quarta-feira, março 28, 2007

A Páscoa na Aldeia


Volto de novo à terra, Doiro acima de comboio, a carreira à minha espera no largo da estação, para me levar até ao planalto, a fiel carreira da Meda que, às dezasseis e trinta, me deixará nos Pereiros.
À chegada será Primavera clara ou quase e eu seria capaz de reconhece-la em qualquer parte do Mundo, pelo perfume das amendoeiras em flor, pelo chilrear dos pássaros, pelo zumbido das abelhas, pela cheiro a terra lavrada, pela simbiose perfeita entre estes cheiros, sons e cores.
Do forno comunitário já sobe o cheiro do pão e, na mesa, a minha mãe tem prontos todos os seus mimos, bola de carne, folar, biscoitos, com que vou matar saudades e fome, logo ao subir da escada.
- Um beijo à avó, minha filha. Olhe como a sua neta está linda, minha mãe !
Amanhã cedo vou à missa como todos os meus conterrâneos, vestirei uma opa vermelha para pegar no pálio na procissão e, com voz afinada, cantarei
aleluia, aleluia,
respondendo às invocações do Abade Celestino, no salmo em que anuncia à Mãe a ressurreição do Filho, afinal o mais sublime desejo de qualquer mãe que há três dias tenha perdido o seu.
À tarde sairá o compasso que vou receber em nossa casa, na companhia de quem quiser entrar para partilhar alegrias, trocar mimos, comungar afectos!
Os sinos repicarão toda a tarde e eu, pelo jeito de tocar, vou identificar quem toca e prestarei homenagem a quem consegue transformar em sinfonia duas notas repetidas,
dlim dlão, dlim, dlão.
Vem daí, João, homem de Deus. Como pediste, as mimosas que conhecemos por acácias, estarão em flor, terás na mesa uma bola de azeite e uma regueifa fresquinha, e, se prometeres que vais, vou rogar a música de Custóias para dar brilho à nossa Páscoa!
Mais um texto de Joaquim Nascimento sobre as nossas tradições ancestrais.

terça-feira, março 27, 2007

O Dia do Teatro


O Teatro quase que se confunde com o nosso país.
Há mesmo quem diga que já nasceu em crise.
Os actores e os encenadores andam sempre a lutar contra esta crise. É por isso que quase mendigam espectadores e subsídios, para sobreviverem e para sentirem que a "Arte de Talma", que escolheram como profissão, vale a pena...
Podia falar de Almada, que em Julho, grita, alto e a bom som, que é a Capital do Teatro.
Não o faço porque não me apetece falar de desigualdades e privilégios de uma única companhia, perante dezenas...

Porque hoje é dia de festa para todos os amantes do teatro, prefiro evocar o genial MÁRIO VIEGAS, um nome grande do teatro em qualquer parte do Mundo.
Talvez continue a fazer teatro no Paraíso...


segunda-feira, março 26, 2007

O Pai do Jazz no Nosso País


Luís Villas-Boas (1924 -1999) foi o principal divulgador do Jazz no nosso país.

Não é por acaso que o Luís surge aqui no "Largo", se ainda estivesse entre nós, fazia hoje oitenta e três anos. Os amigos não o esqueceram, é por isso que promovem uma homenagem no Teatro São Luíz em Lisboa, com o lançamento do livro "O Jazz Segundo Villas-Boas", da autoria de João Moreira dos Santos.
A descoberta desta música afro-americana que animava os bairros negros dos Estados Unidos, ainda nos anos quarenta, foi "amor à primeira vista" e fez com que fundasse o Hot Clube de Portugal, do qual também foi o seu grande impulsionador, durante décadas.
Actualmente o Hot Clube continua a ser a principal escola de jazz do nosso país - escola que tem como patrono Luís Villas-Boas - e por onde passaram as nossas grandes figuras nacionais deste género musical, desde Maria João, Mário Laginha a Carlos Martins e Laurent Filipe.
É por isso que o Hot Clube de Portugal também se vai associar à homenagem, tal como dezenas de grandes figuras da música portuguesa, do jazz e de outras "freguesias" musicais, que oferecem a sua música, pela noite dentro, ao homem que colocou Cascais no mapa dos grandes festivais de jazz e trouxe a Portugal algumas das suas maiores figuras mundiais.

