sábado, novembro 30, 2013

Um Dia de Livrarias, das Pessoas e dos Livros


Hoje é o "Dia das Livrarias e dos Livreiros" (não sei porque, mas não gosto do nome que é dado às pessoas que vendem livros).

Defende-se que todas as pessoas que antigamente vendiam livros eram especialistas, conheciam as obras de cima para baixo e também de um lado para o outro, além dos escritores, os bons e os maus. Em parte era verdade, provavelmente por contactarem com muito menos livros e autores. 

Quando comecei a comprar livros já morava próximo da cidade maior e visitava sobretudo a "Bertrand" do Chiado, que estava longe de ser uma livraria de província, onde até podíamos beber café com o gerente ou funcionário e saber das últimas novidades. Na "Bertrand" já experimentava a mesma sensação que senti algum tempo depois, quando apareceu a "FNAC" , a liberdade de olhar, mexer, ler, sem que alguém aparecesse e me interrompesse.

Noutras livrarias da Capital mais pequenas, recordo-me que as pessoas que vendiam livros nos olhavam de alto abaixo e raramente nos deixavam à vontade. Não sei se tinham medo que levássemos livros sem passarem pela caixa ou se era outra coisa...

Esta liberdade de movimentos que gosto de sentir, prende-se com o facto de não precisar de ajuda para comprar livros. Normalmente sei o que quero, poderei sim ter dificuldades com os títulos e socorrer-me dos funcionários e dos computadores (esses sim, sabem quase tudo sobre os livros e autores...), para descobrir onde está a obra que quero ou para me avivar a memória do tal nome esquecido.
O melhor que as livrarias mais antigas tinham era a manutenção dos títulos por muito mais tempo, permitindo-nos encontrar um livro (as chamadas raridades) que não comprámos quando saiu mas que nunca ficou esquecido.

Claro que tenho pena de não ter tido uma livraria que sentisse como minha, daquelas pequenas, em que as pessoas que vendem os livros, amam-os e defendo-nos quase acima de todas as coisas (como a "107" das Caldas e tantas outras que teimam em existir por esse país fora...).

Não sei se existe um contra-senso em ser contra monopólios, não me sentir bem nas grandes superfícies comerciais e gostar do conceito da "Bertrand" e da FNAC", e claro, da sua organização.

Provavelmente há. Ninguém é perfeito.

O óleo é de Marina Marcolin.

quinta-feira, novembro 28, 2013

Os Bons Livros, Com e Sem Prémio


A Obra, "E a Noite Roda ", de Alexandra Lucas Coelho ganhou o  grande prémio do romance e novela da Associação Portuguesa de Escritores, por unanimidade.

Ainda não li o livro, mas vou ler, porque gosto bastante da escrita da Alexandra, que ainda ganhou mais "magia", com a sua passagem para o lado de lá do Atlântico.

Provavelmente não devia utilizar uma entrega de prémio unânime, e justa (segundo a minha opinião, claro), para falar do outro lado dos prémios, que têm sido tema de conversa em cafés, com gente que conhece melhor estes meandros que eu e que sempre que pode, lança a desconfiança no ar.

No inicio sorria. Também fazia o mesmo quando comecei a escrever para um jornal desportivo. O problema é quando somos confrontados com a realidade, com a existência de árbitros e dirigentes corruptos, etc. Lá se vai a nossa santa ingenuidade e começamos a perder o sorriso.

Claro que não há qualquer comparação entre a literatura e o futebol, até pela diferença material que existe entre estes dois "mundos". Mas apesar disso, há prémios literários que são  recebidos quase com a mesma desconfiança de alguns resultados de jogos de futebol. Há sempre quem pense que os elementos do júri (tal como os árbitros) não estão ali para serem justos, mas sim para beneficiar alguém. 

