quarta-feira, novembro 30, 2011

Quando a Realidade Finta a Ficção


O episódio de ontem, na qual o administrador da Caixa Geral de Depósitos foi vitima de "carjaking", quase que coincide com o argumento do filme do meu amigo, de quem vos falei na última "posta".


Ele criou uma situação em que à mesma hora são raptados um ministro, um banqueiro e um empresário, cópias quase fiéis daqueles que pensam ser "donos" do país, e a quem são pedidos milhões de resgate.

E tudo isto começou com um desafio colocado pela personagem principal, um professor desempregado, que se viu obrigado a viver de expedientes, próximos do mundo da criminalidade. Duas semanas foram suficientes para se adaptar e sentir algum gozo nas brincadeiras do gato e do rato, com as polícias. Como ele sempre achou miseráveis os assaltos a velhinhas e a pequenos comerciantes de bairro, começou a questionar os bandidos de segunda e terceira que vai conhecendo, perguntando-lhes porque arriscam tanto por apenas umas dezenas ou centenas de euros, em de vez de correrem atrás dos milhões.

Atónicos e irritados de início, acabam a dar razão ao professor, que também começa a dar aulas a quem vive do lado de fora da lei.

Depois deste exemplo verídico, em que a realidade resolve fintar a ficção, é caso para dizer: «quem tem dinheiro no nosso país que se cuide, ou arranje uma dúzia de guarda-costas».

O óleo é de Mery Sales.

terça-feira, novembro 29, 2011

O Filme da Tua Vida


Encontrámos-nos na Baixa, ocasionalmente, depois de nos olharmos percebemos que éramos mesmo nós. Trocámos sorrisos e um abraço forte, que soube bem por tudo, até para esquecermos o frio do meio da tarde. Depois agarraste-me o braço e levaste-me para dentro de um café, onde ficámos na conversa mais de duas horas (cancelei uma reunião de trabalho por telemóvel, apenas com a desculpa que tinha encontrado um amigo e estava no "Nicola" a matar saudades, sem falar de doenças, filhos, filas, avarias, etc, as desculpas que costumo receber...).


Estavas mais magro e também mais calmo.

Falámos de quase tudo, de política, de futebol - nem o "galinheiro" da Luz escapou...-, de música, de livros, de filmes, e de nós claro. Quiseste saber coisas lá de casa, dos miúdos que estão quase grandes, da loura rebelde. Como sempre, falaste pouco de ti. Perguntei pela Clara, a tua fonte de preocupações. Não te alongaste muito, apenas lamentaste ter sido um péssimo pai, sempre entretido com a gente de fora, seguindo os maus exemplos do teu pai. Quando falas dele, continuas a resumir tudo a uma frase, «era um homem extraordinário». Esqueces que era um reaccionário, apaixonado pelo dinheiro e pelas mulheres dos outros. Agradeces que ele, ao contrário de tantos progenitores, nunca quisesse que fosses a sua cópia, preferia que fosses um artista, de qualquer coisa. Foi por isso que te pagou estudos, cursos, viagens, e até os primeiros filmes, que quase ninguém viu. Nem sequer estranhou que te tornasses comunista. Mas disse-te uma vez, que para os burgueses era muito fácil gostar de Marx ou de Lenine, mais difícil era ser pobre e comunista. Nunca o esqueceste, foi por isso que também nunca deixaste de ajudar aqueles que precisavam.

É também por isso que estás a realizar aquele que deve ser o teu último filme, demasiado autobiográfico, que pode ter vários títulos, até a banalidade que não está guardada apenas para os operários da Margem Sul, que nunca quiseram enriquecer nem se tornaram funcionários das autarquias da CDU, "Comunista Até ao Fim".

Não sabes se vais acabar o filme, nem tão pouco se isso será importante. Não compreendes este mundo, que parece sem rumo, «refém de gente corrupta que nada em dinheiro». Nem compreendes estes desempregados que não se revoltam contra os patrões nem contra o estado.

