sábado, março 30, 2024

Duas boas notícias dentro de uma (se as coisas correrem bem...)


Ainda a pensar nos Museus, a primeira boa notícia na constituição do novo Governo é a manutenção do Ministério da Cultura, algo a que o PSD costumava torcer o nariz (nunca percebi porquê).

A outra boa notícia, que acaba por estar dentro da primeira, é a escolha do ministro, aliás ministra, Dalila Rodrigues, que por onde passou deixou um rasto de competência e de vontade de mudar as coisas para melhor (foi ela que "revolucionou" e deu a importância que o Museu de Arte Antiga sempre teve, mas que se fingia não perceber...). Acabou por sair, aparentemente em conflito com os responsáveis políticos pela Cultura, por defender algo que deveria ser normal em todas as instituições, haver uma gestão própria, inclusive do orçamento.

Nos últimos anos foi a responsável pelo Mosteiro dos Jerónimos e pela Torre de Belém, onde também se verificaram algumas mudanças positivas (até por serem dos espaços culturais mais visitados de Lisboa...).

Provavelmente, não é uma pessoa fácil e maleável, para lidar com o mundo da política, onde existem sempre demasiados jogos de bastidores e hipocrisias. Mas a sua experiência (já deve ter engolido um número considerável de "sapos"...), competência e saber, são um sinal de esperança, para todas as pessoas que, de alguma forma, estão ligadas à Cultura no nosso País.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, março 29, 2024

Pois é, as "mordomias" do funcionalismo público continuam a fechar museus...


Ontem não fui apanhado pelo "dilúvio", embora tenha andado pelas ruas de Vila Franca de Xira, que ameaçavam transformar-se em pequenos rios.

Tudo isto porque, "à última hora", apeteceu-me ir ao Museu do Neo-Realismo ver a exposição de fotografia de Alfredo Cunha.

Esqueci-me foi que estávamos em véspera de feriado e que a função pública tem particularidades muito próprias, como fazer "tolerância de ponto" (sempre que podem), fechando as suas instalações ao público.

Por poucos minutos (cinco), ou talvez não, é provável que fechassem as portas antes... embora o papel afixado na entrada do museu dissesse que a partir das 13 horas as instalações estavam fechadas e só voltariam a abrir depois da Páscoa.

Embora o tempo continue apenas bom para a agricultura durante esta quadra religiosa, não consigo perceber que instituições como o Museu do Neo-Realismo, não sejam mais importantes que o "funcionalismo público", que não pensem nos turistas que costumam aproveitar os feriados para passear  e podiam querer  conhecer esta "casa de história e de histórias", que venha a Vila Franca de Xira e descubra que "está de férias"...

Vou mais longe, não percebo (nem acho que faça muito sentido...) que um Museu que queira ser visitado por pessoas, funcione no modelo "das nove às cinco" e esteja fechado aos sábados, domingos e feriados (acontece em muitos museus municipais de Norte a Sul...), que é quando as pessoas que trabalham, têm mais disponibilidade para os visitar...

(Fotografia de Luís Eme - Vila Franca de Xira)


quinta-feira, março 28, 2024

«Desconfia sempre dos homens que se preocupam demasiado com o teu aspecto físico.»


«Desconfia sempre dos homens que se preocupam demasiado com o teu aspecto físico.» A frase vinha acompanhada de uma piscadela de olho. 

A conversa não era comigo, mas fiquei a sorrir por dentro. Mesmo sabendo que aquelas palavras se referiam a qualquer jogo de sedução sexual - aliás homo -, e não a uma simples singularidade corporal.

Completamente fora do contexto, pensei em dois jeitosos. Cruzara-me com um deles há meia-dúzia de dias, sem conseguir escapar de um cumprimento breve. Não nos encontrávamos há mais de quinze anos. E para mim até podiam ser cinquenta, pois passava bem sem aquele reencontro. Foi um dos tipos mais "ranhosos" que conheci nas culturas em Almada. A única coisa que ele disse, assim que me viu, foi: «Estás velho! Estás cheio de cabelos brancos.» limitei-me a responder ao cumprimento, sem dizer qualquer palavra, mas com vontade de sorrir.

Era verdade. Estava mais velho. O meu cabelo agora era cinzento (não estava nos meus planos pintar o cabelo), mas continuava a olhar para o mundo de frente.

O mais curioso do episódio era o aspecto do fulano. Embora pintasse a meia-dúzia de pelos que tinha na cabeça, estava quase marreco e usava óculos com lentes de copo de três. Para piorar o cenário, tudo isto vinha embrulhado em apenas metro e meio de gente.