Um amigo que já fez parte de vários júris literários, disse-me que por vezes se passam coisas estranhas, mas normalmente o que está em causa, é a amizade e não o dinheiro (falo de prémios em que os autores estão identificados). Há quem queira muito oferecer o prémio ao Manuel ou à Maria - pela tal amizade e até devoção - e não tenha em atenção que se está a premiar uma obra e não o autor...

quarta-feira, novembro 27, 2013

As Caríssimas Canções do Sérgio


Estou com bastante curiosidade para ouvir as versões do novo disco do Sérgio Godinho, "Caríssimas Canções", em que conta com a colaboração da Manuel Azevedo, do Helder Gonçalves e do Nuno Rafael.

É uma "ginástica" daquelas, cantar Chico Buarque (Geni), Tony de Matos (Vendaval), Frei Hermano da Câmara (Rapaz da Camisola Verde) ou Zeca Afonso (Vampiros), entre outras boas "avarias".

A coisa promete.

terça-feira, novembro 26, 2013

Palavra Pior que Intelectual só Mesmo Autodidacta


Durante muitos anos houve o hábito de rotular quem não tinha qualquer curso, de "autodidacta", como se no mundo das artes e das letras fosse possível aprender sozinho...

Felizmente este conceito esbateu-se um pouco. Hoje no mundo das artes e das letras, olha-se muito mais para a qualidade da obra que para o histórico da formação do artista.

O engraçado é que ainda existem para aí uns "patarocos", que se intitulam autodidactas, por não terem aquilo que poderemos chamar  de "escola".

Só o facto de conviverem com outros artistas com quem trocam ideias e conceitos, deita por terra a história de que se "auto-construiram"...

Isto digo eu, claro.

O óleo é de Álvaro Reja.

segunda-feira, novembro 25, 2013

Ser ou Não Ser Intelectual


Felizmente o termo "intelectual" está fora de moda.

Além de ter uma conotação política (normalmente era alguém que tinha lido os clássicos de Marx e Engels), era oferecido a pessoas que atingiam uma espécie de estrelato e eram convidadas a falar em sessões públicas. Havia outra coisa estranha, não precisavam de ser doutores ou de terem escrito pelo menos um livro, até porque isso era outra coisa, mais próximo da "burguesia".

Sinceramente, sempre houve algo no termo "intelectual" que me cheirou a mofo e pareceu postiço. Até por não ser profissão ou ocupação, embora aparecesse por vezes como tal...

O meu amigo Carlos costuma dizer que os "intelectuais" cairam juntamente com o Muro de Berlim. Como todos os exageros, tem pelo menos uma pontinha solta...

O óleo é de Boris Grigoriev.

sábado, novembro 23, 2013

As Estações Deviam Estar Abertas pela Noite Dentro


O frio chegou às ruas. 

Ruas inundadas de gente que perdeu quase tudo e se esconde por aí, dentro de papelões, em camas improvisadas, onde quase todos tentam esquecer os dias, afogados dentro da noite, que passa sempre tão rapidamente.

Nestes dias em que a temperatura desce até fazer doer, as estações do metro, do comboio, do barco, deviam permanecer abertas e deixar por lá mantas espalhadas pelos bancos.

Como as portas ficam fechadas, o frio faz doer e faz beber...

O óleo é de Reginald Marsh.

quinta-feira, novembro 21, 2013

Os Diários Publicáveis e os Outros...


Tenho falado com várias pessoas sobre essa "coisa" que se chama diário e que por vezes também acaba por ser transformado em livro.

Apesar dos bons exemplos de Miguel Torga e Vergilio Ferreira (registos bastante úteis por retratarem um tempo), as palavras publicadas acabam por ser escolhidas, passando pelo crivo do autor, transformamdo-se invariavelmente uma coisa diferente, mais "doce" e também mais literária.

Uma das coisas que normalmente desaparecem são os textos mais polémicos e contraditórios, que por serem tão verdadeiros e sentidos não cabem na chamada "literatura" (a excepção são as habituais "alfinetadas" a alguns inimigos de estimação, mas quase sempre veladas). 

