quinta-feira, janeiro 31, 2013

«Às vezes morremos, mesmo que continuemos vivos»


Perguntei ao Carlos por um amigo dele, que não via há meses. 

Disse-me que perdeu o hábito de sair de casa e agora é um problema para vir à rua. Quase que só sai para ir ao médico...

Lembrei-me da minha mãe, que anda todos os dias, sem ligar às dores nos joelhos e num dos pés. Lembrei-me do Augusto, que se apoia nas muletas há pelo menos meia dúzia de anos, e raramente falha o café.

Quando o questionei, se ele não lhe telefonava e chateava para se encontrarem, disse-me que não, acompanhado da frase que dá título a estas palavras: «às vezes morremos, mesmo que continuemos vivos.»

Depois ficámos em silêncio, por alguns instantes...

O óleo é de Janet Ternoff.

terça-feira, janeiro 29, 2013

Regresso Forçado a Casa


Hoje ouvi um desabafo que me deixou surpreendido, mais por ignorância que por outra coisa, 

Escutei alguém a fazer um retrato da crise, através das movimentações das pessoas no bairro onde cresceu.

Disse que há trinta anos aquele lugar não tinha apenas uma identidade, havia um pouco de tudo, como acontecia em qualquer bairro suburbano.

Dez anos depois as coisas mudaram, aquele bairro tornou-se quase todo negro, povoado  maioritariamente por gente de várias Áfricas.

Hoje é quase como há trinta anos. Voltou a ficar mais claro porque houve muita gente que regressou, que teve de deixar as casas compradas em lugares mais agradáveis e com melhor qualidade de vida, sobretudo por causa do desemprego.

É apenas mais um sinal destes tempos, em que somos forçados a perder muitas coisas que pensávamos que eram um dado adquirido nas nossas vidas...

O óleo é de Manfred Honig.

segunda-feira, janeiro 28, 2013

Heranças Genéticas...


Ela caminhava à minha frente juntamente com a filha e o namorado novo. Dei-lhe um olá e à pequerrucha que andou com a minha filhota na pré-primária.

Lembrei-me de uma mulher que conheci e que me confessou que não se conseguia libertar da sua sina de só atrair "homens de merda". Falou-me de um mau olhado, herdado da mãe, a quem conheceu oito companheiros, além do pai, qual deles o melhor.

Queria libertar-se e não conseguia. Prometera a si mesma, mais que uma vez, que nunca mais levava nenhum homem para casa. Promessa que não conseguia cumprir por não gostar de estar sozinha e também por se deixar embalar facilmente na cantiga de qualquer bandido.

Acontece o mesmo com filhos de pais alcoólicos, que apesar dos péssimos exemplos em casa, acabam tantas vezes por sucumbir ao poder de baco...

O óleo é de  Olga Domanova.

domingo, janeiro 27, 2013

A Influência dos Comentadores no Nosso Jogo de Espelhos


Quase todas as semanas almoço com um grupo de amigos, em que por norma falamos de tudo, menos de política e futebol.

Mas como não há regra sem excepção, durante o último repasto falámos de comentadores televisivos e da imprensa. O Marcelo e o Marques Mendes foram os mais "massacrados", por usarem a televisão quase como um brinquedo. Não só tentam criar factos políticos como manipulam notícias, ao sabor dos seus interesses pessoais, dos amigos e do partido a que pertencem.

Rapidamente avançámos para os jornais, o Vasco Pulido Valente também mereceu a unanimidade, pela negativa, todos estivemos de acordo que ele é a negação da realidade, mistura a mentira com a má língua  tentando sempre que pode, distorcer a história. O Pacheco Pereira foi considerado um tipo perigoso, embora lhe fosse atribuída uma qualidade (por mim...): tenta sempre fundamentar as suas opiniões. Miguel Sousa Tavares também foi considerado perigoso (os meus amigos acham que os comentadores independentes são os mais perigosos, eu pelo contrário...), por exagerar na crítica e ser um populista. Não estive nada de acordo, mas...

Os únicos que mereceram a unanimidade foram António Lobo Antunes e Ricardo Araújo Pereira. O primeiro pela beleza e originalidade das suas crónicas, o segundo pelo excelente uso da ironia. Ambos concordámos que o Ricardo diz mais coisas sérias e verdadeiras a brincar, que a maior parte dos comentadores que andam por aí.

Sem precisarmos de ir à lua e voltar,  concluímos que a opinião política em Portugal está dominada pelas "putas" da direita. 