sexta-feira, março 23, 2007

O Homem-Mar da Clarisse


Clarisse é um nome bonito e pouco vulgar.
Só conheço uma Clarisse, faz teatro, cinema e televisão. Infelizmente usa um outro nome, como acontece com tanta gente do mundo do espectáculo.
Nunca percebi porque não quis ficar Clarisse. Quando lhe perguntei, desculpou-se. Disse que quando estudava no conservatório um professor-actor referencial, achava que Clarisse era um nome demasiado grande e pouco familiar. E ela deixou-se ir na conversa, da sapiência parda...
Numa das últimas vezes que estivémos juntos fiquei com um pequeno texto que ela escreveu, numa mesa de café. Era um texto curioso em que ela falava do género de homem que gostava.
Vou partilhá-lo com vocês, sem a Clarisse saber. Faço isto porque sei que ela, quando descobrir, vai gostar de se ler...
«Não gosto de homens bonitos, representam tudo o que detesto. Normalmente são demasiado vaidosos, convencidos, egocêntricos, e pior, homossexuais!
Nunca pensei casar com um homem que perde mais tempo que uma mulher a cuidar do corpo (e conheço tantos, por esses camarins fora...).
O que me atrai num homem é o seu lado mais masculino, meio selvagem, bravio, quase em estado natural, como o mar.
Não sei se é pela minha profissão, mas não suporto um homem de sobrancelhas arranjadas e com o corpo sem um único pelo.
Sei que se fosse uma simples empregada de balcão, não sonharia com homens num estado mais primitivo, mas como não sou, posso dar-me ao luxo de gostar de um selvagem qualquer, desde que goste de viver sem espelhos, apenas como é...»
Clarisse aparece-me, de vez em quanto, pela casa dentro. Quando a olho lembro-me sempre que ela detesta aqueles homens bonitos com quem contracena, todos arranjadinhos, cheios de cremes e maneirismos, que ainda por cima lhe fazem concorrência, na conquista de faunos...
Desta vez escolhi "A Marcha" de Júlio Pomar, pintado em 1946, para ilustrar este texto. Nesta época Júlio era um jovem pintor cheio de ideais....

quarta-feira, março 21, 2007

Dinis Machado, um Poeta de Lisboa


Dinis Machado tem sido um “faz tudo” no mundo das letras...
Mas a história vai reservar-lhe um lugar especial como romancista, pois Dinis escreveu uma das histórias mais extraordinárias sobre a vida nos bairros de Lisboa, com o “O Que Diz Molero”.
Não nos vemos há mais de meia dúzia de anos, mas durante algum tempo encontrávamo-nos no primeiro andar da Rua Ancheta, na Bertrand, onde falávamos de livros, jornais e das nossas vidas...
Uma vez ele explicou-me a razão de não ter escrito outros romances. Não quis fazer o mais fácil, continuar a escrever “o mesmo livro”, como fazem tantos escritores de nomeada...
De tanto fugir de Molero, Dinis Machado não deu qualquer hipótese a nenhuma das personagens lisboetas, de voltarem a encherem as páginas de um livro, de aventuras tão especiais...
Hoje, além de ser o começo da Primavera e o Dia Mundial da Poesia, é também o dia de aniversário do Dinis Machado e uma boa oportunidade para voltar a dar um abraço a este amigo, na apresentação da edição ilustrada de “O Que Diz Molero”, no Tivoli.