Contaste-me que no teu filme acontece precisamente o contrário, há um "robin dos bosques" urbano, que se torna bom a transformar ricos em pobres e pobres em ricos... Filme que tem ainda outro contra, não fala de princesas nem de príncipes.

Quando saímos do café já era noite. Antes de nos despedirmos no coração da cidade, com um novo abraço, combinámos almoçar em Cacilhas, um dia destes.

O óleo é de Brent Lynch.

domingo, novembro 27, 2011

Porque Hoje é Dia de Fados...

A Nossa Canção

O fado é uma mistura de amor,
Saudade, sonho e muita emoção,
Liberta o sentimento, a dor,
Que inunda as estradas da solidão.

É a canção dos saudosistas,
Da gente que parte, com e sem calma,
Que faz eco às vozes fadistas,
Que cantam o que lhes vai na alma...

Não conseguem esquecer o país
As gentes e os lugares amados.
Mesmo que naveguem num mar feliz,
Jamais esquecem os dias passados...

Deixam escapar uma lágrima de tristeza
Presos a um sonho quase encantado,
Enquanto cantam com beleza,
A Canção da nossa alma, o fado.

Poema escrito por mim, que faz parte do caderno de poemas, "Palavras ao Tejo".

sábado, novembro 26, 2011

O Essencial em Segundo Plano


Na última "posta" excedi-me em palavras e como deixei o essencial para o fim, nem todos os meus leitores lá chegaram.


É por essa razão que considero o comentário da Carol precioso, pois trouxe ao de cima uma "falsidade", que tem sido usada durante anos, à qual também dei relevo, propositadamente.

Quando a minha amiga falou que o pior pesadelo da vizinha eram as derrotas do Benfica, expliquei-lhe que se isso fosse verdade, a senhora só devia levar pancada meia dúzia de vezes por ano, porque o clube da Luz era o clube que mais vitórias alcançava nesse tempo, no nosso país.

Penso que é tão errado associar os bons chefes de família ao Benfica, como os agressores dos casos de violência doméstica. Deve-se associar sim, ao futebol, e a toda a alienação que provoca junto dos seus adeptos.

Muito triste é perceber que as pessoas têm uma vida tão pequena, que para se sentirem vencedores, têm de viver as vitórias e as derrotas dos seus clubes como se fossem suas, sejam elas do Benfica, do Sporting, do Porto ou do Cascalheira Futebol Clube. Infelizmente esta "cegueira" escolhe sempre inocentes como vitimas...

O óleo é de Luís de la Fuente.

sexta-feira, novembro 25, 2011

Quando Ser Benfiquista ou Sportinguista Acaba por Ser o Menos Importante...


Não estou aqui a falar do Benfica, por amanhã ser dia de "derby" na Luz, nem tão pouco por ter decidido ser benfiquista numa família de sportinguistas.


Até porque já devia ser adolescente quando soube o porquê do sportinguismo da minha mãe. A história sobre o sportinguismo do meu pai ainda é mais recente. Como nunca lhe perguntei, ele também nunca me contou essa e tantas outras coisas que ficaram por contar sobre a sua vida. Há pouco tempo tive uma conversa deliciosa com o meu tio Valentim, em que ele desfiou um bom novelo de memórias sobre a sua infância e juventude. Fiquei a saber muitas coisas sobre o meu pai, o seu irmão mais velho que o trouxe para a Capital e foi tão importante na sua vida. Foi também no decorrer desta conversa que soube a razão do seu sportinguismo.

O meu pai e os irmãos nasceram na Beira Baixa, numa das muitas aldeia perdidas do interior, distantes do "mundo". Um dia apareceu lá na aldeia um tio, que trazia nos bolsos uns cromos do Sporting da Covilhã, que estava nessa altura na primeira divisão (nos anos quarenta do século passado), e acabou por os oferecer aos sobrinhos. Aquelas imagens a cores foram uma autêntica novidade para quem nunca saíra dali e pouco sabia sobre futebol. A alegria deles foi tanta que nunca mais deixaram de gostar das camisas listradas a verde e branco do Sporting da Covilhã e do de Portugal.

