terça-feira, fevereiro 28, 2017

Continuação - Louvor aos Raros (Neste caso Raras...)


(Para a Ana e a Margarida)

Escrevemos também para sermos injustos, porque nos esquecemos da capa de "justiceiro" em qualquer parte e também porque acabamos por ignorar as belas excepções.

Quando falei dos funcionários públicos, tinha a "mira" apontada para meia-dúzia de trastes, que juntam três coisas que detesto (a incompetência, a bufaria e a graxice) ao seu ritmo de trabalho, que pede meças às tartarugas.

E sim, sei que os chefes é que têm a culpa, Isabel, porque além de não saberem mandar, também raramente arregaçam as mangas e dão o exemplo. Muitos preferem ficar fechados no seu gabinete a "inventar mundos" e a preparar "reuniões surrealistas" (sei o que são, já participei em uma ou duas...), com chefes ainda mais altos, onde é possível comunicar com as nuvens e discutir o sexo dos anjos e também de algumas secretárias, ao mesmo tempo que fingem que fazem o mundo avançar...

Mas eu queria falar das excepções. E não posso deixar de falar das "duas miúdas do museu" que com o seu exemplo conseguem desmontar todo o anedotário que persegue os funcionários públicos. Elas fazem milagres, com simpatia, inteligência, capacidade de trabalho, e uma coisa, que eu acho que se chama, tacto feminino.

(Óleo de Emilie Claus)

sábado, fevereiro 25, 2017

O Difícil é Fugir...


Tenho alguns amigos funcionários públicos que conseguem fugir ao espírito da "coisa", mas são raros. 

Há um ritmo de trabalho (devagar, devagarinho, parado...) que com o tempo acaba por se apoderar de nós... Porque quem tem demasiada energia (essa enorme dificuldade em estar parado...) acaba por fazer o seu serviço e de uma boa parte da secção, sem que os outros se mostrem muito incomodados com isso...

Nunca esqueço o Nascimento, um "cromo" adepto da "paz e do amor", que era capaz de andar o dia inteiro com o mesmo papel na mão, a cirandar de secção em secção, sempre cheio de amabilidades e simpatias, a dar à língua, mas incapaz de "mexer uma palha", para desespero do chefe, que viu-se obrigado a declará-lo como um "caso perdido", o que na função  pública acaba por ser sempre uma "promoção"...

Dizem que as coisas estão a mudar. É provável, mas muito lentamente, no tal ritmo: devagar, devagarinho, parado...

(Ilustração de Robert Brault)

sexta-feira, fevereiro 24, 2017

Intransigências...

Se há coisa onde continuo a ser intransigente, é nos serviços de atendimento público.

Quem finge não saber que num serviço de atendimento às pessoas, além de se ter de mostrar simpatia (os problemas pessoais têm de ficar de fora...), tem também o dever de informar correctamente toda a gente que utilize o seu serviço, deve mudar de função. 

E claro, não precisa de se "despersonalizar", também deve chamar a atenção a quem se lhe dirigir de forma pouco educada ou correcta. 

Embora de uma forma geral estes serviços tenham melhorado, ainda anda por aí muito "enjoado" à solta, que deveria ser recambiado para qualquer sala dos fundos a arrumar prateleiras (e afins...) e nunca ter como missão o atendimento de pessoas...

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

Amadeo no Chiado


Ontem de manhã visitei a exposição de Amadeo Souza-Cardozo no Chiado com um grupo de amigos, que não só gostam de arte como a praticam.

Gostei bastante da forma como a exposição está organizada. Os quadros são o que quase todos já conhecemos, um "mundo novo" artístico, que abriu tantas portas, fechadas... especialmente quando foram expostos pela primeira vez em 1916, no Porto.

Todas as palavras que ocupam as paredes ajudam a compreender o passado, o presente e o futuro, de um verdadeiro génio.


É também por isso que não me preocupa nada (até acho bem) que as pessoas visitem as exposições de Amadeo  e Almada Negreiros por serem muito divulgadas e de alguma forma estarem na "moda". É sem sombra de dúvida, uma boa "moda".

