segunda-feira, maio 30, 2011

O Homem de Quatro Vidas

A vida dele parece um mistério.

Na mercearia, no café ou no cais, todos são capazes de lhe oferecer uma "vida", quase sempre perigosa e com um futuro pintado de escuro.

Veste-se sempre de uma forma desarrumada, como se a roupa tivesse alergia ao ferro de engomar. O curioso é que não cheira nada mal, até usa perfumes caros. Um contra senso, igual a tantos outros, capazes de encher os bolsos e a boca da vizinhança.

Dizem que fala quase uma dúzia de línguas, o que lhe dá uma aura que tanto pode ser de espião como de um traficante de qualquer coisa, que escapa à lei. A coisa piorou quando o viram falar com um fulano de turbante, quase que foram obrigados a ofereceram-lhe outra actividade: terrorista a soldo dos mouros.

Mais desconcertante só mesmo o homem de idade que quando se cruza com ele, tira o chapéu e o trata por doutor. Responde-lhe com um sorriso, sem se esquecer de dizer que não dá consultas na rua.

Os homens olham-no de lado, desconfiados do seu jeito para lidar com as mulheres e pintam-no como alguém próximo da família dos "gigolos". As mulheres de todas as idades, que ainda são capazes de sonhar com um "amor bandido", sorriem-lhe com gulodice quando passa e lhes oferece um bom dia ou boa tarde feliz.

A vida dele parece um mistério, apenas porque ninguém imagina que um dentista se vista de uma forma tão desarrumada...

A fotografia é de Jean Dieuzaide.

domingo, maio 29, 2011

Não há Bela sem Senão


Embora continue a escrever à maneira antiga (mais por preguiça que por outra coisa...), nunca me manifestei contra o novo acordo ortográfico, porque sempre pensei que era uma boa ideia simplificar algumas palavras do nosso Português.


Como acontece em todos os acordos, não é perfeito. Há várias palavras que me parecem infelizes, provavelmente não se devia ter ido tão longe, mas não há bela sem senão.

Não fiquei parado no nosso cantinho europeu, lembrei-me dos milhões de pessoas que falam português no Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. Pensei que era bom continuarmos a ser uma língua universal.

E também me lembro que quando andava na escola primária fazia-me confusão dizer espetáculo e escrever espectáculo, tal como exatamente e exactamente. São muitos os exemplos. Claro que também há palavras que nos soam estranhas, fato é uma delas, e até o direto que aparece nas reportagens televisivas.

E se pensam de forma contrária, não tenham qualquer problema em deixar a vossa opinião.

O óleo é de Jurgen Geier.

sábado, maio 28, 2011

Virtudes Públicas, Vícios Privados

O poder, entre outras coisas, vai fazendo com que as pessoas percam a vergonha e pensem que tudo lhes é permitido.

É por isso que uma boa maior parte dos nossos autarcas, apegados ao poder (alguns desde 1976...), não passam de caciques, abertos a todo o tipo de negócios. Entre outras coisas fingem que é a coisa mais normal do mundo oferecerem empregos de chefia e gestão para os filhos, sobrinhos, ou até para as tias, mesmo que não possuam qualquer tipo de habilitações ou competência para os cargos, tal como fazer "negociatas" obscuras (quase sempre danosas para o erário público) com os mesmos. Com os ministros, secretários de estado e gestores públicos, as coisas não se passam de forma diferente.

Isto explica muito bem o estado a que o nosso país chegou, depois de se ter alimentado todo este "polvo" durante décadas.

E também faz com que se perceba que o administrador das Estradas de Portugal, dois meses depois de deixar a empresa, aceite ir trabalhar para uma empresa (Opway) accionista da Ascendi, que controla várias concessões de de auto-estradas e afins.

Claro que Almerindo Marques segue o exemplo de sumidades como Ferreira do Amaral ou Jorge Coelho.