sábado, março 17, 2007

A Minha Escola


A minha escola foi a escola da D. Guilhermina, embora tivesse tido outra professora na primeira classe, a D. Deolinda, de quem recordo , para além da dificuldade das primeiras letras, o ademane de sacudir a sua longa cabeleira, num gesto vedado às mulheres da minha terra que habitualmente tapavam a cabeça com um lenço.
A minha escola funcionava todos os dias, de manhã e de tarde, de segunda a domingo, o primeiro que chegava ia pedir a chave à Senhora, e lá dentro tinha o som de muitas vozes a entoar a tabuada, três vezes um três, três vezes dois seis..., os rios e os seus afluentes, Sabor, Tua, Corgo Tâmega e Sousa... ou as linhas do caminho de ferro, com as suas estações e apeadeiros, pois nesse tempo saber era decorar e a minha escola não ia ficar atrás de qualquer outra.
Nos intervalos, principalmente ao meio-dia, ouvia-se a algazarra das nossas brincadeiras na rua em frente, os esconderilhos, o arco, o pião, o fito, a macaca, a cabra-cega, a bola de trapos pois o recreio da minha escola era toda a aldeia e brincar um acto da mais pura imaginação.
Tinha todas as classes na mesma sala, a minha escola, com a vantagem de ser para ambos os sexos, contrariando a política do “estado novo”, circunstância que me permite recordar, com especial ternura, as raparigas do meu tempo, a Leonor, a Teresa, a Almerinda, a Piedade, a Isabel, a Virgínia, a Adelaide, a Deolinda e outras cujo nome se esfumou na minha memória, embora guarde de cada uma o sorriso breve do seu rosto.
E guardo o cheiro dos livros, só agora me dando conta que não eram os livros, mas o Livro, o Livro da Primeira Classe, o Livro da Segunda Classe, o Livro de Leitura da Terceira Classe.
Há uns anos consegui comprá-los num alfarrabista e, imediatamente, reconheci todas as suas figuras e voltei a saber de cor todas as lições, como se fora ontem e eu me estivesse a preparar para ser chamado dali a pouco. Mas o cheiro a tinta fresca tinha-se perdido definitivamente!
Apesar da sua elevada frequência, a minha escola era um posto escolar e as professoras regentes, eufemismo para lhes pagarem menos pela transmissão do mais básico dos saberes, ler, escrever e contar, primeira, segunda, terceira classe, que a quarta classe, nos Pereiros, era quase curso superior .
Aqui fica, como se fosse uma redacção, esta memória breve da minha escola. Dedico-a à D. Guilhermina, a quem quero expressar o meu reconhecimento por me ter ensinado a escrevê-la. Acredito que, se a lesse com os seus óculos de lentes grossas, iria dar-me uma boa classificação, principalmente depois de eu a passar a limpo, numa folha de papel Almaço, com a minha caneta de aparo de molhar e a caligrafia certa, elegante, desenhada como a Senhora me ensinou.

Mais um texto de Joaquim Nascimento. Infelizmente não consegui arranjar uma capa dos livros da primária de que o Joaquim fala (nem mesmo no "google"...), pelo que escolhi a bonita escola primária da Foz do Arelho, do Grandela, um bom exemplo arquitectónico das escolas primárias da Primeira República.

sexta-feira, março 16, 2007

O 16 de Março de 1974


A tentativa de golpe de estado de 16 de Março de 1974, protagonizada pelo Regimento de Infantaria 5 de Caldas da Rainha, ainda não está completamente explicada...
O que foi que falhou? Para uns nada, para outros tudo.
Será que a antecipação do golpe foi propositada, para apalpar o pulso à velha e caduca ditadura?
Talvez sim, talvez não...
De qualquer forma o 16 de Março tornou a Revolução irreversível...
Felizmente Abril estava à porta...