Digo isto porque são duas mostras de arte que nos  fazem questionar muitas coisas (mesmo que não percebamos daquela "horta"...), desde a cor às formas utilizadas por estes dois "modernistas". 

E sei que, 100 anos depois, ninguém tem vontade de cuspir em nenhum dos quadros do Amadeo, por mais conservador que seja...

(Fotografias de Luís Eme)

terça-feira, fevereiro 21, 2017

A "Bofetada" e a Mudança de Mentalidades...

Fiquei parado  a ler um artigo assinado pela  historiadora M. Fátima Bonifácio, publicado no "Público", numa já distante sexta-feira treze, de Janeiro de 2006, que abordava as mudanças da mulher na sociedade, ao longo dos tempos. 

Fátima deu um realce especial à pílula, que não só emancipou a mulher como a libertou. Assim como a sua entrada em massa no mercado de trabalho, apesar de todas as desigualdades existentes - e que continuam sem sofrer grandes alterações -, pois para o mesmo trabalho as mulheres recebem quase sempre menos que os homens.  

O texto tem como título "A Importância da Bofetada". Há uma parte que relata a violência doméstica, que não escolhe classe ou meio social, ao mesmo tempo que destaca a facilidade de a mulher conseguir o divórcio  nos nossos dias (também aqui se libertou...).

Mas o mais importante para mim foi mesmo o "remate final" da historiadora no texto: «Não acredito que a situação se possa alterar por meio de uma voluntária e generosa "mudança de mentalidades", pelo motivo de que ninguém muda de mentalidade contra os seus próprios interesses.»

Eu também penso da mesma forma. A mudança de mentalidades infelizmente vai ter de ser mesmo forçada, e ocorrerá quando as mulheres passarem a ocupar os cargos mais importantes no mercado de trabalho e a terem uma situação económica e social privilegiada, pelo menos quando comparada com a dos homens.

Talvez existam uns tempos de "bofetadas" (acredito que uma boa parte da violência doméstica tem origem em complexos de inferioridade masculinos, quase sempre escondidos...).

(Óleo de Charles Courtney Curran)

segunda-feira, fevereiro 20, 2017

Precisar Urgentemente de Renascer...


Poucos sabiam o porquê de toda aquela tristeza, que habitava no rosto quase bonito, da mulher que acabara de ultrapassar os trinta e já parecia caminhar para os cinquenta. Dia após dia percebia-se que quase se esquecia de viver...

Não era o dinheiro que escasseava que a fazia sofrer, era algo muito mais precioso:  a impossibilidade de viver outras vidas, de assistir ao "nascimento" de uma outra pessoa, mesmo que fosse apenas por dois ou três meses, Até podia ser uma assassina ou uma prostituta, queria era "renascer", ter um outro nome, uma outra vida...

(Fotografia de Alfred Cheney Johnston)

domingo, fevereiro 19, 2017

O País dos Iluminados...


Não sei qual é o maior defeito dos portugueses. Sei apenas que dou cada vez mais razão ao meu amigo Orlando, por uma boa parte das pessoas se terem em grande conta e achar que são os melhores, não da rua, mas do bairro onde moram (alguns até da cidade ou do país...).

O exemplo dado por Cavaco Silva e José Sócrates esta semana, é apenas mais um, de dois seres "iluminados", que foram primeiros-ministros de Portugal e são tão bons, que a sua qualidade acaba por estar reflectida no rumo do nosso país, que como sabemos se tornou uma "potência europeia", graças às suas governações...

Mas nem precisamos de ir tão longe, podemos focar-nos (não na nossa rua, porque já quase ninguém perde tempo a falar com a vizinhança...) no nosso trabalho, onde existe sempre alguém que passa a vida a dar nas vistas, com a habitual "graxa" aos chefes, a valorizar o pouco que faz, ao mesmo tempo que - sempre que pode - se tenta apropriar dos louros alheios, com a maior naturalidade do mundo.