Embora umas vezes acordemos virados ao contrário, com vontade de partir "pratos", outras acontece-nos o contrário. Há mais serenidade, uma vontade imensa de viver...

Sinto que este desiquilibro natural é demasiado discreto nos diários.

O óleo é de Davide Puma.

quarta-feira, novembro 20, 2013

Finjo que Ainda Leio Jornais


Há já algum tempo que insisto em comprar jornais, para depois apenas os folhear e colocar de lado.

Acho que o defeito não é apenas das notícias de papel, sempre pouco surpreendentes, é também do leitor, cansado do mesmo "filme", dos mesmos "actores", dia após dia.

E hoje até era dia de festa, de futebol, de Ronaldo, de bolas de ouro, de pausa na crise...

E eu em contraciclo...

O óleo é de Emile Bernard.

terça-feira, novembro 19, 2013

«Eu conheço-te.»


Não é de todo normal, uma mulher aproximar-se de nós, apontar o dedo (sim daqueles com gatilho...) e dizer: «eu conheço-te». Tudo isto sem perder o passo apressado e deixar de se misturar com a multidão que aparece e desaparece em segundos nas estações de metro. 

Talvez estivesse mesmo com pressa, talvez tivesse alguém à espera.

Durante vários minutos tentei descodificar aquele olhar, perceber se de facto a conhecia e de onde.

Não consegui chegar a qualquer conclusão. Já sabia que minha memória começava a perder qualidades, embora aquele rosto fosse giro e fugisse à vulgaridade...

O óleo é de Malcolm T. Liepke.

segunda-feira, novembro 18, 2013

«Oh Menina, cuidado com os pregos no chão, nós não queremos que escorregue e rompa os colans.»


Estava a passar em frente a um prédio em obras, do outro lado do passeio, quando começo a ouvir uma voz masculina e também algumas gargalhadas, à passagem de um jovem que devia rondar os vinte anos.

Além de olhar, fui obrigado a sorrir, até por perceber que os "piropos" dos profissionais da construção civil estavam muito mais polidos.

Ouvi sempre a mesma voz a dirigir-se à moça que passava, chamando-lhe "Menina", com alguma graça. sem recorrer ao que chamamos de ordinarices. Os companheiros limitavam-se a fazer ecoar  o seu riso pela rua e a rapariga continuou a caminhar bela e segura, interpretando o papel de "mulher sem ouvidos" com rigor, fingindo que nada daquilo era com ela.

Fui andando sem esquecer uma das frases do trolha, «oh Menina, cuidado com os pregos no chão, nós não queremos que escorregue e rompa os colans.» e claro, sem parar de sorrir.

O óleo é de Linda Christensen.

sábado, novembro 16, 2013

Passeio Pela Trafaria


Eu tinha pensado jantar no Ginjal, mas ela preferiu a Trafaria.

Achei estranho mas não comsegui dizer que não.

Encontrámo-nos na Estação Fluvial de Belém e apanhámos o Cacilheiro, cada vez mais fugaz nas travessias do Tejo, sempre deliciosas, mesmo quando ele se começa a transformar num riozinho, lá para as bandas de Alhandra, onde ainda existem alguns esteiros do Soeiro.

Já na Trafaria, pisámos aquela areia escura e oleosa da antiga praia, fotografámos as barcas adormecidas ancoradas e também as "deitadas de barriga para baixo", no areal, num sono mais profundo.

Ela estranhou encontrar aquelas torres circulares (cilos) na linha que nos podia mostrar o rio a abraçar o mar e a Torre do Búgio, o farol que é um dos primeiros cartões de visita de Lisboa, para quem chega do Oceano. 

Ofereci-lhe um lugar comum dos verdadeiros: «somos melhores a destruir o que a natureza nos oferece, que a aproveitar as suas maravilhas...»