Voltámos a estar de acordo, quando dissemos que com comentadores mais livres e honestos, estes políticos incompetentes já tinham feito as malas e desamparado os ministérios...

O óleo é de Paul Laurenzi.

sexta-feira, janeiro 25, 2013

Carreira só Mesmo a dos TST


O nosso olhar em relação aos nossos amigos é quase sempre distorcido e tendencioso.

Um dos meus amigos sempre gostou de cantar e tocar violão, depois de perceber que era o melhor da rua, chegou a pensar que podia ser alguém, mas como nunca recebeu nenhum empurrão, acabou por não ter coragem suficiente para se dedicar à música a tempo inteiro.

Depois de ter passado os últimos vinte anos a tocar em bares, confessou-me que estava arrependido de pelo menos não ter tentado "ir  ver a lua"...

Fiquei sem palavras, porque sempre achei que ele cantava muito melhor que muita gente que vive da música. Mas nestas coisas não basta ter talento, é preciso também ter uma boa dose de "maluquice"...

O óleo é de Massimo Marano.

quinta-feira, janeiro 24, 2013

O "Almeida Poeta"


Contaram-me uma história carregada de preconceito, quase ao jeito de piada.

Um dos homens que andam pela cidade a apanhar os papeis e outras coisas que teimamos atirar para o chão, tal como o vento, escreve poesia, como se fosse algo de extraordinário.

Tudo começou quando m dos colegas achou estranho vê-lo de vez enquanto parar e escrever qualquer coisa num bloco que trazia no bolso.

Quando lhe perguntou o que escrevia, ele respondeu apenas com uma palavra: POESIA

O que ele foi dizer... o colega quase que se rebolou pelo chão e não ficando satisfeito, contou a todos os companheiros que encontrou.

Agora todos o conhecem pelo "Almeida Poeta".

Quando me contaram, acrescentaram que tinha de o conhecer e levar para as sessões de poesia. Percebi a provocação e disse que sim, sem me rir.

Sei que as pessoas adoram colocar rótulos e até sinais proibidos, mas não percebo porque razão alguém que anda por aí a limpar as ruas, não pode escrever poesia... 

O óleo é de José John Santos.

terça-feira, janeiro 22, 2013

Quando as Árvores Decidem Morrer Deitadas


Um dos aspectos mais tenebrosos destes dias de vendaval, foram as muitas árvores que se deixaram derrotar e decidiram morrer deitadas, contrariando o velho hábito de se despedirem da vida de pé.

E tanto posso falar das árvores centenárias da Serra de Sintra, do Parque das Caldas da Rainha e de tantos outros lugares quase paradiziacos, como de árvores produtivas como as oliveiras, laranjeiras ou pereiros, que também não aguentaram as tropelias do tempo.

O óleo é de Z. Z. Wei.

segunda-feira, janeiro 21, 2013

Porque Não?


O que seria do mundo sem sonhadores?

Especialmente de um mundo cheio de crises, como o nosso... Uma coisa pior, sem qualquer dúvida.

Estive à conversa mais de uma hora com um homem cansado de desperdiçar o seu talento,  porque se há coisa que não lhe falta são ideias e sonhos.

Mas nem tudo foram sonhos e ideias. O António tem toda a razão quando diz que é decisivo sermos bons "vendedores" de nós próprios, e que deve começar logo de manhã, assim que nos olhamos ao espelho, ainda com os olhos quase colados.

O único problema é este mercado que nos cerca, cada vez mais escasso, por muito boa que seja a nossa ideia ou a força de vontade...

O óleo é de José John Santos.

sábado, janeiro 19, 2013

Histórias de Nomes de Ruas


Hoje é uma rua de Almada que visito com regularidade, por causa das coisas de cultura. Gosto do seu nome: Rua da Liberdade.

Parece irónico mas não é, dos anos mil novecentos e quarenta até à Revolução de Abril, chamou-se rua doutor António Oliveira Salazar.

Imaginei o que sentiria alguém que nasceu ali, na tal rua do "Botas" (que se fingia muito modesto, mas com menos de dez anos de governação já tinha ruas em tudo o que era sitio...), e que quase de repente viu a rua se tornar uma estrada livre, no nome e no resto...

Lembrei-me disto num dia em que o vento foi quem mais ordenou, com toda a liberdade do mundo, deixando um rasto mais nítido onde soprou com violência...

O óleo é de  Vladimir Sourin.

quinta-feira, janeiro 17, 2013

«Eles só precisam de algum dinheiro para serem felizes.»


Mesmo quando penso que estou com os ouvidos moucos, ouço muitas conversas por aí.