Já que estes senhores não têm vergonha na cara, não é possível criar uma lei que os proíba de exercerem funções de gestão em empresas privadas, depois de exercerem cargos públicos de chefia nas mesmas áreas?

O Manuel António Pina explica muito bem a situação no "JN", transcrita na "Vida Breve", e agora por mim, com a devida vénia.

Como muito bem desenhou o Rui (em 1995, para a "Visão"), o "Sol" continua a brilhar para a gente do costume, pouco preocupada se as "nuvens estão cada vez mais negras" para a maior parte dos portugueses ...

sexta-feira, maio 27, 2011

«Posso entrar na vossa Revolução?»


Quando ouviram o velho, de boina basca na cabeça, camisa branca, calças de ganga e ténis, que se aproximara, perguntar: «posso entrar na vossa revolução?», pensaram que se tratava de uma brincadeira, de alguém já sem o tino todo.


Foi por isso que o olharam de alto a baixo, antes de lhe oferecerem um sim, mesmo sabendo que a vida estava bera para todos, especialmente para os jovens e para os idosos, uns desempregados e outros com reformas miseráveis.

O velho distribuiu-lhes um sorriso aberto e sem pedir licença sentou-se ao lado deles. E por ali ficou a assistir às conversas e a entrar na "revolução".

Cinco minutos foi tempo mais que suficiente para oferecer os melhores fascículos da sua vida, que já ultrapassara as oitenta primaveras, aos jovens ávidos de histórias libertárias.

Até pediu um cigarro emprestado, ele que deixara de fumar há mais de trinta anos. Olhou o céu azul e sorriu de felicidade. Há muito tempo que não se sentia assim, vivo e respeitado.

Percebeu que os jovens que cheiravam a operários, baptizados de mal educados e desordeiros por muito boa gente, escutavam-no e respeitavam-no mais que os seus filhos. Tratavam-no não como um velho mas como um companheiro com mais anos de vida.

Foi por isso que decidiu passar a noite por ali, com participação mais que garantida nas assembleias populares.

Pegou no telemóvel e ligou à filha. Disse que não ia dormir a casa, ficava em casa de amigos...

O óleo é de Francis Picabia.

quinta-feira, maio 26, 2011

Uma Tartaruga em Cima do Poste


Recebi um e-mail, daqueles que apetece partilhar por aqui. Pela graça, pela pertinência e pela actualidade. Ai vai:


«Enquanto suturava um ferimento na mão de um velho “almeida”, cortada por um caco de vidro indevidamente colocado no lixo, o médico e o paciente começaram a conversar sobre o país, o governo e, fatalmente, sobre o Sócrates.
O velhinho disse:
- Bom, o senhor sabe... o Sócrates é como uma tartaruga em cima do poste...
Sem saber o que o paciente quis dizer, o médico perguntou qual o significado da expressão "uma tartaruga em cima do poste". E o "almeida" respondeu:
- É quando o senhor vai indo por uma estradinha, vê um poste e tem lá em cima uma tartaruga a tentar se equilibrar, isso é uma tartaruga num poste.
Perante a cara de interrogação do médico, o velhinho acrescentou:
- Você não entende como ela chegou lá; você não acredita que ela esteja lá; você sabe que ela não subiu lá sozinha; você sabe que ela não deveria nem poderia lá estar; Você sabe que ela não vai fazer absolutamente nada enquanto estiver lá; Você não entende porque a colocaram lá.
O médico sorriu antes do "almeida" concluir:
- Então tudo o que temos de fazer é ajudá-la a descer de lá, e providenciar para que nunca mais suba, pois lá em cima não é o lugar dela, definitivamente.»

quarta-feira, maio 25, 2011

A Madrugada Também Chorou Naquele Dia Triste

Há muitos dias que não conseguia dormir mais que duas três horas por noite. Quem se cruzava com ela sentia que também estava a desaparecer, a deixar-se levar pela doença incurável do homem que amava.