terça-feira, março 13, 2007

Uma Carta Especial


No começo do ano recebi uma herança inesperada, oferecida pelo filho de um amigo de longa data, que faleceu no começo de Outubro, do ano passado. Francisco deixara-me um pequeno "tesouro" dentro de uma caixa de madeira, muito parecida com a que a minha mãe tinha, para guardar os utensilios de costura.
Abri a caixa e descobri dezenas de fotografias, postais ilustrados escritos de vários países e também algumas cartas, de várias precedências...
A mais antiga, e também mais comovente, foi escrita por uma menina judia, que viveu durante a Segunda Guerra Mundial na casa dos pais do Francisco e que tinha perdido os pais e o irmão pouco tempo depois da sua separação... embora só lhe contassem o que acontecera no fim da guerra, quando tinha 16 anos...
A carta estava escrita em alemão e datada de 13 de Março de 1941. A primeira vez que li a sua tradução, feita pelo meu primo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Isto aconteceu por conhecer a história desta menina, que tinha um nome tão universal, Marie, e que continuou, alguns anos, à espera que os pais e o irmão chegassem a Lisboa...
Na carta falava de Lisboa, encantada. Dizia que era uma cidade bonita e sossegada, onde se podia passear e brincar à vontade. Impressionada com a largueza do Tejo, dizia que costumavam passear aos domingos e que iam sempre espreitar o rio.
Acrescentava que já falava português de uma forma aceitável e que tinha muitos amigos portugueses, tão diferentes dos alemães.
Acabava a carta expressando as suas muitas saudades, com alguma esperança de que Karl, o seu único irmão, mais velho que ela quatro anos não tivesse sido obrigado a lutar, naquela Guerra sem sentido.
Sei que as lágrimas que escorreram pelo meu rosto, eram sobretudo de revolta, pelo assassínio de tantos inocentes...
O pior de tudo é saber que sessenta e alguns anos depois, não aprendemos nada.
No Iraque, na Palestina e em vários países africanos, o massacre continua...

domingo, março 11, 2007

O Estigma de se Nascer em Março...



Sempre ouvi dizer que o mês de Março era o mês dos Burros, especialmente na casa dos meus avós maternos.

Mas este dito esteve longe de se ficar pelos campos. Nos meus tempos da escola primária, os nascidos em Março eram referenciados, como possuidores de grandes orelhas e inteligência digna destes animais, apesar destes, não terem muito de burros...

Hoje moro na Freguesia de Cacilhas, onde graças à tradição das "burricadas" (passeios de burro pelas principais artérias do Concelho de Almada), também se tentou colar o rótulo de "asno" aos cacilhenses.

O que é certo, segundo a história local, é que eram os cacilhenses que conseguiam levar os lisboetas à certa, fazendo-os rebolar no chão, com os seus fatos domingueiros, por cima dos "presentes" dos animais, que escoceavam de alegria com o espectáculo dado pelos visitantes...

A fotografia que ilustra este texto é da autoria de Jean Dieuzaide.

quinta-feira, março 08, 2007

O Dia da Mulher


Quando estamos entre homens, é normal ouvirmos a frase batida: «Para quê um dia da mulher? Elas não são iguais a nós? Aliás, cada vez têm a mania que são mais espertas e inteligentes que nós. »
Claro que na prática as coisas não são nada assim.
Infelizmente, quase trinta e três anos depois da Revolução de Abril, esta história dos direitos iguais entre homens e mulheres, continua a ser quase uma ficção.
Somos uma sociedade onde não se perdeu o hábito de fingir que está tudo bem, mesmo quando sabemos que o vizinho do segundo andar gosta de se encharcar em álcool e, vá-se lá saber porquê, deixa a mulher marcada a negro, tal como tantos cobardes, que escondem as frustrações e os complexos, dentro das quatro paredes, com a distribuição de porrada pela mulher e pelos filhos...
Se fossemos realmente todos iguais, nos direitos e deveres, podíamos apagar o Dia Internacional da Mulher do calendário...
Mas enquanto isso não passar de uma frase batida, beijem e abracem as mulheres que amam com ternura e ofereçam-lhe flores, sempre que vos apetecer, sem estarem à espera do dia 8 de Março...
A Ingrid Bergman, nesta foto que escolhi, está como sempre foi, linda...

quarta-feira, março 07, 2007

RTP Faz Cinquenta Anos


Hoje a RTP comemora cinquenta anos do início das emissões regulares do primeiro canal (e durante anos, único...) da televisão portuguesa.