Talvez seja da idade, mas cada vez tenho menos paciência para lidar com os "cavacos" e "sócrates" que nos rodeiam... 

(Óleo de Giorgio de Chirico)

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

A Festa das Artes da SCALA


Participo mais uma vez na "Festa das Artes da SCALA", a 23.ª Exposição artística Anual desta Associação Almadense a que pertenço, que apresenta obras de  Artes Decorativas, Escultura, Fotografia, Ilustração e Pintura e vai ser inaugurada amanhã, às 16 horas, na Oficina de Cultura de Almada.

As minhas três fotografias são sobre a Procissão da Senhora do Bom Sucesso de Cacilhas.

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, fevereiro 16, 2017

«Eu sempre soube que somos uns seres um bocado para o estranho»

Ainda mal tínhamos acabado de sair da sala de cinema e já estavas a dizer: «eu sempre soube que somos uns seres um bocado para o estranho».

Sorri. Há coisas que sabemos, mas que normalmente não dizemos. Neste caso particular, nem sequer era preciso pensar no Hitler...

O cinema e o teatro, com os exageros da realidade, deixam-nos muitas vezes a pensar. Foi o aconteceu esta noite ao vermos "A Solidão dos Números Primos", apenas mais um exemplo de como  somos obrigados a viver com os "aleijões" que a vida nos oferece... e de como os erros, mesmo na idade da inocência, se podem pagar caros, ao ponto de  nunca mais nos deixarem em paz...

Eu sei, que, mesmo que alguns filmes nem sejam muito bem feitos, fico a gostar deles quando me fazem pensar.

(Fotografia de Cristiano Mascaro)

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

Dizer o que se Pensa Tem o seu Preço...

Desde a minha infância que sei que dizer o que se pensa, tem o seu preço.

Por teimosia, orgulho e personalidade, ainda em construção, comecei logo a pertencer ao clube dos "livres pensadores", mesmo sem saber muito bem o que era isso.

Recordo que nas férias grandes que passava na casa da avó, quando não gostava da comida dizia-o, sem qualquer problema. O meu irmão, mais velho dois anos, mesmo que não gostasse, "comia e calava". Isso irritava a "cozinheira" e fazia com que existisse alguma diferença de tratamento entre nós dois, ele era sempre bem vindo por que era um "menino do campo", enquanto eu não passava de um  "menino da cidade"...

Cresci e não mudei tanto quanto isso.

É por isso que até consigo achar graça a pequenas coisas, como a confusão que provoca o que escrevo nos blogues (especialmente no "Casario", por ser mais regional...) a algumas pessoas, que até são capazes de "ler" coisas que nunca estiveram no meu pensamento  (quanto mais nas palavras...), inventando logo qualquer "teoria de conspiração".

É também por isso que há acontecimentos que acabam por ser ainda mais importantes que qualquer "medalha", como o episódio do presidente da Assembleia Municipal de Almada, que recusou sentar-se à mesma mesa que eu, no lançamento de um dos meus livros, supostamente por coisas que tinha escrito na blogosfera, contra o seu "partido" e a sua "câmara"...

(Fotografia de Luís Eme)

terça-feira, fevereiro 14, 2017

Um Poema Resgatado de "Outra Vida"...

Não é apenas por ser o dia dos namorados, que publico aqui este poema. É também por estar incluído numa pequena antologia com poemas de amor dos poetas da SCALA ("Corações Cheios de Poesia - poemas de amor dos poetas da scala"), inserida na "Semana do Amor em Almada"  e por ter sido "resgatado" de um caderno com escritos dos anos 1980.

Aquele Amanhecer Único

Olhei-te e recordei
aquele amanhecer único...

Não pregámos olho nessa noite,
andámos de festa em festa,
até os bares fecharem.
Os amigos também foram voando,
quando olhámos um para o outro,
restávamos apenas os dois...

Não sei se bebemos mais que a conta...
muito menos qual era a nossa conta.
Sei apenas que deixámos o carro em qualquer lugar
e fomos esperar a madrugada
à beira da Lagoa...