Apesar da dor e mágoa, a vida obrigava-a a fingir que o mundo do outro lado da janela, continuava a sorrir todos os dias. Era por isso que todas as manhãs se colocava ao espelho, cobria as olheiras e dava alguma cor à sua palidez.

Antes de entrar no quarto ensaiava o seu melhor sorriso, tentando distribuir esperança onde já quase só voavam corvos.

Assim que os primeiros raios de luz apareceram naquela manhã, cresceu a vontade de partir daquele corpo e alma em sofrimento. Começou a ter dificuldade em respirar e tossiu várias vezes, ela levantou-se e quando entrou no quarto apenas teve tempo de receber o último sorriso do seu homem. Abraçou-o, levantou-o, abanou-o, mas não havia nada a fazer, chegara a sua hora...

Chorou copiosamente e quando se chegou à janela, reparou que também caíam fios de água lá fora, no romper da aurora.

Num abrir e fechar de olhos, passaram dez anos. Sobreviveu mas não esqueceu. Ainda chora, tal como a madrugada, em alguns começos de dia.

Não vai, nem quer, esquecer o único homem que amou e continua a amar. Sorri quando sente a sua presença de uma forma mais forte, em gestos simples, como um virar da cama, o colocar os talheres na mesa ou o escolher um livro para ler...

O óleo é de Pier Toffletti.

segunda-feira, maio 23, 2011

«Tu gostas mesmo de mulheres?»


Ainda hoje sorri quando se recorda da pergunta que lhe fizeram, por se escusar a ser ordinário para as mulheres que passavam na rua.


Sabia que gostar de mulheres não era sinónimo de dizer «comia-te toda» ou «dava-te três sem tirar fora», entre muitas outras palavras impublicáveis.

Não percebia aquele prazer (que felizmente só se deve manter em algumas obras de construção civil...), muito menos o do Alberto, que era capaz de dizer as coisas mais asquerosas aos ouvidos das mulheres, que se cruzavam com eles nos passeios das ruas lisboetas.

Era o tempo das mulheres sérias que fingiam não ter ouvidos. Se este "prazer" se mantivesse nos nossos dias, de certeza que haveria muita lambada distribuída, pois a mulher de hoje, séria ou não, tem o ouvido bem apurado.

Nunca foi capaz de ser ordinário para uma mulher. Quando gostava de uma mulher olhava-a com gulodice, mas sem palavras. Ninguém é perfeito.

O óleo é de Sally Storche.

sábado, maio 21, 2011

A Juventude Espanhola está na Rua


As praças espanholas estão cheias de jovens, que protestam contra o desemprego, a desigualdade social e um futuro sem perspectivas.


Foi por isso que deixei este comentário à Momo:

«Muitas vezes, mesmo sem se pegarem em armas, apenas com a solidariedade e companheirismo, fazem-se verdadeiras revoluções.
É preciso derrotar este capitalismo, cada vez mais selvagem, que está a dar cabo da vida de todos nós.»

Mas não creio que os protestos que se avizinham sejam todos pacíficos. Sei que a violência vai aumentar na nossa sociedade. Só não consigo entender que os "ladrões" continuem a preferir assaltar "velhinhos", em vez de assaltar banqueiros ou empresários milionários...

Escolhi esta escultura de Elise Seigel, porque o pior que podemos fazer é ficar sentados a aplaudir o que vem ai.

sexta-feira, maio 20, 2011

A Exposição nas Esplanadas


Normalmente não vou para a esplanada do meu café habitual, por duas razões, por não existirem mesas vagas e por os meus amigos de tertúlia preferirem quase sempre o interior do café, especialmente agora que está mais calmo e silencioso.


Uma das virtudes das esplanadas é estarmos mais perto do "mundo". É também por isso que que algumas se prestam mais à "exposição" e à "vida mundana", até por estarem localizadas em lugares demasiado centrais.

O curioso é verificar que se algumas pessoas fogem delas a sete pés, outras quase que se atropelam para ficarem nas suas mesas mais vistosas.

É quase como gostar do palco ou preferir um lugar nos bastidores...

