domingo, fevereiro 28, 2010

O Olhar da Janela do Comboio

A viagem de automóvel é a que menos nos permite olhar o que nos rodeia, mesmo que não sejamos nós o condutor. Há sempre uma atenção, quase enervante, que nos fixa à estrada, aos carros que nos perseguem, aos que ultrapassamos, e também aos acompanhantes...

Não há transporte que tenha uma janela tão expressiva e forte como o comboio. Apesar de ser raro apanhar uma carruagem que percorre as linhas de ferro, sei que ao olhar a paisagem, descubro tudo mais vivo, mais brutal, mais sensitivo.
Claro que também somos distraídos pelo interior da carruagem, especialmente pelas "tribos" que têm vivido mais em liberdade, que ainda não estão tão agrilhoados pelas regras da sociedade. Os ciganos e os negros em grupo falam mais alto, cantam, batem os pés, etc. Na última viagem que fiz, sorri, dividido, a pensar se eles pensavam que sabiam cantar, ou se apenas gostavam de cantar...
Voltando à janela "mágica" do comboio, descobrimos sempre coisas novas, mesmo em viagens que fazemos com alguma regularidade. Claro que não falo da suburbanidade, quase igual em toda a chamada cintura industrial (que já era...) de Lisboa, feia e inestética. Falo nas áreas onde é possível perder o olhar numa linha do horizonte menos perceptível que a do Oceano...

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

O Museu da Isabel

Sem saber explicar muito bem, pensava que o Museu do Trabalho Michel Giacometti (aquele senhor de barbas, estrangeiro - só podia ser - que via na televisão, na minha infância, com o gravador na mão, a recolher cantigas e modas do Portugal esquecido e escondido), de Setúbal, era mais pequeno. Mas não, está muito bem instalado numa antiga fábrica de conservas da cidade piscatória.
Fiquei maravilhado com as suas três exposições permanentes, "Ao Encontro do Povo", "Da Lota à Lata" e a "Mercearia Liberdade".
Posteriormente tive oportunidade de conhecer a Isabel Victor, responsável pelo Museu, que também faz parte do mundo da blogosfera, como o seu bonito, Caderno de Campo.
Foi bom falar de tantas coisas que temos em comum: livros, associativismos, artes, culturas, poesias, tradições, pessoas, etc.
Se tiverem oportunidade, visitem este Museu de Setúbal, vão gostar, de certeza.
O programa de amanhã, em mais uma Tarde Intercultural (exposição de desenhos de Pólvora d'Cruz; apresentação do audiolivro, "Memórias de um Craque, de Fernando Assis Pacheco; apresentação da colecção de DVD's "Povo que Cantas", de Giacometti), promete...

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

A Beleza da Madeira

Visitei a Ilha da Madeira apenas uma vez, há quase dezoito anos.

Nessa altura ainda não existiam os túneis e as vias rápidas da actualidade.
Tive a oportunidade de dar a volta a Ilha em roteiros turísticos para ingleses, viajando pelas estradas estreitas e sinuosas de então, tão próximas do abismo. No alto das janelas do autocarro, o mar e as rochas eram logo ali, do outro lado, nada que incomodasse os condutores, claro...
Nessa época não me lembro de ter ficado assustado, nem de pensar muito nisso. Uma das vantagens da juventude é essa, vivemos naturalmente sem a presença do "perigo" na nossa cabeça...
Mas a ilha era mesmo assim, cheia de altos e baixos, de quedas de água que vinham do alto das montanhas, era isto também que lhe transmitia uma beleza única.
Não era muito viajado, mas nunca tinha visto tantas casas plantadas nos sopés da montanha, num equilíbrio quase estranho, o que me levava a questionar a minha companheira de viagem, «como é que as pessoas vão para aquelas casas?» Pareciam completamente inacessíveis. Lembro-me de ela aproveitar a poesia da coisa, falando da sensação de abrir a janela e encontrar o mar, apenas o mar, pela frente, como se a casa flutuasse no espaço...
Depois descobrimos povoações quase escondidas, em pequenos vales, que também faziam com que trocássemos olhares, com a mesma pergunta: « como é que se vai para ali para baixo?»
Pensei que a beleza da coisa, era viver nesses lugares, aproveitando o melhor que a natureza lhes oferecia. E claro, quem nasceu por ali, encarava com normalidade, o cerco que lhes era movido pelas montanhas e pelo mar...
Fiquei com a sensação que a própria natureza os protegia e abraçava.
Até um dia...
A fotografia foi tirada por mim, numa das excursões pela Ilha, depois de termos passado por baixo de uma queda de água e de um pequeno túnel, numa das tais estradas estreitas, tão próximas do abismo...

terça-feira, fevereiro 23, 2010

A Gaivota do Quintal

Alguns poetas costumavam trazer as gaivotas para terra, de longe a longe.