As coisas que fizemos,
enquanto o dia não clareou...

Depois olhámos abraçados,
aquele amanhecer único...


A fotografia que escolhi não é de nenhum amanhecer, mas é da Lagoa de Óbidos...

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, fevereiro 13, 2017

A Carta do Cinema ao Governo


Embora concorde com o teor da carta que o "cinema" (praticamente todas as pessoas envolvidas na indústria...) enviou ao Governo, sei que as coisas nunca foram exactamente como são "pintadas" neste manifesto.

Quando dizem: «[...] A política cultural que permitiu este cinema e que abriu as portas à diversidade, assentou em Leis do Cinema e num Instituto Público, o ICA, que as aplicou, organizando de forma continuada concursos públicos para o apoio financeiro à produção de filmes, com regras de participação transparentes e critérios de avaliação compatíveis com uma política promovida pelo Ministério da Cultura e com júris escolhidos pelo Instituto cujo perfil é definido por lei como “personalidades com reconhecido mérito cultural e idoneidade”.[...]», esquecem uma série de "privilégios" em benefício de Manoel de Oliveira, ou ainda de João César Monteiro, que até se deu ao luxo de fazer um filme sem imagens ("Branca de Neve"), que se foram prolongando no tempo.

Mas esse é um mal do nosso país, criamos regulamentos, que deixam sempre uma ou duas alíneas abertas, para poder beneficiar a entrada de quem mais nos convém. O velho sistema da "cunha" nunca deixou de existir, e em épocas de crise, como a que continuamos a viver, ultrapassa todos os limites do razoável...

Sei que o cinema e o teatro, e até alguma música, têm de continuar a ser apoiados. É a única forma de subsistirem, porque continuamos a ser um povo pouco culto e facilmente manietado e manipulado, por tudo aquilo que não nos obrigue a pensar muito...

Mas era bom, mesmo muito bom, que o apoio estatal não fosse sempre para os mesmos, baseando-se sobretudo na qualidade dos seus projectos e não nos seus "nomes".

domingo, fevereiro 12, 2017

Duas Exposições da Modernidade


Embora ainda não tenha passado por nenhuma das duas exposições que nos mostram uma boa parte do expoente do modernismo do começo do século passado, através de Amadeo Souza-Cardoso e de Almada Negreiros, em Lisboa, acho muito bem que se festeje a arte destes dois amigos e extraordinários artistas plásticos. Um morreu cedo demais e o outro atravessou todo o Estado Novo, para quem trabalhou e por quem foi aceite, apesar de ser um provocador...

E por falar em exposições, há um acontecimento que merece sempre ser relembrado: a forma como Almada defendeu Amadeo na abertura de uma sua exposição na Liga Naval, em 1916. Quando um quadro do amigo é cuspido pelo público Almada defende a arte ao murro, dizendo para quem o quis ouvir: «É mais importante a descoberta da pintura de Amadeo do que a do caminho para a Índia, porque a Índia foi há quatro séculos.»

(Óleo de Almada Negreiros)

sexta-feira, fevereiro 10, 2017

O "Quarto Poder" Existe Mesmo...