Ainda nos perdemos pelas ruas da Vila, para olharmos as antigas vivendas apalaçadas, com alguma beleza, apesar dos sinais de abandono e decadência, quase sem palavras.

Ficámos uns minutos sentados a olhar o rio, naquela que ainda é uma das melhores "varandas" viradas para a Capital.

E depois fomos jantar.

quinta-feira, novembro 14, 2013

Os Cães Vadios do Bairro


A avó da Rita aproveitou a minha presença para falar da sua dor mais forte: ter sido forçada a abandonar o Bairro Alto, lugar onde viveu quase cinquenta anos e onde nasceram e cresceram os seus filhos.

Confessou que nem nos piores tempos das "meninas" e dos seus "diabos protectores", se viveu com tanta insegurança nas ruas. Lamentou ainda a existência de tanto "cão vadio", capazes de mijar em todos os cantos, tornando o ar matinal irrespirável.

Mais perigoso que o cheiro daquele "urinol a céu aberto", só os vestígios de "batalhas campais", deixados nos passeios. Tanto vidro partido, acabou com as poucas crianças que se viam nas ruas...

Ela sabia que os comerciantes e empresários pagavam mais impostos que os moradores à Câmara, mas interrogava-se: «será que os autarcas não percebem que estão a "matar" o Bairro, cada vez mais despovoado, como grande parte dos lugares históricos e típicos de Lisboa?»

Foi ainda mais longe: «as cidades não podem viver apenas à noite, não podem ser habitadas apenas por "zombies".»

quarta-feira, novembro 13, 2013

Fazer Jornalismo num Museu


Sabia que não era um emprego a sério, mas empregos desses tinham deixado de existir desde que o capitalismo se tornara indomável e a ganância, tal como o cinismo e a hipocrisia, governavam o "mundo".

Assim que subiu ao primeiro andar e descobriu uma sala com três secretárias, que em vez de computadores tinha máquinas de escrever, sorriu entre a admiração e o espanto.

Foi então que uma porta se abriu e percebeu que aquela sala era o "museu" do jornal, os computadores, as impressoras e os colegas estavam ao lado... 

O óleo é de  Jesus Navarro.

segunda-feira, novembro 11, 2013

Os Livros e a Escrita


Depois de acabar de ler "Alexandra Alpha", de José Cardoso Pires (um romance que começa antes da Revolução de Abril, mas ainda a consegue agarrar, acompanhando o PREC, para depois terminar, de uma forma fatal, em Novembro de 1976...), comecei a ler "Onde Andará Dulce Veiga?", de Caio Fernando Abreu.

O melhor que encontro hoje nos livros é a vontade de escrever, quase sempre a despropósito dos capítulos que estou a ler. Estou a ler e aparecem-me ideias mirabolantes que registo nos meus cadernitos...

E este livro de Caio Fernando Abreu, é bom nisso, talvez pela escrita viva e quase estonteante do autor.

domingo, novembro 10, 2013

Álvaro Cunhal, o Homem e o Mito


Álvaro Cunhal faz hoje cem anos.

Continua a ser uma figura controversa no nosso país, amado por uns odiado por outros. Poucas pessoas lhe foram e são indiferentes.

Eu sempre gostei dele. Não vou dizer que não sei porquê, porque seria mentira.

Gosto dele pela sua coerência (que não tem nada que ver com burrice, embora os "salta-pocinhas" gostem de dizer que só não muda quem é burro...). Coerência que seguiu a vida inteira. 

O seu desapego aos bens materiais, o seu sentido colectivo, a sua inteligência, a sua cultura e também a sedução que exercia sobre todas as pessoas com que convivia ou simplesmente conhecia de passagem (como foi o meu caso...), fizeram o resto. 