Nada que se compare com o que sucede nestes dias invernosos, em que estas aves surgem em bandos e misturam-se com os pombos da cidade, ao ponto de começarem a ficar familiarizadas com alguns lugares mais pacatos.
Foi o que aconteceu com a gaivota que escolheu o nosso quintal como ponto de paragem, talvez por ter provado o granulado para os gatos, com mistura de peixes.
Já nem voa quando nos aproximamos.
Felizmente é silenciosa, em terra...

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

A Liberdade de Expressão é Só Para o Que nos Apetece

Este PSD é a coisa mais gira que existe, nos nossos meios políticos.

Provavelmente, é o grande responsável pela manutenção do PS e de Sócrates no poder.
Como muito bem registou o Tomás Vasques no "Hoje há Conquilhas", grande confusão vai naquelas cabeças em relação ao entendimento que têm da Liberdade de Expressão e da Liberdade de Imprensa...

sábado, fevereiro 20, 2010

A Mulher que Pensava que Lia Pensamentos

«Não gosto que me olhem assim.» A dona do bar disse-me isto, com as mãos na anca, a pedir desafio.
Eu fiquei sem saber o que responder, disse apenas: «assim como?»
«Com um olhar cheio de indiferença disfarçada. O fingir que estás distante, embora não te escape nada.»
Percebi que não podia continuar a fingir-me despercebido, embora fosse mais distraído do que lhe parecia. Nem valia a pena dizer que o olhar não comia pedaço, com ela não resultava. Sorri quase sem jeito, até que ela baixou a guarda: «mas não precisas de ficar incomodado, pagar a conta e ir embora. A tarde até está agradável.»
E estava...
Descobri que a mulher com mais um ano ou dois que eu, também lia pensamentos. Eram demasiados anos a lidar com clientes de todo o género...
Foi então que trouxe duas imperiais, sentou-se na minha mesa sem pedir autorização e continuou a falar, aproveitando o vazio da casa. Como ela gostava de falar... especialmente de nós, homens.
«Acho que os homens têm medo das mulheres que os desafiam, que os convidam, que tomam a iniciativa. Porque será?»
«Porque não estão habituados, normalmente as coisas acontecem ao contrário.» Disse eu, sem a querer convencer do que quer que fosse.
Enquanto acendia um cigarro, confidenciou-me, já sem a exuberância inicial: «tantos homens que fugiram de mim por eu não ter medo de os olhar nos olhos...» Sem esperar que eu respondesse, continuou: «só comecei a recusar homens quando abri esta casa. Acho que alguns até faziam apostas, a ver quem me conseguia engatar. Tantas apostas perdidas...»
Sorri, espantado pela curva da conversa. Ela também sorriu. Finalmente.
A conversa ficou como o Tejo, quase lisa. Foi possível perceber o quanto aquela mulher era genuina, quanto aquela mulher precisava de falar deste mundo dos homens...
E antes de eu pagar a despesa e me despedir, foi mais longe: «quando chegaste, sem te olhar para as mãos percebi que eras casado. Como quase todas as mulheres mal amadas, gosto de gostar dos homens errados, geralmente bem casados como tu.»
Voltei a sorrir-lhe e desejei-lhe a continuação de uma boa tarde.
Enquanto caminhava à beira rio, sabia que tinha aprendido mais um pouco sobre as mulheres, que raramente são tão decifráveis como a Laura, que continuava a fingir que conseguia ler pensamentos...
(e a senhora da foto, por acaso conhecem?)

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

O Pedinte Avençado

Na terça, dia dos "guardanapos", também escrevi sobre um pedinte "avençado", que nunca me tinha pedido um tostão, até hoje, na paragem do eléctrico...