Tanto posso estar no sitio errado à hora certa, como no sitio certo à hora errada, é indiferente.

Uma senhora com uns setenta anos estava à espera de vez para meter o "euromilhões", ao mesmo tempo que eu esperava para comprar uma revista.

Estava na conversa com outra mulher e quase se desculpava por estar a jogar. Falavam ambas dos filhos, que precisavam mais que nunca das suas ajudas. A senhora mais faladora foi mais longe e contrariou o ditado, que nos diz que o dinheiro não trás felicidade, «eles só precisam de algum dinheiro para serem felizes.»

E como ela está certa... 

Nesta altura do "campeonato" a maior parte de nós sabe que algum dinheiro extra é uma boa ajuda para a caminhada na direcção dessa coisa, chamada "felicidade"...

O óleo é de Paula Rego.

quarta-feira, janeiro 16, 2013

O Homem da Gabardine Preso à Esquina


Hoje estive à conversa com um velho comunista, que me contou vários episódios da sua vida de resistente, ao qual nem faltaram alguns anos de clandestinidade.

Não me soube dizer como foi que tudo começou, embora se tenha lembrado da razão de ter ganho um ódio terrível às gabardines (nunca teve nenhuma na vida...) e aos chapéus (também não...), por causa do homem que esteve estacionado durante dias na mesma esquina, numa atitude intimidatória e provocatória, rente à porta de um professor proibido de leccionar, inclusive em casa...

E aquele senhor que eles prenderam e soltaram dezenas de vezes, nunca deixou de ser o seu amigo professor.

O óleo é de Juan Luis Jardi.

terça-feira, janeiro 15, 2013

O Cheiro Bom das Tangerinas


Gosto de comer tangerinas pelo seu sabor doce mas também pelo cheiro bom que me deixa nas mãos.

Sem esquecer a famosa vitamina cê, que dizem que dá uma boa ajuda na luta contra as constipações e gripes...

O óleo é de Emanuel Javelid.

segunda-feira, janeiro 14, 2013

«É o "Correio" não é?»


«É o "Correio" não é?»

«Não, é "A Bola".»

Quando sai da tabacaria fiquei a pensar se teria cara de leitor do "Correio da Manhã" ou se era apenas a força do hábito da senhora, de vender o jornal com mais leitores deste país.

Inclinei-me para a segunda hipótese, até por aquele não ser o meu local de compra preferencial de "notícias de papel".

Embora já não adquira a "bíblia" todas as segundas, continuo a gostar de ler as peripécias que se escrevem depois dos clássicos. 

Em relação ao famoso "Correio", não sei se o comprei mais de meia-dúzia de vezes. Não é preconceito, é pensar que ainda existe uma diferença entre contar estórias é fazer notícias. Quando se misturam as duas coisas nas páginas de jornal - mesmo que seja um sucesso comercial... - as notícias transformam-se em meias mentiras ou meias verdades (lá vem a história do copo...). E é mesmo assim. 

Não esqueço um assalto protagonizado apenas por um rapaz, que nem sequer foi discreto, pois passou várias vezes pelo local do crime, antes do ataque final, sem se dar ao trabalho de mudar de roupa e não foi o facto de aparecer com um capacete de motociclista que o tornou anónimo.  No dia seguinte o "CM" falava do ataque de um "gangue", talvez para mexer com o ego do assaltante, pouco experiente nestas andanças...

Ou seja, se puderem juntam sempre um bocado de "ketchup" ao sangue derramado em qualquer crime, para que se pareça mais com as histórias da América.

Só que eu, ficção, prefiro da boa, daí que me fique pelos romances.

O óleo é de Heitor Chichorro.

domingo, janeiro 13, 2013

O Teu Rosto Será o Último


Acabei de ler o romance, "O Teu Rosto Será o Último", de João Ricardo Pedro.

Não era um livro que pensasse comprar, mas o "pai natal" tem destas coisas... 

Não fazia parte das minhas primeiras escolhas por não ficado muito cativado com as entrevistas que li do João e por não sentir os prémios como "cantos da sereia".

Felizmente foi uma agradável surpresa. Embora a história não seja linear (mistura mais que uma história de vida, em tempos diferentes...), o livro está muito bem escrito, com todos os ingredientes capazes de prenderem o leitor do principio ao fim do livro. 

É um retrato quase difuso de uma família que atravessa três gerações (avô, pai e filho...), oferecendo-nos alguns episódios do Portugal de Salazar, desde a esperança de Humberto Delgado ao pesadelo da Guerra Colonial, juntamente com as coincidências que aparecem mais facilmente nos romances e nos filmes que na vida...