Foi por isso que aceitei as suas "regras" enquanto jornalista. Quando o quis entrevistar para o "Record", só havia uma possibilidade de o fazer, enviar-lhe as perguntas escritas... aceitei (a única vez...). Como mostrei interesse em o conhecer pessoalmente, tive a oportunidade de receber as perguntas das suas mãos e de conversar com ele durante alguns minutos, sobre literatura e jornalismo, na Soeiro Pereira Gomes. Como devem calcular, se já o admirava como resistente e político, essa admiração aumentou graças à afabilidade e simpatia com que me recebeu.

Sei que cometeu erros (quem não os comete?), mas não o poderão acusar de ter sido desonesto, incompetente ou mentiroso, como se pode fazer a grande parte dos políticos deste país...

Poderei gostar mais do "mito" que do homem. Mas não é nada que me incomode, sinceramente.

sexta-feira, novembro 08, 2013

O País dos Xailes Negros


A senhora septagenária, que vestia de negro desde que perdera o companheiro, há mais de vinte anos, nunca tinha visto tantos jovens juntos, vestidos com roupas da mesma cor que as suas.

Num primeiro olhar ainda pensou que poderiam ser órfãos, que se estavam ali a manifestar por qualquer coisa contra o governo. Qualquer direito retirado. Não fosse este um tempo de tantas manifestações e de tanta perda...

Mas depois de olhar melhor, reparou que algumas moças tinham cabelo vermelho, brincos no nariz e até alguns desenhos na pele. Eles não lhe ficavam atrás. além de usarem penteados esquisitos, também tinham os braços pintados e usavam brincos para lá das orelhas. E era raro aquele que não tinha uma garrafa na mão.

Percebeu rapidamente que a única coisa que tinham em comum era a cor da roupa. Foi por isso que mudou de rua e lançou um louvado seja Deus, para quem a ouvisse. 

Num pequeno momento de ausência de fé, pensou que o o mundo talvez seja mesmo uma causa perdida, apesar das orações e dos mil enganos que se vendem por aí. Talvez o seu marido estivesse certo e não existisse nenhum Deus.

Ao ter noção da heresia que invadiu os seus pensamentos, benzeu-se, na tentativa frustrada de afastar os mil demónios que andam por aí à solta, com toda a certeza. 

O óleo é de Will Barnet.

quinta-feira, novembro 07, 2013

Renascer às Vezes é Preciso


Parece título de canção, romãntica, talvez da onda do Roberto Carlos.

Mas não, trata-se apenas de uma constatação, ao olhar alguém que decidiu "voltar ao mundo", depois dos cinquenta...

O casamento também pode ser uma porcaria para as pessoas, entre outras coisas. 

Das coisas que acho mais horríveis é notar a perda de identidade das pessoas, pelo menos exteriormente. Todos nós devemos conhecer alguém que resolveu "envelhecer" através do guarda roupa, como se deixasse de querer agradar ao espelho ou a outra pessoa qualquer. 

Foi por isso que gostei do "regresso" da Cristina, que agora aos cinquenta, decidiu voltar pelo menos aos quarenta. Todos ganhámos com a troca, a única excepção deve ter sido o ex-marido, que não devia fazer ideia que tinha casado com esta mulher surpreendente...

O óleo é de Philip Munoz.

quarta-feira, novembro 06, 2013

As Ruas e os Bairros de Lisboa


Gosto muito de andar por Lisboa, de descobrir novos bairros, novas ruas.

Ontem por exemplo fui à Torre do Tombo e acabei por fazer toda a viagem de regresso a pé, até ao Cais de Sodré.

Claro que não foi uma viagem seguida, houve várias paragens, inclusive para almoço, com a minha companheira.

Fico sempre com a sensação boa de que as ruas em Lisboa nunca acabam, são sempre substituídas por outras. Só lhes vejo o fim quando chego à margem do "Rio da Minha Aldeia".

Agora que o tempo está mais ameno, é um conforto respirar aquele ar do Tejo, que conseguiu recuperar há alguns anos o cheiro típico de qualquer rio...