A minha mãe antes de ser sportinguista, começou por ser anti-benfiquista, porque durante a passagem do Caldas pela primeira divisão (nos anos cinquenta...), numa das visitas do Benfica este ficou alojado no Hotel Lisbonense e os seus craques resolveram levar da Cidade uns "recuerdos" sem avisar a gerência, tais como talheres, toalhas, copos, etc. Na altura isto foi um escândalo local, e quem não gostava da equipa da Luz ainda ficou a gostar menos, como foi o caso da minha mãe.

A outra razão para não ser benfiquista é muito mais arrepiante e foi-me contada há mais de vinte anos por uma amiga, que por uma razão qualquer me explicou porque não gostava do Benfica.

Quando ainda não se falava de violência doméstica, era costume um vizinho agredir a mulher e os filhos, especialmente quando o Benfica perdia, mesmo na casa ao lado dela. Toda a vizinhança ouvia a gritaria, o barulho de coisas a partirem-se e os choros, ao qual se seguia sempre um silêncio sepulcral. Ela também chorava muitas vezes no seu quarto, de raiva, por ninguém entrar naquela casa e parar aquele animal. Tinha catorze anos quando se mudou para o centro da cidade e deixou de assistir a este espectáculo degradante, mas nunca o esqueceu. Nem nunca conseguiu perdoar ao Benfica, mesmo que fosse apenas um elemento secundário em toda a história.

Naturalmente, não deixei de ser benfiquista por estas duas histórias. Na época ainda utilizei um argumento para defender o Benfica, mas nada de muito relevante para a história. Importante é dizer que tenho muita vergonha de todos os cobardes que aproveitam as derrotas e as vitórias de um desporto qualquer - que devia ser apenas isso -, para deitarem fora a raiva e a frustração de uma vida falhada, no corpo de inocentes, que se calam tempo demais, quase sempre por amor...

A fotografia é de Maurice Tabard.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Amanhã Faço Greve


Só tenho de estar solidário, especialmente com as pessoas com menos recursos da sociedade, que são sempre as mais atingidas pela "crise".

O desemprego está a destruir vidas e a provocar dramas impensáveis, perante a "cegueira" habitual dos patrões.

A imagem mostra-nos uma greve de varinas na Capital, em 1912.

Adenda: esqueci-me de registar o principal, estou frontalmente contra as medidas deste governo, completamente dominado pelos poderes economico e financeiro e preparado para privatizar tudo o que possa ser lucrativo para os amigos.

terça-feira, novembro 22, 2011

Histórias Absurdas


Às vezes penso que uma das coisas mais absurdas dessa coisa que chamamos amor, é sermos atraídos e apaixonarmos-nos por pessoas completamente diferentes de nós. As diferenças são quase daquelas que fazem "faísca", e mesmo assim, continuamos na nossa luta diária.


Sei que gostamos de desafios, mas isso não explica tudo...

Nem é preciso, embora nós tenhamos a mania de arranjar explicações para tudo.

O óleo é de Mark Keller.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Fugir do Escuro


Não me apeteceu sorrir, porque não era uma piada.

A senhora com mais de setenta anos contou-nos que tinha medo do escuro. Depois de se tornar mulher, escondeu-o, primeiro do marido, depois dos filhos. Fingiu muitas vezes que a escuridão já não a assustava. Como quase todas as mulheres ficou viúva e voltou a sentir a solidão e o medo da infãncia. Hoje só consegue adormecer com o candeeiro da mesa de cabeceira aceso.


Foi por isso que confessou, que o pior que lhe podiam tirar, nestes tempos de crise, era a luz eléctrica. Olhámos uns para os outros, sem saber o que dizer.