É bom ler com entusiasmo e sentir que talvez não tenha sido eu que tenha perdido qualidades como leitor. Há sempre a possibilidade de não ter escolhido os livros certos nos últimos tempos.

Nos próximos dias vou atacar "À Espera de Moby Dick", de Nuno Amado, depois digo alguma coisa...

sábado, janeiro 12, 2013

Sinais da Poupança


Um dos sinais mais visíveis da poupança dos municípios, é a sujidade das ruas.

Em Almada ainda não se chegou ao ponto deste óleo, mas para lá caminhamos, se não se fizer nada para inverter esta marcha tão pouco dignificante, pois é raro o dia em que não encontro contentores a transbordar, rodeados de sacos, entre outros objectos deitados fora pelas pessoas.

O óleo é de Chester Arnold.

sexta-feira, janeiro 11, 2013

Fingir que Estou Noutro País


Não sei até quando o vou conseguir, mas calo as palavras e tento fingir que estou noutro país.

Mas é muito difícil calar a revolta, escutando ou lendo notícias sobre as mentiras e  as manipulações deste governo...

Também não me apetece falar do Benfica-Porto do fim de semana, mesmo que torça para que o clube da Luz vença, inclusive uma arbitragem habilidosa, como a do ano passado.

Nem sequer me apetece falar destes dias húmidos, que tentam entrar dentro de nós, assim que nos apanham na rua...

Mas o pior é o rosto das pessoas com quem me cruzo, preso ao chão ou a sitio nenhum...

O óleo é de Paul Fenniak.

quarta-feira, janeiro 09, 2013

As "Meninas" de Viseu


As "Meninas" de Viseu têm contrariado os parâmetros que estavam definidos para a sua actividade (ainda que clandestinamente...) , naquela que chamam a mais velha profissão do mundo (nunca percebi muito bem porquê...).

Com alguma coragem afastaram-se da tradicional prostituição de salão e de quarto, privada e anónima, que sempre procurou estar debaixo do mesmo tecto do lema, "vícios privados virtudes públicas", tão ao gosto das sociedades hipócritas. 

Não sei se foi pela crise de mercado ou por outra razão qualquer, que decidiram começar a publicitar o seu objecto de trabalho na "montra", ou seja através das janelas dos seus apartamentos.

Provavelmente se morasse na mesma rua deste agora bairro "vermelho", não deveria achar muita piada a este exibicionismo (que não é gratuito...), até por ter dois filhos menores.

Mas esta não é a questão principal. A questão principal é a forma como se continua a tratar uma profissão que sempre existiu e que não faz muito sentido continuar a tratar como um "mundo à parte" da sociedade.

E não me venham dizer que se deixar de ser um "fruto proibido" deixa de ser "apetecido". Os exemplos da Holanda, Alemanha e França, dizem que não é preciso continuar a alimentar esta farsa.

O óleo é de Andrew Wyeth.

terça-feira, janeiro 08, 2013

Ser Artista Neste País


Apesar de Portugal ser um dos países que menos aposta na Cultura, nos últimos anos assistiu-se a uma correria infernal em direcção a vários palcos, graças à televisão e aos seus programas de entretenimento, que além da criação dos  "famosos instantâneos", também venderam por aí, que em poucos meses é possível fabricar cantores, actores ou dançarinos de sucesso.

Aparecem sempre milhares de jovens em "castings", seja para cantar ou interpretar um papel secundário numa novela, mesmo que nunca o tenham feito e quando olham ao espelho este lhes diga para mudarem de sonho...

Infelizmente, não só as coisas não funcionam desta forma, como esta massificação (em nome das audiências...) tem produzido 100 vezes mais gente frustrada que artistas.

O mais estranho nisto tudo são as pessoas que entram no "negócio", normalmente como jurados (bem pagos...), que mesmo sabendo que uma carreira artística se constrói com talento e anos e anos de trabalho e evolução, alimentam toda esta cadeia de "fábricas ambulantes de artistas".

Mas o problema maior nem reside aqui. Ao mesmo tempo que se vendem todas estas ilusões, desvalorizam-se várias profissões que exigem bastante Arte e ameaçam ficar sem continuidade neste país, que aposta sobretudo no espectáculo e na ilusão... 

O óleo é de Miguel Levy.

domingo, janeiro 06, 2013

Ainda as Imagens


Não tenho dúvidas que a nossa relação com as imagens depende bastante da nossa educação e do meio onde estamos inseridos.