Há anos que nos cruzamos, nunca lhe achei muita piada como pedinte, embora perceba que é preciso lata para andar por aí, anos e anos, de mão estendida. Ele deve ter percebido, por isso nunca me pediu uma moeda, enquanto deslizava rente às mesas de café.
Entre os seus vários "patrões" fixos, contava-se o Carlos, que lá lhe ia dando uma espécie de mesada, sem no entanto admitir abusos. Ainda me lembro de ele lhe dizer: «tenha paciência, mas hoje não é domingo.» Notava-se que havia por ali um parafuso a menos na "caixa dos pirolitos" e esperteza a mais naquela arte de pedinchar. Digo isto porque houve mais vezes que tentou um "adiantamento", o Carlos é que não ia na conversa...
Mas hoje arrependi-me de não lhe ter dado uma moeda. O homem que já deve ter ultrapassado os sessenta anos, devia estar mesmo necessitado de uma esmola, para me esticar a mão pela primeira vez. Fiquei surpreso por o encontrar ali. Apenas abanei a cabeça e ele seguiu sem parar, provavelmente por causa do frio...
A fotografia é de Alfredo Cunha.

terça-feira, fevereiro 16, 2010

O Café Quase Vazio...

Vou ao café, nas manhãs de domingo e feriados, para conversar, de tudo o que aparece na mesa.

Raramente acontece o que sucedeu hoje, ficar sozinho na mesa, à espera que apareça alguém...
Felizmente, nós somos bons a tirar vantagens de quase tudo.
Quando estou sozinho e tenho o tempo todo por minha conta, é quando olho à minha volta com mais atenção e encho mais "guardanapos" de papel (quase de bíblia...) de palavras...
Foi assim hoje. Levei para casa sete guardanapos carregados de palavras, alguns com personagens novas que me apareceram do nada, como a cigana que nunca achou piada ao uso de roupa interior, que só foi obrigada a usar, depois do casamento. Nunca se habituou ao "sufoco" do "sutiãn"... ou a senhora com idade para ser minha avó que confessou: «gostava de ter tido muitos homens, mas a vida nem sempre é como a gente quer...»
Pois não...

segunda-feira, fevereiro 15, 2010

Talvez...

Talvez este seja o tempo mais apropriado para o nosso Carnaval. Este frio e até esta chuva de Fevereiro...

Digo isto porque noto que nunca tivemos muito jeito para esta festa, embora reconheça que existam algumas terras especiais, que sempre se esforçaram por alimentar esta tradição, graças à força de vontade de meia-dúzia de "malucos", que sempre adoraram pregar partidas aos outros.
Com o aparecimento das primeiras novelas o nosso carnaval começou a ser ainda mais "descaracterizado", apareceram as primeiras escolas de samba "foleiro" e as miúdas (e graúdas, claro...) começaram a deixar, ano após ano, peças de roupa em casa (ainda ontem vi num desfile do Algarve uma moçoila praticamente nua, apenas com o corpo pintado, pouco preocupada com os chuviscos e estas temperaturas agradáveis, fazendo uso do dito que quem corre por gosto não cansa...). E se antes ainda existiam, aqui e ali, pedaços de um entrudo português, eles começaram a voar e não mais voltaram...
Até os reis e as rainhas começaram a ser importados do "país irmão"...
Talvez a excepção continue a ser Torres Vedras, com as suas "matrafonas" e alguma sátira verdadeiramente portuguesa. Aqui também pode surgir mais uma questão: porquê este gosto dos homens de se transvestirem de mulheres? Haverá várias explicações, para além da experiência perigosa e aliciante de desfilar de sapatos de tacão alto ou de sentir o desconforto dos colants, que adoram descer pela cintura abaixo...
Em Almada o carnaval sempre foi uma coisa de quinta categoria. A única tradição que existia e que se perdeu, foi o "enterro do carnaval".
Por outro lado, tenho a sensação de que as pessoas foram perdendo a vontade de brincar ao carnaval. Talvez por verificarem que a época se foi banalizando, com tantos "foliões" a brincarem ao carnaval o ano inteiro, influenciados ou não, por gente do calibre do "palhaço" madeirense, que não deixa de fumar charutos cubanos e de se rir o ano inteiro, à nossa custa...
O óleo é de Howard Hodgkin.