Ninguém sorriu, bastava olharmos a senhora para percebermos que que não era nenhuma piada...


O óleo é de Peter Taylor Quidley.

domingo, novembro 20, 2011

A Coragem de Continuar a Fazer dos Domingos um Dia Diferente


A vida incaracteristica que enfrentamos nas cidades fez com os domingos perdessem a importância social que tiveram durante anos. É mais fácil a uma boa parte das pessoas ficar de pijama em casa, pelo menos até ao almoço, que levantarem-se antes do meio da manhã, tomarem um banho apetecido e vestir uma roupa diferente, especializada para os dias que não são dias.


É por isso que é de louvar a atitude dos país da Carolina, que ao domingo nunca ficam em casa. Ele não têm paciência para participar no culto católico e ouvir as palavras do padre da freguesia, mas espera a esposa à saída da igreja, umas vezes a pé, outras já com carro a brilhar, preparado para ir a qualquer lugar, escapando da vulgaridade dos dias.

Não há qualquer ironia nas minhas palavras, acho louvável a acção de todos aqueles que conseguem fazer dos domingos um dia diferente, por mais estranhos que possam parecer. O pai da Carolina, por exemplo, tem um hábito que com o decorrer do tempo fez com que fosse olhado de lado pela vizinhança e motivo de conversa do café mais próximo, porque é também ao domingo de manhã que pega no trompete e toca uns acordes, a reviver os tempos em que foi músico da filarmónica da Incrível.

Às vezes passo pela rua e ouço os seus solos entre o jazz e o blues, que se escapam pela janela. Não é nada desagradável, para mim claro, que estou a passar na rua...

Aliás, a única coisa que me irrita um pouco (aqui estou a favorecer a questão...) nestes amantes do domingo, é a sua capacidade de transformarem as estradas portuguesas em autênticas romarias, fazendo com que andar de carro ao fim de semana, seja uma aventura no mínimo surpreendente...

O óleo é de Ton Pinch.

sexta-feira, novembro 18, 2011

Não Sei Porquê...


Não sei porquê, mas sempre preferi fotografar lugares sem gente. É, sempre preferi os candeeiros às pessoas.


Em parte isso deve-se à minha falta de jeito para explorar a componente humana, sinto sempre que estão a mais na fotografia.

Por outro lado também tenho pouca paciência para ficar à espera do "passarinho". E a paciência é uma qualidade básica para se ser bom fotógrafo...

Esperar é mais que uma virtude para quem tira retratos, muitas vezes é o segredo de uma fotografia única. Tanto se pode ficar à espera do Sol, como da Sombra, ou até de um sorriso, ou de uma distracção.

Embora acredite muito no "click" de momento, sei que a sorte é uma coisa tramada, dá sempre um bocado de trabalho...

quinta-feira, novembro 17, 2011

E se Pela Boca Morre o Peixe?


Embora esteja ligado à literatura de várias maneiras, inclusive como criador, acho uma vergonha o que se está a fazer ao mundo das artes, a quem este governo está a retirar as poucas migalhas que tinham para sobreviver. Enquanto tira de um lado, deixa perceber que a literatura é a menina dos olhos deste governo, não fosse o secretário de estado escritor.


O aumento do IVA nos bilhetes para espectáculos de teatro, música ou cinema é um bom exemplo. A demissão de Diogo Infante do Teatro Nacional D. Maria II (depois de ter confrontado o governo numa entrevista dada ao "Expresso") é outro. Só nos livros tudo ficou igual.

Parece que a arte de talma está longe das preferências artísticas de Francisco José Viegas e o Joaquim Benite ainda vai mudar de opinião, em relação ao que disse há meses ao "I". É que há culturas e culturas...

Não é por acaso, que há milhares de anos que a vida nos ensina que «pela boca morre o peixe».

quarta-feira, novembro 16, 2011

«Esta gente já não se casa, vive junta.»