Quem raramente vai a museus ou a exposições, à partida sente uma maior indiferença  pelo poder da imagem, enquanto objecto comunicativo.

Embora as Caldas da Rainha possuam museus mais apelativos e de maior qualidade artística que os de Almada, tenho quase a certeza que têm uma relação mais afastada com a cidade e com os cidadãos.

Embora muito boa gente tente desvalorizar as diferenças entre a políticas de direita e de esquerda, elas saltam à vista quando olho para estes dois exemplos. De um lado está as Caldas, que continua a alimentar uma cultura elitista, para a meia dúzia de "iluminados" do costume, enquanto Almada pratica uma politica cultural mais massiva e aberta a toda a população. 

Claro que nunca se chega a todo o lado. Da mesma forma que há muitos caldenses que nunca pisaram o Museu José Malhoa, também há muitos almadenses que nunca visitaram a Casa da Cerca...

O óleo é de Saghar Pezeshkian.

sábado, janeiro 05, 2013

As Imagens Dizem Muitas Coisas


Hoje durante a inauguração da minha exposição, que causou surpresa a muita gente, que não sabia que eu tirava retratos (quem é que não os tira nos dias de hoje?...), o Jorge virou-se para mim e disse-me que todas as exposições deviam ter uma visita guiada dos autores, com a explicação do que estava registado em cada imagem.

Sorri, sem lhe responder. Apeteceu-me dizer-lhe que isso fazia com que perdesse a graça a visita à exposição, pois o poder especulativo de cada um de nós deixava de fazer qualquer sentido.

Não me posso esquecer que há artistas que preferem ouvir o que os outros dizem dos seus quadros e até se misturam com o público (conheço alguns...), tentando ser apenas alguém que está ali a ver, a descobrir...

Sei que quando nos afastamos do realismo (ou naturalismo...), não temos a única chave do que fazemos.

É por isso que gosto bastante da ideia de que a mesma imagem pode dizer muitas coisas...

O óleo é de Karin Jurick.

sexta-feira, janeiro 04, 2013

Matérias Sensíveis da Natureza Humana


O meu amigo que faz filmes tem um coração quase de manteiga, ou seja, possui a pior qualidade que um "patrão" deve ter. Percebi mais uma vez durante a nossa última conversa, que mesmo sem ter empregados, sou bem mais frio e pragmático, em relação a algumas matérias sensíveis da natureza humana.

Desabafou que em 2013 vai ser difícil manter a mesma equipa de colaboradores e que se calhar vai ter de dispensar um "puto" porreiro e cheio de talento.

Quando lhe perguntei se ele era o elo mais fraco da equipa, disse-me que não. 

Contou-me que o Artur sempre fora a maior fonte de problemas do grupo, mas não o podia dispensar, pois estavam juntos há mais de dez anos... 

Percebi depois que o Artur era o técnico de som, que andava sempre sem dinheiro, embora não deixasse de comprar tudo o que lhe apetecia. Ao dia 15 começava a pendurar-se e o Gui lá lhe dava o "adiantamento" da ordem, para ele continuar a  viver a vida, despreocupadamente.

Depois explicou-me que se despedisse o Artur, ele teria mais dificuldades em arranjar emprego, que qualquer outro, por não ser pontual, não se vestir como deve ser, etc.

Disse-lhe que ele pensava à chefe de secção do funcionalismo público, que protegem sempre os incompetentes, sobcarregando de trabalho os melhores funcionários. 

Respondeu-me que não, com um sorriso, ele era muito competente no que fazia, o pior era o resto...

O óleo é de Karen Offutt.

quarta-feira, janeiro 02, 2013

A Minha Memória


Apesar de ser o dono deste "largo", sei que a minha memória não é das melhores.

Tenho sim essa coisa boa de conseguir passar para o papel muitas coisas que vivi e outras que ouvi dizer que vivi..

Descubro isso quando me contam alguns episódios da meninice, que estavam completamente esquecidos.

Alguns parecem mais absurdos que outros, como a história que me contaram de uma das muitas perseguições que sofremos, de donos de pomares ou vinhas, quando nos deliciávamos com a sua fruta, sem lhes pedirmos autorização.

Durante uma dessas fugas houve alguém que afirmou que ficou escondido dentro da roupa do espantalho que se metia com as aves, enquanto nós corríamos perseguidos por um homem furioso de forquilha em riste, com vontade de nos furar o que quer que fosse.

Embora achasse estranho, não lhe disse que não. Limitei-me a sorrir, até por saber que não tenho nenhum elefante na memória.

O óleo é de Sergei Aparin.