Claro que há outras datas anteriores na história da televisão, que não devem ser esquecidas. A 15 de Dezembro de 1955 foi assinada em Lisboa a escritura da RTP - Rádiotelevisão Portuguesa SARL, por iniciativa do governo, dando início a uma grande aventura, que culminou com a primeira emissão pública, na Feira Popular de então, que se situava no Parque de Santa Gertrudes, onde hoje está a Fundação Calouste Gulbenkian, na noite de 4 de Setembro de 1956.

Foi nesse começo de noite, a partir das 21.00 horas, que o povo de Lisboa, que ocorreu ao parque de diversões, assistiu pela primeira vez a uma transmissão televisiva, naquela que ainda é considerada uma das maiores invenções do mundo. Estas emissões experimentais decorreram durante todo o mês de Setembro e foram visitadas por milhares de portugueses.

Finalmente, a 7 de Março de 1957, a RTP passou a visitar, ao fim da tarde, os muitos lugares públicos - cafés e restaurantes que aproveitaram os sinais de modernidade para cativar clientes - e os poucos lares portugueses, que tiveram capacidade financeira para adquirir estes aparelhos, completamente revolucionários no campo da imagem, especialmente para uma sociedade tão fechada ao exterior, como era a nossa...

A imagem que acompanha este texto, é a primeira mira técnica da RTP.

segunda-feira, março 05, 2007

A Feira de Santa Luzia


Este ano irei outra vez à feira da Santa Luzia e vou querer que esteja tanto frio como no meu tempo de miúdo e, se tiver sorte, talvez haja neve no Monte-Airoso que lhe fica em frente, de onde soprará um vento cortante que há-de afilar-me o nariz e engaranhar-me as mãos.
Ao fundo, continuará a correr o rio Torto, o que só acontece neste tempo de Inverno e, quem prestar atenção, vai ouvir o seu ruído surdo nos açudes que o aprisionam e nas margens que o apertam.
Irei pelo caminho velho para beber água na fontela do Vale Vinhoto, onde descansarei um pouco para recuperar forças antes de subir a ladeira que vai levar-me à capelinha da santa, logo a seguir.
Podia ir de carro, pela estrada nacional 222, mas não, quero ir a pé, pelo caminho antigo, para me reencontrar com cada uma da suas fragas, com cada uma das suas árvores, com cada um dos seus acidentes. Já não vou encontrar ninguém na faina agrícola para lhe dar os bons dias - bom dia senhor Ernesto, então não vai à festa ?! - e, embora sozinho, hei-de regressar pelo mesmo caminho, de cabeça toldada, como bom romeiro que se preza, sem outro risco que o de cair de mim abaixo, um tombo curto, pois a mão de Deus há-de amparar-me para que se cumpra o adágio: ao menino e ao borracho ...
Vou comer marrã, muita marrã, frita na sua própria gordura, a sertã de ferro num fogo vivo de estevas e de carrascos, vou comer marrã com trigo da Póvoa, amassado em quartos, com a sua poupinha ao meio, que vou partir em pedaços convenientes com a navalha de pé de pau bem afiada, como confirmei quando a passei pela unha.
E vou beber vinho tinto, tanto quanto me apetecer, o vinho tinto dos Pereiros, esperto, ladino e jovem, à temperatura certa para se beber, este vinho que se provou no S. Martinho e que se apagará com o calor do Verão.
O trigo e a marrã vão confortar-me o estômago, o odor farto do rechinar da carne vai ficar-me no olfacto e, seja milagre da Santa, seja do vinho novo, colar-se-á nos meus olhos um brilho novo que quero conservar, até poder regressar.
Oxalá que haja laranjas, tão azedas como as que comprei há 50 anos com os 2$50 que a minha avó me deu, e não haverá nada melhor para cortar a gordura da marrã que estas laranjas do Douro que só na Páscoa estariam maduras se não tivessem caído com a ventania de Dezembro.
- Será que o dinheiro chega, minha avó ?
É que ainda quero comprar um pífaro de barro, de cores garridas e de três notas que se tocam com uma mão só, que com a outra quero tocar um bombo garrido onde desenharam pares alegres, num vira minhoto e foguetes a estralejar.
- Será que o dinheiro chega, minha avó ?
Não posso deixar de comprar o registo da Santinha, a Milagrosa Santa Luzia que se venera na sua capela de Pereiros, no dia 11 de Dezembro, para que ela nos dê vista e claridade até no céu entrarmos, com lá estará escrito e eu rogarei. Vou dobrá-lo ao comprido, em três partes iguais e vou enfiá-lo na fita na fita do chapéu, com o rosto da santa voltado para fora, e este será o sinal certo de que fui romeiro mais uma vez.
- Será que o dinheiro chega, minha avó ?