E como moro na Outra Banda, ainda tenho à minha espera a sempre bela travessia de um rio largo e calmo como quase todos as coisas com "músculo".

Ou seja, ontem foi uma "desgraça de prazeres"...

segunda-feira, novembro 04, 2013

«É tudo ficção. Mal por mal, prefiro ver filmes a noticiários.»


Eu sabia que era quase verdade.

A televisão desde que se tornara "rainha do espectáculo", nunca mais voltou às ruas sóbrias e quase reais. Nem mesmo as produções das quase grandes reportagens, conseguiam disfarçar que se aproximavam mais do cinema de aventuras que da realidade.

Na mesa falava-se da liberdade, da possibilidade de se escolher, dos mais de cem canais do cabo.

O Carlos sorria de felicidade, pois deixara de ter televisão desde que a última (ainda um caixote, longe das coisas finas de agora) se finou. Não sente saudades. Prefere ouvir música (os seus velhos discos de vinil que voltaram a ser moda...) e ler, no seu cadeirão rente ao janelão com vista para a praça Gil Vicente.

O Rui abanou a cabeça e apoiou o lado maioritário da conversa. «é tudo ficção. Mal por mal, prefiro ver filmes a noticiários.»

E eu em silêncio, completamente "fora de jogo". Pensei cá para comigo, devo ser mesmo um viciado em notícias, pois a minha televisão passa mais tempo nos canais de cabo de notícias que nos clássicos da manhã, da tarde e da noite. 

É caso para dizer: «maldito jornalismo que corres quase cá tu lá com o sangue, nas artérias e veias.»

O óleo é de Albert Gleizes.

domingo, novembro 03, 2013

O Respeito do Autor pelo Leitor


Tenho andado de volta de jornais antigos e naturalmente tenho descoberto algumas preciosidades.

Não costumo transcrever textos de outros autores mas como gostei bastante de uma das respostas que Mário de Carvalho deu a Mário Santos, do "Público", a 8 de Abril de 1995, a propósito de "Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde"...

«Há uma espécie de pacto entre mim e o hipotético leitor, que tem que ser respeitado: não posso dar-lhe gato por lebre! E embora às vezes possa inventar descaradamente, tenho que saber minimamente do que estou a falar! É evidente que se este  livro fosse visto por especialistas eles detectariam imediatamente erros! O que eu procuro é dar uma ilusão da realidade, procuro que o livro seja o mais verosímil possível. Como romancista, não como historiador...»

É de Mestre.

O óleo é de Jacob Lawrence.

sexta-feira, novembro 01, 2013

«A sociedade tenta sempre empurrar-nos para uma vida vulgar.»


A Rita hoje estava cinzenta.

O o céu até estava azulado, a chuva se vier, é mais para amanhã...

Falou-me de algumas pessoas extraordinárias que conhece, que estão condenadas ao anonimato, pela simples razão de não fazerem parte de nenhuma "lista" (nem quererem...), seja de partidos, de jornais, de televisões, de rádios, de revistas, etc.

Foi ainda mais longe quando me disse: «a sociedade tenta sempre empurrar-nos para uma vida vulgar. Só escapamos a esta sina, se formos empurrados pela sorte ou se abusarmos da teimosia.»

Apesar das suas palavras terem saído um pouco codificadas, percebi-a muito bem.

Não foi por acaso que a seguir falou da gente que se sente (e é...) poderosa, ao ponto de elaborar "listas de eleitos", quase sempre por amiguismo ou por outro interesse mesquinho.
Isto explica muitas coisas. A que salta mais à vista na actualidade é a falta de qualidade dos nossos governantes... 

Mas a mediocridade grassa em toda a sociedade. Além das pessoas terem perdido a noção do ridículo, acho que nunca se praticou tão pouco a autocrítica.

A escultura é de Aristide Mailol.