O óleo é de Francisco Motto Portillo.

quarta-feira, maio 18, 2011

Não Querem Visitar o Museu do Chiado?


Claro que sabem que hoje é o Dia Internacional dos Museus.


É uma boa oportunidade para revisitarmos o nosso (ou os nossos...) museu preferido.

Se estivesse nas Caldas, de certeza que passava pelo Museu José Malhoa. Como estou em Almada, garanto-vos que vou passar pela Casa da Cerca.

A sugestão que vos dou - se por acaso estiverem por Lisboa -, é visitarem o Museu do Chiado, que tem duas belas exposições patentes ao público (visitei-as no domingo), uma de pintura e outra de fotografia.

Falo-vos de, "Arte Portuguesa do Século XIX", com alguns dos quadros mais belos da história da pintura portuguesa, da autoria de: Columbano Bordalo Pinheiro, José Malhoa, João Vaz, Cristino da Silva, Tomás da Anunciação, Silva Porto, Marques de Oliveira, Francisco Metrass, Alfredo Keil, Carlos Reis, Aurélia de Sousa, Henrique Pousão, etc.

A outra exposição também tem muita qualidade e é da autoria de Adelino Lyon de Castro, "O Fardo das Imagens (1945 - 1953)". Quem gosta da beleza do preto e branco não a deve perder.

E depois têm a esplanada do pequeno jardim, calma e agradável, onde contamos com a companhia de gente bonita, imortalizada pelo bronze...

terça-feira, maio 17, 2011

Conversa Sobre Cinema nos Fados


A noite era de fados, talvez por isso fosse mais agradável falar de cinema, para fugir daquele clima carregado de melancolia.


Ela conhecia tantos filmes como eu, mas tinha uma vantagem, memorizara frases de dezenas de fitas que misturava com as ideias e as imagens que saltavam para a mesa. Talvez fosse do exercício de decorar canções...

Tinha outra característica especial, era a única mulher que eu conhecia que cantava fado com um sorriso nos lábios. Cantava mais por prazer que por sentimento, era por isso que nunca seria uma fadista a sério, segundo os críticos.

E eu só queria que ela não mudasse, que continuasse a cantar com alegria e a discutir cinema como se falasse sobre futebol...

O óleo é de Ron Hickes.

segunda-feira, maio 16, 2011

Os Sonhos


Os sonhos são um dos maiores mistérios da nossa vida.


Raramente sabemos o que fazer com eles. Provavelmente é por isso que somos tentados a empurrá-los para a rua do esquecimento, tantas vezes. É nesse jogo do "empurra" que percebemos que os sonhos quase que têm vida própria, mostrando que se quiserem são mais teimosos e chatos que nós.

Mas estão longe de ser constantes.

Deve ser por isso que há quem decida viver dos sonhos, tal como há quem fuja deles a sete pés.

O pior de tudo é que uma boa parte dos sonhos são escorregadios, não se deixam agarrar com facilidade.

Mas o que seria de nós sem os sonhos?


O óleo é de Dária Palotti.

sábado, maio 14, 2011

«O Senhor é mesmo detective?»


«O senhor é mesmo detective?» A pergunta não o iludia nem desiludia, mas sabia que vinda de uma criança tinha de ter resposta. E uma criança muito curiosa, por isso é que andava por ali a espreitar, até que um dia conseguiu mesmo meter conversa com o "homem misterioso".


Respondeu-lhe que era várias coisas, detective também, mas clandestino, como todos os que trabalhavam no país.

Nada que interessasse ao rapaz, que queria saber outra coisa, graças aos filmes e livros que devorava: «Também tem um arma?» Disse que sim para não estragar o "filme" que já rodava na cabeça do miúdo que não devia ter mais de doze anos, apenas escondeu que raramente a usava. A mãe chamou-o do corredor e ele foi-se embora, despedindo-se com uma piscadela de olho e um tiro certeiro com os dedos da mão direita.