Muitos anos antes, um outro jeitoso (também das culturas...), sempre que me via, tentava insultar a minha inteligência usando o meu corpo, mais concretamente a minha barriga (quase inexistente na época...). Dizia sempre a mesma coisa. «Estas mais gordo.» Depois de ele repetir a graçola umas dez vezes, perguntei-lhe se a minha barriga o excitava muito, olhando-o nos olhos. Desviou o olhar e respondeu-me apenas com um sorriso amarelo. Foi remédio santo, nunca mais se preocupou com os meus "tecidos adiposos", na barriga ou em qualquer outro lugar.

Nunca tinha pensado a sério nisso. Mas olhando para estes dois exemplos pessoais, é verdade. É mesmo de desconfiar...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quarta-feira, março 27, 2024

João Lagarto, ou a importância de um actor ( e da música, claro) dentro de "Tudo Isto é Jazz!"


Hoje festeja-se o teatro, por esse mundo fora. 

Lembrei-me do poema da AnyAna, das peças que escrevo directamente para a gaveta - sem lhes arranjar um final -, e sobretudo das salas que não visito e das peças que não vejo.

É por isso que vou falar de um acaso feliz, desta manhã. Enquanto trabalho, tenho muitas vezes a televisão ligada. Normalmente vejo coisas "atrasadas", que me passaram ao lado ou que não tive tempo de ver. Foi desta forma que "descobri" que na noite de domingo para segunda a RTP2 transmitiu o espectáculo, "Tudo Isto é Jazz!", de homenagem a Luís Villas-Boas, que fez cem anos este mês.

Comecei a ver o espectáculo que misturava jazz com teatro e a ficar deliciado com João Lagarto, que fazia (muito bem) o papel do "pai do jazz" no nosso País, e claro, com a música.

Não conheci muito bem Luís Villas-Boas (acho que o cheguei a entrevistar...), devo ter falado com ele duas ou três vezes. Mas mesmo assim penso que a personagem está muito bem caracterizada, até fisicamente (os óculos, o bigode, o penteado e os trejeitos pareceram-me excelentes...).

Felizmente houve pessoas como o Luís, irreverente, teimoso e desalinhado. Só desta forma é que é possível contrariar a "mediocridade" que se arma em sentinela nas ruas das artes e letras do nosso país (e se pensarmos nas coisas que fez durante as ditaduras salazaristas e marcelistas...) e virar algumas coisas, quase de pernas para o ar.

Felizmente escolheram o João Lagarto, para ser um Villas-Boas, quase autêntico, a falar com a normalidade possível, sem usar dotes declamatórios, passando em quase duas horas pela vida de um grande amante dessa música que hoje é de todo o mundo e de todas as cores (foi muito bem metida a frase, de que o jazz se dá muito bem com os climas frios, por ser também bastante amada e tocada no Norte da Europa...).

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


terça-feira, março 26, 2024

O bem e o mal (dentro e fora dos filmes), com e sem triunfos...


Se a vida cada vez é mais estranha, não se deve esperar que os filmes ou as peças de teatro, sejam muito diferentes. Mas nem é sobre isso que vou escrever.

Estou a deitar jornais fora e fixo a frase do realizador Victor Erice: «Reivindico o cinema da minha infância, que acabava com o triunfo do bem e do castigo do mal.» 

Fico a pensar na realidade e sinto que nunca foi bem assim. O mundo foi quase sempre dominado pelo "mal", mesmo que este se gostasse de disfarçar de "bom rapaz", durante séculos.

Quando leio a separação das coisas, entre o bem e o mal, a primeira coisa em que penso é nas religiões. Não consigo fugir dos homens das "igrejas", que faziam exactamente o contrário do que pregavam, sem se darem ao trabalho de dizerem para "olharmos" para o que eles diziam e não para o que faziam... 

Mesmo sem entrar nas suas práticas mais pecaminosas e reprováveis, ficando-me apenas pela sua postura em relação aos poderes (especialmente o político), que abraçavam com deleite, por defenderem ambos a sua opulência, a ignorância do povo e a existência de um "mundo com milagres", fico sempre de "pé atrás". 

Desconfio sempre de coisas que falam do triunfo do bem e do castigo do mal, especialmente das da minha infância...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


segunda-feira, março 25, 2024

Ontem falei de títulos, hoje falo dos nomes das personagens dos livros...