Mais um bonito texto de Joaquim Nascimento...

domingo, março 04, 2007

O País Onde a Culpa Morre Solteira...


Continuamos a ser o país onde a culpa morre solteira. Os potenciais culpados fingem-se sempre inocentes... e tentam esconder os erros debaixo da peneira, ao mesmo tempo que culpam as inevitabilidades da vida...
Como normalmente também são ricos e poderosos, acabam por ter a vida facilitada porque podem contratar os melhores advogados da “praça”, quase sempre especialistas em “driblar” o Estado.
É por essas e por outras que todos nós sabemos que a justiça portuguesa não é para todos...
Seis anos depois da Tragédia de Entre-os-Rios, continua no ar o sentimento de injustiça e de revolta no seio dos familiares das vítimas.
E se nos lembrarmos que o ministro Jorge Coelho pediu a demissão e disse nessa altura que a culpa não podia morrer solteira...
Podemos falar das vitimas, dos familiares, das várias aldeias que circundam a ponte, ainda povoadas de fantasmas, mas o que continua bem visível, é o desleixo e o abandono a que estão votados milhares de bens públicos, de Norte a Sul. Como já vem sendo hábito, ninguém aprendeu com a queda da Ponte de Castelo de Paiva.
Enquanto a culpa morrer solteira, os responsáveis vão continuar a fechar os olhos e a furtar-se às suas responsabilidades e o povo continuará a sentir na pele, que a justiça não é para todos...

sexta-feira, março 02, 2007

A Nossa Falta de Imaginação e de Gosto...


Há coisas incríveis, que só se passam neste país...

Descobri que a nova novela da SIC, "Vingança" tem um argumento fantasioso, que não passa de uma imitação barata do romance sobre o Conde de Montecristo, de Alexandre Dumas.

Por mais estudos que façam (não sei com que bases cientifícas...) a exaltarem o nacionalismo do povo português e o seu orgulho pela nossa história, não tenho qualquer dúvida de que não gostamos muito de nós, nem tão pouco valorizamos o que é nosso.

Só num país sem amor próprio é que colam uma história de Alexandre Dumas a um argumento de segunda e ignoram todas as histórias romanceadas de escritores com a qualidade de um Camilo Castelo Branco, um Eça de Queirós, um Júlio Dinis, um Ramalho de Ortigão, um Fialho de Almeida, um Aquilino Ribeiro, um Alves Redol ou um Miguel Torga.

Claro que estou farto de saber que na televisão portuguesa há muita falta de imaginação (em qualquer canal), sem falar na falta de gosto...