Sorriu e quando ficou sozinho, pensou como apareceu por ali.

Precisava de ganhar dinheiro e o que recebia nos jornais não chegava. Os biscates que fazia para um investigador foram apenas a ponte que o levou a trabalhar por conta própria, algum tempo depois.

Todos os libertários sonham um dia serem os próprios donos do seu destino, não terem um "amo" de quem recebem ordens. Ele para variar não fugia ao ideal.

Se pudesse escolher aceitava menos casos sobre "infidelidades", mas a lei do mercado não se compadecia com gostos ou vontades...

Uma das coisas que lhe dava algum gozo era ser olhado como um "inimigo" pelos polícias, especialmente os incompetentes.

Nunca esperou nem espera compreensão, muito menos agora que dobrou os cinquenta e vai para velho.


O óleo é de Miquel Bosh.

sexta-feira, maio 13, 2011

Uma Sexta-Feira Estranha, com 13


O bloguer tem andado desde ontem às "cambalhotas" e nem me deixou homenagear Manuel António Pina, que foi anunciado como vencedor do Prémio Camões 2011.


Ele disse numa entrevista ao "Público", entre outras coisas:

«A poesia é uma busca de identidade, ou seja da coincidência. Na busca dessa coincidência é natural que cada um de nós construa uma narrativa, construa um passado. Os poemas sobre a infância são uma tentativa desesperada de construir um passado para regressar, onde possa encostar a cabeça.»

É um grande poeta e um grande cronista (um critico sempre atento...) do quotidiano.

quarta-feira, maio 11, 2011

Ver o Tempo e a Mulher a Passar


Mesmo estando em divida com a beleza, a mulher passeava-se para lá e para cá, na paragem da estação, com desenvoltura, olhando de soslaio para os homens parados, provavelmente à descoberta dos olhos que a seguiam.


Incapaz de desmontar aquele seu "encantamento", lembrei-me de duas pessoas, do meu pai e de um professor de português, patético e mentiroso.

O professor, quase disfarçado de poeta, espalhava aos oito ventos (a sala de aula era um antigo pavilhão, daqueles bastante arejados, onde nem faltavam às aulas alguns animais rastejantes...), que as mulheres eram todas bonitas. Embora fossemos adolescentes, estávamos fartos de saber que as moedas tinhas duas faces, tal como as mulheres ou os homens...

O meu pai pelo contrário, foi bastante mais educativo, quando me ouviu dizer que a tia estava feia (nem sempre as roupas e a "tinta" tornam as mulheres deslumbrantes...). Disse-me que quando uma mulher está ou é bonita, devemos dizê-lo, até mesmo ao ouvido, quando está ou é feia, nunca se diz nada.

Aprendi a lição, nunca disse a nenhuma mulher que era feia...

O óleo é de Will Barnet.

terça-feira, maio 10, 2011

Ficar a Olhar o Mar


Quando olhei este quadro de Will Barnet recuei no tempo e lembrei-me do que acontecera, há uns vinte anos atrás, quando fui entrevistar o treinador da equipa de futebol da Vila, uma velha glória do Benfica.


A conversa ficara marcada para depois do jantar, no bar do hotel onde estava hospedado. E que conversa, foi de tal forma aberta e franca, que este ídolo sem pés de barro até me falou das vezes que jogou dopado...

Mas o que eu queria dizer, é que antes de jantar, passei rente à praia e vi várias mulheres de negro, em silêncio, com o olhar preso ao mar.

Passei sem que dessem por mim. Eram mulheres de várias idades; mães, esposas, filhas, irmãs, tudo gente presa aquele mar, que lhes furtara os homens que amavam...

segunda-feira, maio 09, 2011

Vendedores, Políticos, Jornalistas, Pescadores e Caçadores


Mentia diariamente porque achava que essa era uma das principais regras do seu ofício de vendedor. Como tantos, foi educado a vender "gato por lebre", e nunca conseguiu sair deste registo. O mais curioso era nunca ninguém estar à espera que dissesse a verdade, nem mesmo na mesa de café, no intervalo das "vendas".