Embora não frequente todos os jornais, pelo que que vou lendo penso que a figura do "provedor do leitor" desapareceu (a excepção era a RTP, que ainda mantinha o provedor do espectador, que também me parecer ter terminado com a morte recente de Jaime Fernandes), como se não fizesse falta num meio onde se cometem tantos "atropelos", por se fingir, vezes demais, que não existe o "contraditório".
Quando me perguntam porque é que se deixou de ler jornais, sei que não existe apenas uma razão. Mas a falta de credibilidade da comunicação social tem uma boa quota parte de responsabilidade.
O que me faz mais confusão é que quem exerce a função de jornalista, não consiga (ou não queira...) separar a notícia do comentário. É ensinado a qualquer estudante de jornalismo que a notícia deve ser o relato do que aconteceu (o famoso e velhinho, "quando, onde e porquê"...), sem que se comente ou apontem dedos acusatórios a quem quer que seja...
Nos últimos anos alguns jornais e televisões tornaram-se peritos nos "linchamentos públicos", misturando meias-mentiras com meias-verdades, com o maior desplante, ao ponto de interferirem na investigação dos casos de justiça mais mediáticos, colocando em causa todo o processo. Com esta prática os "jornalistas" e "comentadores" acabam por ajudar sobretudo os "criminosos", que se "agarram" a tudo aquilo que pode pôr em causa os investigadores e os juízes.
O caso torna-se ainda mais grave quando alguns arguidos, mesmo culpados, até são capazes de colocar acções em tribunal contra o Estado, pela deturpação que é feita dos factos na opinião pública...
Tudo isto que vai acontecendo diz-nos que o jornalismo, embora caminhe cada vez mais pelas "ruas da amargura", tem a perfeita noção do poder que exerce na sociedade. Se está em terceiro, quarto, quinto ou sexto na lista, isso nem é relevante. O que é relevante é no que se tornou. É quase um "prostituto", pronto a vender-se a quem pagar mais...

(Óleo de Lesser Ury)

quinta-feira, fevereiro 09, 2017

Nunca Mais vi o "Rapaz"...


Os cães são tão diferentes dos gatos...

Este cão que aparece na fotografia tinha uns donos que lhe davam quase todo o espaço do mundo. Esqueciam-se muitas vezes que ele também precisava de comer, todos os dias. Acho que foi por causa disso que nos tornámos quase amigos.

Quando levava comer para os gatos da minha sogra, guardava sempre algo para ele, especialmente ossos. Acho que foi este simples gesto que fez com que nos tornássemos quase amigos e ele até sentisse vontade por vezes de me abraçar, levantando as patas e obrigando-me a pedir-lhe mais respeitinho e a fazer quase cara de mau.

Como era um bicho quase livre, encontrávamo-nos muitas vezes pelas ruas de Almada. Era giro, ele assim que me via não mais me largava. Embora me seguisse sem se prender, andando para a frente e para trás, mas andando sempre por perto, sem nunca se tornar um incómodo.

Habituei-me a chamar-lhe "Rapaz" e a trocar algumas palavras com ele, que ele parecia escutar atentamente. Os amigos são assim...

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

Vi os Teus Olhos no Cinema...


Da última vez que os nossos olhos se cruzaram, apesar de ter sido a uma distância segura, e com discrição, descobri de que olhar te conhecia.

Sim, tens algo da mulher que diziam ser "O Mais Belo Animal" do nosso planeta, essa mesma, a Ava Gardner.

Finalmente descobri que já tinha visto os teus olhos no cinema...

(Fotografia de George Hoyningen Huene)

terça-feira, fevereiro 07, 2017

"Olhar o Tejo"...

Tenho andado a reunir uma boa parte dos poemas que tenho escrito. Hoje descobri mais um, sobre o melhor rio do mundo. Chamei-o "Olhar o Tejo". Achei-o curioso, e até bonito, a espaços. É por isso que transcrevo as primeiras três quadras (penso que até podia ser cantado...).

Sempre que desço até ao cais
Fico por ali, encantado a olhar
Maravilho-me com as barcas e os arrais
Mesmo sem saber onde fica o mar

Olho para Norte e para Sul
Para toda aquela largueza
De água pintada de verde e azul
Que me enche os olhos de beleza

Prefiro ficar por ali a sonhar
Nunca pergunto a ninguém
Onde acaba o Tejo e começa o mar
Ou para que lado fica Belém

[...]

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, fevereiro 06, 2017

As Bonitas "Feias"...


Não gosto de ver mulheres com pestanas falsas. A primeira imagem que me vem à cabeça são os travestis, que normalmente são excessivos com toda a indumentária que usam.

Provavelmente elas pensam que ficam mais bonitas... e o espelho que têm lá por casa, brincalhão, também é capaz de lhes dizer que sim.

Talvez seja moda. 

Digo isto porque uma das empregadas do café que costumo frequentar, bastante simpática, aderiu à "moda" e durante algum tempo fazia-me confusão olhar-lhe para os olhos.  