domingo, fevereiro 14, 2010

Um Sonho com Imagens

A maior parte dos sonhos são tão confusos e estranhos que não os conseguimos decifrar.
Raramente sonhamos de uma forma próxima da realidade.
Esta manhã acordei com um sonho esquisito, mas completamente visível. Vi quase tudo, ainda que com laivos hiperrealistas ou surrealistas.
Estava meio perdido numa estrada de asfalto, com buracos e lama. Conduzia um carro desportivo que no início tinha um volante de mota, que se foi arredondando com o desenrolar das aventuras, da mesma forma que o "ferrari" se transformou num todo-o-terreno.
Numa das estradas fui-me cruzando e desviando de uma série de ciclistas, provavelmente de BTT, eram homens e mulheres com rostos indecifráveis.
Depois de os passar voltei a sentir-me perdido, mas confiante. Sabia que aquela estrada teria de ir dar a algum sitio, embora a gasolina já não abundasse.
Finalmente desemboquei numa estrada estreita de alcatrão. Tinha de escolher um destino e escolhi o pior, pois poucos quilómetros à frente descobri um portão de ferro e uma rede que fechavam a estrada, com uma placa grande que dizia propriedade privada. O curioso era a estrada continuar, apenas estava fechada pelo capricho de alguém. Haviam casas à volta, sai do carro e fui falar com alguém que me apontou a casa do dono daquelas terras. Antes de lhe virar costas, este aconselhou-me a voltar para trás.
Continuei em direcção à tal casa. Descobri um homem mal encarado que me esperava. Tive a gentileza de não o tratar por amigo, pois só travámos conhecimento neste sonho.
Depois acordei...
Como queria saber o resto do sonho, fiz um esforço para adormecer e voltar àquela estrada vedada.
O homem ainda lá estava. Falámos e ele contou-me que as terras eram dele e só abria o portão quando o estado lhe pagasse o que devia das expropriações das suas terras. O estado, sempre ele na ordem do dia, até nos sonhos.
E claro, tive de voltar atrás, naquele lugar tinham acabado há algum as borlas e os almoços grátis...

Nota: Embora estivesse de olhos fechados, tenho dúvidas se ainda estaria a sonhar na parte final do sonho. Em relação à história, não tem pés nem cabeça, mas os sonhos são assim mesmo. Embora o programa "Nós por Cá", da SIC, nos apresente histórias familiares...
A ilustração é de Peter Howson.

sábado, fevereiro 13, 2010

Os Jornais Com e Sem Sobressaltos

José Cardoso Pires falou assim da imprensa durante a ditadura salazarista e marcelista, no seu extraordinário romance, "O Delfim":

«São jornais sem sobressaltos, é o que se pode dizer deles, lendo-os. E é o que eles nos dizem a nós, suando. Foram tão escorridos, tão lavados pela censura, que sujam as mãos.»
Hoje acontece exactamente o oposto, digo eu. Provavelmente liberdade a mais, apesar das frases trágico-cómicas de Rangel, Crespo, Manuela, Zé Manel e companhia:
«São jornais com tantos sobressaltos, é o que se pode dizer deles, lendo-os. E o que eles dizem a nós, suando. Foram tão imaginativos, tão extremados pelos jornalistas da sensação, que sujam as mãos.»

A gravura é de José Dias Coelho, artista plástico militante do PCP, assassinado cobardemente pela PIDE, no começo da década de sessenta do século passado.

sexta-feira, fevereiro 12, 2010

O Sol Brilha Numa Manhã Chuvosa

A providência cautelar serviu para uma coisa, para que o semanário "Sol" brilhasse como nunca e esgotasse a sua edição, em pouco tempo.

Quando cheguei à banca onde compro jornais, nem tive direito a ver a capa, e pouco passava das nove e meia da manhã...
A senhora sorriu, quando lhe perguntei se a providência cautelar tinha tido efeito em Almada, para exclamar de seguida que já os tinha vendido todos. Sem deixar de referir que o povo quer é disto...
Parece que sim... palavras para quê, são artistas portugueses, como diria o Gui, que adora ter dupla nacionalidade para dizer, quando lhe convém, que é holandês...
O mais engraçado é ver os inimigos de estimação do primeiro-ministro, encherem o peito de ar, e falarem em censura.
Grande tripla o Zé Manel, a Manuela e o Crespo...
Tenho pena é que estes moralistas de pacotilha só agora é que tenham acordado, pois desde a revolução de Abril que sempre houve tentativas de condicionar os órgãos de comunicação social. Então quando só existia a televisão pública e vários jornais eram estatizados, contam-se boas histórias por aí...
E esta gente conhece-as melhor que eu, pois pertencem a gerações anteriores à minha.
Nesse tempo até existiam jornais partidarizados. Alguém tem dúvidas de que
o "Diário" era comunista, o "Jornal" era socialista e o "Expresso" era social democrata?
Pelo menos, tenho a certeza de que nada será como dantes. Só por isso é capaz de valer a pena, furar tantos segredos de justiça.


terça-feira, fevereiro 09, 2010

Todos Pela Liberdade? Mesmo Todos?

Embora saiba que os extremos se tocam, nunca pensei ver a direita reaccionária unida à extrema esquerda, em nome da Liberdade.