Não conheci António Tabucchi. Mas li dois ou três livros da sua autoria. Entre os quais "Afirma Pereira", que despertou alguma confusão com o nome de personagens, à hora do café. O Jorge falou da existência de um senhor Ventura nesta sua história sobre Lisboa e sobre Pessoa. Quem lera o livro não se lembrava da existência da dita personagem (eu por ser péssimo em nomes, não entrei na discussão). Foi quando o Mário trouxe outro livro para a mesa, "O Senhor Ventura" de Miguel Torga, que tinha mesmo esta personagem. 

Se li o livro, não me lembro dele nem do senhor Ventura. O Mário disse que se tratava da história de um emigrante, um português mais perto do nosso Fernão Mendes Pinto que do comum emigrante dos arrabaldes de Paris, pois era bastante curioso e não tinha medo do mundo.

A existência deste livro fez com que o Jorge mantivesse a sua vontade de nos provocar, por causa desse grande mentiroso, que lidera a extrema-direita, que até foi capaz de inventar uma história de resistência e de fuga à guerra colonial de um nosso emigrante que partiu a salto para França, em 1976, eleito agora deputado pelo círculo da Europa.

E lá cometemos o erro mais comum dos jornalistas e comentadores: começámos a falar deste pequeno caso, de mais uma mentirinha do outro senhor Ventura. O Jorge queria saber se as pessoas tinham noção de que aquele sujeito tinha dificuldade em dizer uma frase sem mentir. A maior parte de nós, achámos que essa característica era secundária na vida política, só passaria a importante se ele alguma vez fosse primeiro-ministro, defraudando as espectativas dos seus seguidores como está a acontecer na Argentina, por exemplo.

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


domingo, março 24, 2024

A importância (ou não) dos títulos


Nem sempre percebemos o porquê dos títulos dos livros e dos filmes, porque nem toda a gente tem jeito para essas coisas, nem escreve primeiro o nome e depois a obra, como fazia o nosso José Saramago.

A prosa é quase sempre mais simples de apelidar, porque normalmente não se mete em bicos de pés a ver se toca na lua. Também não costumamos questioná-los, mesmo que nos pareçam estranhos.

Nem nos nos lembramos que há pessoas capazes de escolher títulos esquisitos, só para nos verem a torcer o pescoço ou a pegar no livro de várias formas, para ver se sim, faz sentido. Sim, o mundo das artes e letras está infestado de provocadores, gente que ama a diferença, mesmo que ela seja a negação de tudo o que faz sentido.

Pensei nisto ao ler um conto, "A Galinha que não dava ovos", que não tinha lá dentro nenhuma galinha, nem sequer falava dos campos ou de aviários. Havia ali muito surrealismo. Embora não tenha encontrado a "galinha", sei que ela podia ser tantas coisas, até a televisão avariada, que continuava no mesmo lugar, onde antes falava e fazia companhia à avó.

Claro que quando estiver com a Carolina, vou perguntar-lhe duas ou três coisas, sem falar logo da galinha, que pode estar ali apenas para nos baralhar as ideias...

(Fotografia de Luís Eme - Beira Baixa)


sábado, março 23, 2024

"Um Amor Fora de Tempo", entre outras coisas, como o café...


Levanto-me da cama, faço a higiene pessoal minimalista, bebo um copo de água. Depois aqueço água para fazer café. 

A minha companheira passa pela cozinha e faz um "humm", de agrado, pelo cheiro desta bebida que me acompanha desde a infância, desde a casa da avó que tenho a sensação de que tinha uma cafeteira permanente ao lume (ou próximo...). Sim havia muito espaço em volta da lenha que ia queimando e aquecia a casa na metade do ano, que era mais fresca.

A minha mãe, provavelmente, também refém deste cheiro de infância, também fazia muito café, a nossa casa também abraçava este perfume tão especial.

Ligo a televisão e escolho a RTP3 e fico por aí. Falam de livros. Primeiro sobre livros com fotografias e com Abril, organizado pela Emília Tavares (vi que era um "calhamaço" mas não consegui saber o título), uma almadense que tenho o grato prazer de conhecer e é uma das pessoas que mais sabe de fotografia no nosso país.

Logo de seguida surgiu-me no ecrã, Carmen Yanez, poetisa e viúva de Luís Sepúlveda, um dos meus autores de culto, que nos fez uma síntese da sua história de vida e de amor, no Chile e no Mundo (reencontrara-se na Suécia, casados com pessoas diferentes...). Estava ali para falar do livro que escreveu sobre a sua história com Lucho, que tem como título, "Um Amor Fora de Tempo".