Hoje acabei por reparar que uma das minhas vizinhas também aderiu à colagem das pestanas falsas. 

Lá acabei por dizer para os meus botões: «Mais uma que resolveu ficar mais feia...»

(Fotografia de Richard Avedon)

domingo, fevereiro 05, 2017

As Mãos do Poeta...

É muito difícil encontrar a escultura do Fernando sem turistas, que se queiram sentar a seu lado, abraçá-lo, dar-lhe a mão, agarrarem-se ao seu chapéu ou até fazerem-lhe uma festinha...

Acho que ele esperava, um dia, não muito distante, que além de ser compreendido e lido, também fosse amado... 

Pelos vistos, conseguiu-o.

Esta semana decorre na Gulbenkian o IV Congresso Internacional Fernando Pessoa, um encontro a não perder para todos os "pessoanos".

Hoje no Chiado retive-me sobretudo nas suas mãos, quase perfeitas, quase humanas, fabricadas pelo Mestre Lagoa Henriques, que também espera que lhe façam justiça...

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, fevereiro 03, 2017

«Aceito sem qualquer problema, que sou um tipo estranho»

A discussão a meio da rampa colocou gente parada nos passeios, do começo ao fim da rua com o nome de Emília Pomar.

Fiquei com a sensação de que fui o único a passar sem parar, incomodado com o tom de voz da mulher que insultada um homem, que mesmo com um braço inutilizado, recebia todo o género de mimos (dos que fui ouvindo enquanto descia, calão era o mais suave). O homem tentava se defender com o seu defeito, mas a mulher não tinha lavado a boca e estava imparável. Eu sei que estava protegida pelo rapaz negro que a agarrava. Normalmente este agarrar ainda agita mais as discussões...

Já no fim da rua dou de caras com uma amiga, que tinha sido desperta pelas vozes esganiçadas que coloriam as redondezas, no meio de um dia cinzento, também ela parada a ver o "filme".

Perguntou-me o que se passava, abanei os ombros, e disse: «é uma discussão entre um homem e uma mulher, que provavelmente já gostaram um do outro.»

Ela sorriu, sem perceber que eu tinha inventado aquilo naquele momento.

E depois, como me viu continuar, perguntou-me se não estava interessado no epílogo. Devolvi-lhe um sorriso com um abanar de cabeça negativo. Acabou por vir atrás de mim, para me oferecer alguns mimos.

Limitei-me a dizer-lhe: «aceito sem qualquer problema, que sou um tipo estranho.»

Com ar de vencida, apertou-me a mão.

(Fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, fevereiro 02, 2017

Emigrantes & Estrangeirados


Viver num outro país, vai-nos transformando, quase sem darmos por isso. A cultura entra dentro de nós, quase de uma forma invisível.

Não esqueço o telefonema assustado de uma amiga, que trabalhou durante uns tempos em Londres, sobre a primeira vez que sonhou em inglês...

Há pouco tempo li uma entrevista de uma professora, que estudara em Inglaterra, e que também contou o mesmo episódio, mas sem o dramatismo da minha amiga...

Talvez a senhora tenha gostado de sonhar em inglês.

Há emigrantes e estrangeirados...

(Fotografia de Regina Relang)

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

Nós e os Outros...

Eu estava ali, mas tentava ser o mais invisível possível. Não podia sair dali, era uma paragem, onde dentro de quatro minutos passava o metro, porque chuviscava. Provavelmente se não estivesse a chover, tinha mesmo seguido a pé.

Um das coisas que mais me incomodam é assistir a discussões familiares parvas e saber que não tenho nada a ver com isso. Percebi que a mãe que discutia com a filha (envergonhando-a...), tinha outro problema qualquer, a jovem era o bode expiatório. E como não reagia nem respondia, era um alvo demasiado fácil, pelo menos para quem tem por hábito "bater no ceguinho"...

Os outros são sempre o nosso espelho. E é por isso que espero nunca humilhar a minha filhota daquela maneira...

(Óleo de Kiyoshi Saho)