Basta ler os nomes de vários promotores do manifesto
"todos pela liberdade", para perceber a seriedade da coisa.
Esta gente devia ser recambiada para Cuba, Venezuela, China ou Coreia do Norte, para perceber o verdadeiro significado de liberdade de expressão.
E nem falo do "bolinha" do PSD, que foi capaz de dizer as barbaridades que quis sobre a mesma liberdade de expressão, nas "europas" (está na moda...), e sobre a Madeira e o Alberto João, nem uma palavra, apenas a vénia do costume a esse paladino da liberdade...
Este país está cada vez mais parecido com a obra de Magritte...

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Burka, Não Obrigado!

Nos últimos tempos tenho lido coisas estranhas sobre a proibição do uso do véu e da burka em França. Algumas mulheres, inteligentes e crescidinhas, em nome da Liberdade, têm questionado esta lei, defendendo o uso da burka para quem o desejar, mesmo sabendo que é um hábito que viola a liberdade das mulheres muçulmanas.

Para mim (embora admita que a comparação possa ser excessiva), ser contra a lei que impede o uso da burka, em nome da liberdade da mulher, é quase como ser contra a violência doméstica, acrescentando a cláusura, de que esta é aceitável, quando ela é praticada contra mulheres que gostam de levar pancada, alienadas pelo faduncho, «quanto mais me bates, mais gosto de ti.»
Como muito bem disse a Inês Pedrosa na sua "Crónica Feminina", da última revista Única: «A burka é um enxovalho para todas as mulheres e homens que se vêem como seres livres e iguais.»

domingo, fevereiro 07, 2010

Diário do Meu Tio (três)

«Às vezes penso que nenhum de nós conseguiu ser feliz.

Perdemos o brilho dos olhos, lá, e sei lá que mais.
Só muitos anos depois de ter voltado, já com cabelos brancos e com os teus primos grandes, é que consegui chorar a ver um filme.
Acho que passamos tempo demais a fugir das emoções. Temos medo de fraquejar, como se as lágrimas fossem a arma dos fracos. Mas é tudo mentira, as lágrimas libertam-nos de tantas coisas.»

Nota: O meu tio um dia resolveu falar-me da guerra, depois de eu o ter questionado várias vezes sobre alguns pormenores e receber sempre respostas evasivas.
Seleccionei algumas das coisas que me disse, que coloquei aqui, sem saber muito bem porquê.
Sei que são poucas as pessoas que falam dos momentos que viveram a combater os inimigos, falam apenas da copofonia das cidades, do clima, das mulatinhas e pouco mais. É compreensível, nenhum de nós gosta de falar de coisas sobre as quais não sente qualquer orgulho. Acho que quem viveu a guerra com alguma intensidade, não fala nisso porque sente que deixou por lá um pedaço da alma, regressou sem a capacidade de sorrir e viver, que tinha antes...
E nem vale a pena falar dos pesadelos...

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

À Beira do Abismo

Há poucos meses, ninguém imaginaria que o nosso país estivesse como o título deste Chandler, isso mesmo, "À Beira do Abismo".

Olhando para todos os lados, fico com a sensação de que este país parece que não é para ninguém, se exceptuarmos a classe política (com os serventários e assessores incluídos), e claro, sucateiros, banqueiros, e outros pantomineiros...
Até quando vamos ser nós, a classe média (da alta à baixa...), a pagar todas as crises provocadas pela incompetência, pelo egoísmo e pela ganância?
A notícia boa, é que este policial veio de oferta, com a minha renovação da revista "Ler".

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Às Vezes Parece que Tenho Qualquer Coisa Contra a Realidade

Ontem, depois do almoço, o tema da conversa foi o "fim da linha" de Mário Crespo, no "JN".

Ele era tudo, desde bandalho, jornaleiro vendido, grande repórter, e até herói, imaginem, por desafiar o poder "socretino".
Eu não usei adjectivos porque quando dei por mim estava noutro lugar. Tinha o olhar preso a uma varanda e perguntei a mim mesmo: «porque será que os nossos olhos se agarram logo à lingerie do estendal, ignorando as outras peças de roupa?»

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Diário do Meu Tio (dois)

«Sentir-me culpado? Na altura não. Hoje sim. Mas é impossível alterar o passado...

Sermos muito novos e pouco politizados era uma desvantagem para nós e uma vantagem para os nossos comandantes. Qualquer lavagem ao cérebro fazia com que sentíssemos que nós éramos os bons e os pretos os maus.
Nem sequer me lembro de alguma vez me questionar que aquela terra era deles.
Até isso era compreensível, se passeasses por qualquer cidade moderna, eram os brancos que mandavam e eram donos de tudo.»