Fingia mais uma vez que lia o jornal porque era impossível passar ao lado da conversa das duas mulheres, que deviam rondar os sessenta anos e estavam sentadas à minha frente no cacilheiro.
Uma delas lastimava-se à amiga que agora ninguém se casava. Viviam juntos enquanto durava o amor, quando ele acabava, faziam as malas e voltavam para a casa dos pais, dos irmãos ou dos primos.

A outra concordou: «esta gente já não se casa, vive junta». E com um sorriso nos lábios, preso às nuvens que andavam às voltas lá fora, disse que há mais de vinte anos que não ia a um casamento. Depois falou da sua experiência pessoal, dos seus dois filhos que nunca que casaram. Um estava junto e outro ainda vivia lá por casa.


O mais curioso foi nenhuma delas defender os jovens, falar do desemprego, da dificuldade em alugar e comprar casa, dos obstáculos cada vez maiores para se formar uma família. Também nenhuma falou neste tempo que parece não ter espaço para chegar a netos...


Ficaram ambas a recordar os últimos casamentos onde estiveram presentes, para acabarem a falar dos seus, contando os pormenores decorativos dos seus vestido de noiva, brancos como mandava a boa tradição virginal...


Continuei a fingir que lia o jornal, rendido ao Cristiano Ronaldo e companheiros, que tinham goleado a Bósnia, que demonstrara dificuldades em jogar em relvados normais. Até que o cacilheiro chegou ao cais...


O óleo é de Juan Moreno Aguada.

segunda-feira, novembro 14, 2011

O Tempo, Curto e Longo...



Devia compreender mais o Carlos, por agora depois de velho, andar a passear o seu cão pela cidade. Sei que o passeio é apenas mais uma forma de ele lhe agradecer a companhia e a amizade, que tanto o ajudam a "enganar" a solidão.

De manhã explicou-me como o tempo pode ser estranho e diferente. Sete anos tanto podem parecer cem anos como estarem demasiado próximos, soarem a quase ontem. Sabe que nunca vai esquecer a companheira, que vai ser assim até ao fim.

O pior de tudo são mesmo as datas que estão gravadas no seu coração: a primeira vez que a viu, o casamento, e sobretudo o seu adeus, no fatídico dia 12 de Novembro...


Só tenho medo que ele à medida que se vá afeiçoando ao seu fiel amigo, vá desistindo das pessoas.


O óleo é de Chris Chapman.

sábado, novembro 12, 2011

Nunca vi Ministros tão Arrogantes, Burros e Teimosos


Embora gostasse que estes ministros estivessem certos, estou convencido que daqui a um ano estaremos numa situação económica pior que a dos nossos dias. Com a agravante de nesta caminhada de "certezas", além de nos terem subtraído os subsídios de férias e natal, destruíram o serviço nacional de saúde, deram cabo da rede de transportes públicos e privatizaram bens essenciais como a água.


A última descoberta destas "sapiências" foi acabar com o desconto de 50% para os passes das crianças, jovens e terceira idade. É uma medida de tal forma estúpida, que em termos práticos, acredito que o seu efeito deverá valer zero para as nossas finanças.

A única coisa que vão conseguir é limitar ainda mais as pessoas de idade, fazendo com que fiquem mais tempos sozinhas em casa, deixando de visitar amigos e familiares, porque para quem tem reformas baixas, uma coisa é pagar vinte cinco euros de passe, outra bem diferente é cinquenta.

É uma pena sermos governados por gente tão arrogante, burra e teimosa, por mais diplomas que tenham pendurados nas paredes.

A fotografia é de Robert Doisneau.

sexta-feira, novembro 11, 2011

São Martinho Histórico


Hoje temos um São Martinho histórico, não pelas castanhas assadas e a água pé, mas sim por esta trilogia dos onzes. Só daqui a um século é que voltaremos a ver o primeiro dos algarismos a ser repetido novamente seis vezes nos calendários.