Gabava-se que o único homem que conhecia capaz de lhe fazer sombra era o primeiro-ministro, que ainda por cima tinha a vantagem de ter nome de filósofo grego.

Adorava misturar gente à sua volta, sempre pronto para fazer números de circo, inclusive de contorcionismo.

Salientava sempre que os vendedores eram uns anjinhos à beira de políticos, jornalistas, pescadores e caçadores...

O óleo é de Pike Koch.

domingo, maio 08, 2011

"Coca" da Boa


Ontem ao fim da tarde fomos todos à Feira do Livro, e claro, fingimos que não estamos em crise e viemos carregados de livros.


Houve três livros que trouxe por situações imprevistas. O primeiro por ser de um amigo, estar como livro de dia e ser também a primeira vez que o vi à venda (trata-se de uma pequena editora...), o segundo por ser de um familiar e um livro que ainda não tinha...

E por último, o mais curioso e até engraçado. Junto à "Quetzal" havia uma fila enorme, de gente que queria um autógrafo com algumas palavras do Peixoto, mais preocupado a olhar para os livros, descobri a assistir aquele espectáculo, encostado ao "stand", o escritor J. Rentes de Carvalho. Reconheci-o mas não me lembrei do seu nome, naquele momento, perguntei onde estava "La Coca", trouxeram-me o livro e depois pedi-lhe um autógrafo e trocámos algumas palavras sobre a sua obra e até sobre o seu blogue. Até me perguntou se era transmontano, por demonstrar algum conhecimento sobre os seus livros. Disse que não, era um produto da Estremadura.

Extremamente simpático, disse que por ser um dia especial, ia dar-me um presente especial. Tirou o seu "sinete" redondo do bolso (uma espécie de selo branco) e carimbou o meu livro com "Romeiro sem Romaria, JRC (no centro)".

sábado, maio 07, 2011

Amesterdão, Cidade de Esperança


O aeroporto é sobretudo um espaço de passagem, de encontros e desencontros, e claro, muita paciência, porque os atrasos fazem parte do seu quotidiano.


Podemos ir para continentes diferentes e encontramos-nos por ali, à espera, quase prisioneiros de um destino. Por vezes uma atenção e um gesto simpático podem ser o mote para uma conversa, ou até mesmo o livro que temos na mão, companheiro fiel e silencioso para quase todas as horas.

Holanda era o destino daquela mulher jovem, ou seja a sua cidade maior, Amesterdão, lugar de tantas canções, filmes e romances...

Estranhei ela começar a tratar-me por tu. Raramente uso esse tratamento com pessoas desconhecidas, a não ser que se trate de alguém jovem, com idade para ser meu filho. E ela por acaso até podia ser minha filha. Provavelmente foi por isso entrei naquele tu cá tu lá, circunstancial.

Sem lhe perguntar quase nada, explicou-me que ia viver com uma irmã e tentar ficar no país das tulipas, depois do pai ter sido despedido e as coisas terem ficado péssimas em casa.

«Fingimos que está tudo bem, anos a fio. Sentimos-nos incapazes por nós próprios de acabar com uma relação ou simplesmente abandonar o conforto da casa dos nossos pais.

É sempre mais fácil partir quando nada te segura ou quando és empurrado para a rua.»

Ela tinha razão. As dificuldades ajudam-nos quase sempre a despertar para a vida, a dar um grito, arregaçar as mangas e partir para a luta.

Estou convencido que a entrada do FMI no nosso país vai fazer com isto suceda em muitos casos...

