, todos os dias têm de enganar alguém, para conseguir viver decentemente.

O que me deixou mais surpreso, foi perceber que ele tinha valores diferentes,  não perdia tempo a preocupar-se com o bem ou o mal. A única ética que tinha era a do bom malandro, ensinada pelo avô: nunca enganar vizinhos, pobres, desgraçados ou velhinhos.

O dono do café onde o conheci disse-me em surdina que era quase um milagre ele nunca ter sido preso. Talvez fosse demasiado esperto para se deixar apanhar nos muitos "cantos da sereia" que lhe lançaram pela vida fora.

Tal como todos os heróis de qualquer bairro, já tinha sido dado como preso e como morto mais de uma dúzia de vezes. Mas como depois se cruzavam com ele na rua, pensavam que ele devia ser amigo de alguns "deuses" e também de um ou dois chefes de polícia...

Diziam à boca fechada que tinha umas "meninas" que trabalhavam para ele  no número 107. Claro que era mentira. Neste número vive há mais de cinquenta anos um casal de velhos, que quer "sopas e descanso" e não que lhes toquem constantemente à campainha à procura da "Rosa". Esta é apenas mais uma das muitas histórias que se contavam sobre este homem que também foi cantador de fado no retiro do Tio João, recebendo como troco as refeições e uma pequena mesada, que dava para as cigarrilhas e gravatas.

Quando nos encontramos no café dá-me um abraço e nunca me deixa pagar a despesa. E ainda é senhor para me oferecer uma ou duas histórias pitorescas, capazes de enriquecer as personagens de qualquer livro.

(Fotografia de André Kertesz)

sábado, março 05, 2016

A Amizade Tem Coisas do Arco da Velha

Comecei a escrever algumas linhas sobre a amizade, que tem mesmo coisas do arco da velha.

Mas depois percebi que o texto estava demasiado "codificado". Ou seja, só eu e os meus dois amigos é que iríamos perceber que estava a falar sobre o que aconteceu hoje à tarde...

Tudo porque às vezes temos de funcionar como "árbitros", embora esta função seja mais difícil do que parece. Somos quase sempre "juízes" parciais, pelo menos quando não abdicamos da nossa opinião.

Sei que a nossa amizade é das resistentes, mas mesmo assim, não há necessidade de "esticarmos tanto a corda"... Mas quando se tem opinião e não se abdica dela, é sempre complicado. E nós gostamos muito de ter opinião...

Acho que somos três amigos teimosos. Mas somos mais amigos que teimosos. É por isso que acredito que vamos ser sempre amigos...

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, março 03, 2016

Até que Enfim!


Senti algum alívio por saber que uma mulher de vinte e quatro anos, grávida de sete meses,  matou à facada o companheiro, depois de ser mais uma vez vitima  de violência doméstica.

Mesmo sem conhecer os contornos deste crime, penso que os cobardes que gostam de bater em mulheres só aprendem alguma coisa quando começarem a levar uns tiros e umas facadas. 

Mesmo que não morram nem fiquem curados, tenho a certeza que vão pensar duas vezes antes de voltarem à acção. Até por não passarem mesmo de uns cobardolas, daqueles que passam a vida a bater nos mais fracos e em quem está caído no chão.

(Óleo de Pablo Picasso)

quarta-feira, março 02, 2016

Viver no Reino da Estupidez

Só no reino da estupidez é que um avô volta para casa com os netos na mão porque o parque infantil foi ocupado por dois cães, com os seus donos regalados a verem os seus bichos a correrem e a saltarem, fechando os olhos às pequenas paragens para uma "mijinha" ou uma "cagadela".

O velho homem ainda chamou a atenção para uma placa de proibição, mas os dois convivas mandaram-no chamar a polícia.

Por ser uma pessoa educada apenas me disse, quando nos cruzámos, que estamos a viver no reino da estupidez, sem chamar os nomes próprios aos "ocupas" do parque infantil...

Acho que é muito pior que isso. Mas hoje não me apetece ser mau...

(Fotografia de autor desconhecido - do filme "Sinfonia para Hagen")

terça-feira, março 01, 2016

Um Outro Reino da Dinamarca


Não sei se é teatro, poesia, ou apenas ligeireza no uso das palavras.

Apenas sei é que para o Alberto só existe um tipo de estrangeiro: o dinamarquês (mais dinamarquesa. mas...).

Para ele até mesmo os fulanos com olhos em bico são do reino da Dinamarca. Esses mesmo, que se descobriu, com ou sem "vistos de ouro", que também fazem turismo, já não passam os sete dias da semana atrás do balcão das lojas que já foram de "trezentos paus".

Alberto nem sequer se engana por graça e lhes chama "xinamarqueses"... como muitos de nós, que nos achamos engraçados.

Mas do que ele gosta mesmo é das dinamarquesas com olhos azuis e cabelos claros, mesmo que falem francês, inglês ou até espanhol...

(A ilustração é de Jules Erbit)