E se estiverem no Rio, aproveitem para ver esta exposição, "Onze", com onze artistas como manda o figurino.

O Sol habitual deste dia alegre é que anda um pouco escondido (alías o tempo está mais as travessuras do S. Pedro que para os sorrisos do Sol), mas parece que não podemos ter tudo (nunca percebi porquê)...

quinta-feira, novembro 10, 2011

«Vou telefonar para a dona Júlia da SIC!»


Sei que a televisão pode ser quase tudo, por isso não devia estranhar o desabafo daquela senhora de idade na mercearia.


Raramente olho para os programas da manhã e da tarde, o que não me impede de saber que são um lugar onde se exploram cada vez mais as emoções humanas. Para terem matéria para os espectáculos que montam diariamente, os apresentadores lançam convites para quem tem histórias para contar, para aparecer por ali.

Talvez sejam estes convites que tenham a capacidade de transformar a televisão em algo mais importante que um objecto de divertimento, que parece querer funcionar como um "tribunal de justiça" ou uma agência de "cobradores de fraque".

A história da senhora acabou por se juntar à excitação vivida nos últimos dias na escola primária da minha filha, que tem como protagonista um miúdo, penso que autista (dos que foram integrados nas aulas normais para poupar uns euros ao Estado...), que usa a violência, como forma de comunicação. Segundo as histórias que correm nas redondezas é normal bater nos colegas (e até já bateu na professora). Só descobri esta história esta semana quando um grupo de pais ameaçou que ia fechar a escola a cadeado e que a SIC ia estar presente.

Percebi que devia encarar a afirmação da senhora na mercearia, que ia telefonar à dona Júlia da SIC, porque estava farta do deixa andar do senhorio, nada preocupado que lhe chovesse em casa, quase como na rua, com alguma normalidade.

Saí da loja a pensar que só num país estranho, que parece não ter ninguém interessado em resolver os problemas das pessoas, é que a televisão é encarada como uma alternativa mais válida que o recurso aos tribunais ou às forças de segurança...

O óleo é de Berbardien Sternhein.

terça-feira, novembro 08, 2011

Um Dia Para Esquecer


Hoje foi um dia para esquecer. Até a chuva apareceu, para ajudar a "festa".

Quem passou por engano nas estações ou rente ao cais, descobriu muito descontentamento, muitas palavras de ordem, sobretudo contra os funcionários das empresas de transportes fluviais e ferroviários.

As pessoas escolhem sempre os alvos mais fáceis, neste caso os operários, com as greves do costume, porque se sentem particularmente atingidas, pois pagam o passe social (que querem que deixe de ser para todos...) e sentem-se defraudadas. Esquecem por momentos os governantes que usam uma tesoura invisível para cortar "gorduras", que só é guardada quando chegam às suas mordomias e da família, com vários condutores privativos das viaturas que teoricamente são de todos nós. Teoricamente!

A única coisa que sei que ninguém têm dúvidas, é que vamo
s pagar mais e ficar pior servidos de transportes públicos.


Só não vamos descer de autocarro para burro, porque não há por aí "jericos" suficientes para tanta gente...

Mas talvez façamos o contrário da China, trocando o carro pela bicicleta...

O óleo é de Mao Yigang.

segunda-feira, novembro 07, 2011

Nascemos Velhos do Restelo


Olho para a nossa história e sinto que sempre foram mais os que ficaram no cais, que os que partiram nas caravelas. E não foi apenas uma questão de espaço...


Mesmo nos tempos salazarentos, eram mais os que ficavam, condenados à miséria, que aqueles que partiam à aventura para outros países, em busca do que não existia por cá: dinheiro para comprar pedaços de sonhos.

Nem mesmo durante a guerra colonial, se fugia do destino, que podia muito bem acabar além mar. Só uma minoria teve coragem para desertar.

Ainda hoje é assim. É por isso que digo que a maior parte de nós nasceu "velho do restelo".