O óleo é de Luís Soler.

quinta-feira, maio 05, 2011

Reviver o Neo-Realismo e Alves Redol em Almada


No ano em que se comemora o centenário do nascimento de Alves Redol, a SCALA recebeu na "Tertúlia do Dragão" o seu filho, António Mota Redol, que além de nos trazer um filme biográfico de cinquenta minutos, onde é feito um excelente retrato do escritor ribatejano (o primeiro autor português a escrever uma obra literária da corrente neo-realista, "Gaibéus", em 1939), trouxe-nos a emoção e o orgulho de ser filho de um grande homem e de um grande escritor, muito mais multifacetado do que imaginava.
Além da sua acção politico-cultural (esteve preso em Caxias e viu algumas obras apreendidas pela PIDE), com uma grande ligação ao movimento associativo, fez teatro (no filme fala sobre esta paixão e sobre a escrita teatral) e escreveu argumentos para filmes ("Nazaré" e "Avieiros").

Quando soube que o Benfica perdeu em Braga e foi eliminado da Liga Europa, ainda fiquei mais satisfeito por passar o começo da noite no café "Dragão Vermelho", em Almada...

O óleo "As Abandonadas" é de Constantino Fernandes.

quarta-feira, maio 04, 2011

As Feiras do Livro em Lisboa


No domingo passei pelo Parque Eduardo VII e lá dei um giro pela Feira do Livro.


Ia comprar apenas uma revista, mas como costuma acontecer, vieram mais uns quantos livros colados, inclusive mais um "repetido".

Há de facto duas feiras, a da Leya e a dos outros. Embora a Babel (um túnel para friorentos...) e a Porto Editora (uma praça de livros, a que gostei mais...) também tenham criado espaços próprios, não me incomodam tanto como o hipermercado ambulante do maior grupo português. Talvez aquilo resulte em mais vendas, mas eu sempre que passo por aquela confusão acelero e passo e só volto ao ritmo de passeio depois de me sentir novamente na "Feira".

Não sei onde isto irá parar, mas caminha-se mesmo para duas feiras, a dos ricos e a dos remediados e pobres, aliás, bem à imagem do país, cada vez mais desigual...

Escolhi o óleo de William S. Hung, porque o livro consegue ser mais importante que o espaço onde se compra ou até onde se lê. E roupa nem sequer é preciso, se o tempo estiver agradável...

segunda-feira, maio 02, 2011

Bonecos de Luz


Por um motivo imprevisto li mais uma vez os "Bonecos de Luz" de Romeu Correia.


Foi bom voltar a sentir a magia das palavras deste amigo e escritor de Almada, que já nos deixou há quase quinze anos.

Lembro-me que este foi o livro que mais gostei do Romeu, quando comecei a ler uma boa parte da sua obra literária, no começo da década de noventa. Adorei a sua história (a chegada do cinema pela primeira vez a uma pequena aldeia, com todas as peripécias transportadas pela novidade) e a construção das personagens, especialmente o Zé Pardal, o pequeno órfão e vagabundo, que à medida que vai crescendo e sonhando, sente-se cada vez mais parecido com a grande estrela dos primórdios do cinema, o Charlot, a quem não faltava o bigode, a bengala, as botas viradas para a sarjeta e aquele seu andar único.

"Bonecos de Luz" é um excelente livro, em qualquer parte do mundo, pelos dramas que mistura e embrulha no lençol branco, onde ainda hoje se projectam uma boa parte dos nossos sonhos...

domingo, maio 01, 2011

Primeiro de Maio, Dia de Todas as Mães


Depois do Dia Internacional da Mulher ter coincidido com o Carnaval, agora foi a vez do Dia da Mãe coincidir com o Dia do Trabalhador.


Neste tempo em que o trabalho é um bem demasiado estimável (mesmo o precário...) e os empresários aproveitam todas as oportunidades para diminuírem os direitos e aumentarem os deveres dos trabalhadores, as mulheres são sempre mais descartáveis que os homens, graças à maternidade, que hoje se festeja.

É por isso importante aproveitar esta "coincidência" para dar um grande viva a todas as Mães que não desistem do seu papel, mesmo quando a ameaça do desemprego começa a pairar em cima das suas cabeças.


O óleo é de Catherine Long.