Felizmente há sempre alguém que parte e tem sucesso, na senda de Vasco da Gama ou de José Mourinho.

Acho que nós, os que ficamos por cá, com o olhar preso ao cais, gostamos muito do chão que pisamos, mesmo quando o vento teima em soprar contra tudo aquilo que é razoável...

O óleo é de Anne Magil.

sábado, novembro 05, 2011

«Sou bom, tão bom, tão bom.»


Se há coisa que me irrita na televisão dos nossos dias, é a auto-promoção que se faz em todos os canais, que começou a ser explorada pela SIC (que ainda continua a ser a maior neste jogo de espelhos...), escandalosamente, desde que começou a entrar pelas nossas casas a dentro.


Não sei se há algum prémio extra para todos os jornalistas que alinham nestes jogos, que olham para a televisão como se estivessem ao espelho a convencerem-se que: «sou bom, tão bom, tão bom.»

Infelizmente esta mania foi passando para outros campos da nossa sociedade, onde é comum ouvirmos discursos ou entrevistas, que não passam de auto-elogios, quase sempre forçados e bacocos.

O nosso presidente da República também é bom nisso. Pelo menos que seja bom em alguma coisa, embora tenha muitas dúvidas de que consiga convencer algum espelho...

sexta-feira, novembro 04, 2011

O Quadro da Sala


O valor das obras de arte sempre foi, e continua a ser, relativo, porque há quadros que têm histórias demasiado fortes, para terem preço.


Era o que se passava com o quadro da sala da casa dos avós da Laura, que me deixava sempre por ali, preso, por alguns segundos, até ela me pegar no braço e dizer, «anda».

Ainda conheci a jovem que estava ali, sentada, no meio do campo, para todo o sempre, a matriarca da família, que nos preparava lanches deliciosos, no intervalo das brincadeiras.

Numa das últimas vezes que estive com a Laura, falei-lhe do quadro. Ela sorriu por eu ainda me lembrar do retrato da avó pintado por um jovem pintor, que nunca se tornou conhecido. Acabou por me dizer que agora estava pendurado na sua sala, depois de ter andado por várias paredes da casa dos pais. Convidou-me para uma visita, para me ver parado, a olhar para a avó, como fazia na infância. Prometeu que desta vez não me puxava o braço e dizia, »anda»...

O óleo é de Prudence Heward.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Podia Ser um Filme...


Podia ser uma cena de filme, realizada por um europeu daqueles que gostam de dar voltas ao amor, que o preferem contar de uma forma distorcida, de maneira a que nada pareça bater certo.

Coisas do século passado, em que ainda existia teatro de revista e umas moçoilas boas que eram apelidadas de coristas. Normalmente eram mulheres desinibidas, habituadas a mostrar as melhores partes do corpo nos palcos, cantando e rindo, mas quase sem falas.

Havia um pouco de tudo, mulheres que já tinham ultrapassado os trinta e que viam os sonhos a fugir para longe. Sim, os sonhos de um dia serem as protagonistas de qualquer peça teatral, ou até de um filme. Apenas as jovens que rondavam os vinte anos e que pensavam ter forças para provar que eram mais que um corpo curvilíneo, continuavam a correr atrás dos sonhos.

Tu pertencias a este último grupo, notava-se que tinhas o mundo todo à frente.

Não sei se gostei logo de ti, ou se simplesmente fomos empurrados um para o outro, como costuma acontecer quando se juntam grupos de homens e mulheres, uns conhecidos outros nem por isso.

Sei apenas que é impossível esquecer o que vi no fim da noite, no lado escuro do quarto.

Era tão novo... nunca tinha visto uma mulher a despir-se com tanta naturalidade, sentada na única cadeira do quarto. Cantavas e sorrias de uma forma tão suave, ora olhando para mim, ora para dentro de ti.

E claro, também foste a primeira que vi usar um cinto de ligas.

O óleo é de Paul Laurenzi.