Fiquei logo com a sensação de que ganhara a manhã, com estes minutos de cultura televisiva (também existe, em dois ou três canais...).

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


sexta-feira, março 22, 2024

Confusões (cada vez mais evidentes) sobre que é da esfera privada e da esfera pública...


Reparo que temos cada vez menos pudor a falar de alguns actos, que até aqui eram pessoais (e até privados), ao mesmo tempo que apontamos o dedo aos outros com mais facilidade, por coisas que ninguém tem nada com isso, por fazerem parte da nossa liberdade individual.

É desta forma que entendo o que o meu vizinho do rés de chão me disse (sem que eu lhe perguntasse...) que tinha votado no Chega. Disse-o com um sorriso provocatório. Apenas exclamei quase em jeito de interrogação: "Sério?!"

Continuou a sorrir. Percebi que sim. Dissemos mais duas ou três palavras de circunstância e depois cada um de nós foi à sua vidinha.

Fiquei a pensar no episódio. Ele disse-me algo que nunca me dissera. Algo que eu nunca lhe perguntaria. E somos vizinhos há mais de trinta anos. Embora eu também possa dizer em que partido votei, mas nunca o farei com um sorriso provocatório, nem sem que me perguntem. Mas, claro que nunca o direi a toda a gente.

O que para mim é claro, é que hoje se respeita menos a individualidade de cada um de nós (também por culpa própria, parece que não conseguimos, ou não queremos perceber, o que é da esfera privada e o que é da esfera pública...). 

Ou seja, temos menos de liberdade de sermos, falarmos e até de pensarmos o que queremos, muitas vezes por vontade própria.

E isto é agravado por uma vontade de querer "castrar" os outros - mesmo sem se recorrer a químicos -, quando sabem que pensam de forma diferente. 

E isso é cada vez mais perigoso para a democracia.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, março 21, 2024

Falar (e escrever) de poesia no seu dia...


Hoje festeja-se a Poesia.

Provavelmente o mais simples, o menos trabalhoso, seria "postar" um poema, daqueles bonitos (há os por aí aos milhares...).

Nos últimos anos tenho lido mais poesia (foi o que mais fiz durante a "pandemia", devo ter sido um dos maiores "clientes" da Biblioteca Municipal de Almada de poesia...), por ser uma companhia mais fácil de viagem (mesmo na simples travessia do Tejo de Cacilheiro, que já por si só transporta uma mão cheia de motivos poéticos, que não estão ao alcance de todos os olhos...) e nos questionar de formas diferentes.

Ia escrever que não sabia se hoje conhecia mais coisas sobre poesia que ontem. Ia mentir, quase sem dar por isso. Claro que sei muito mais coisas, sobre poesia e sobre poetas.

Deverá ter sido por isso que reparei que um dos meus amigos, que escrevia tudo o que lhe apetecia, e também escreveu bastante poesia (publicou três livros), não era um "Poetaço". Nos primeiros contactos que tive com os seus poemas, não achei que fosse diferente dos outros, por o ler com demasiada superficialidade. Só quando lhe fizemos uma homenagem e tive de escolher vários poemas para serem declamados é que percebi que havia por ali muitos resquícios da prosa, ele continuava a querer continuar a contar histórias dentro de um poema. Mas muitas vezes, os poemas eram demasiado secos, foi quando percebi que faltava ali qualquer coisa. Talvez alguma magia...

Conversei com outro amigo sobre isso, o Orlando, e ele confessou-me que já tinha sentido o mesmo. 

É por isso que não se deve escrever poesia todos os dias. Há algo que é difícil de decifrar, que nos aproxima da "magia" e da "beleza" das palavras, e que só nos bate à porta de longe a longe.

Uma das coisas que percebi com a aproximação à poesia como leitor, é que há muitas poesias. E nem todas precisam de ter o seu "lado lunar". 

A poética deste meu amigo, que fez cem anos em Janeiro, é uma "poesia terrena", que todos entendem e sentem, é a poesia do nosso quotidiano, das nossas vidas e vidinhas. É o querer contar histórias utilizando a rima e palavras bonitas.

E também é poesia, mesmo que não nos leve de viagem para lá das nuvens...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


quarta-feira, março 20, 2024

«A ganância vai voltar a ser o "calcanhar de aquiles" desta gente que acha que é dona do mundo»


Quando ele disse que «a ganância vai voltar a ser o calcanhar de aquiles desta agente que acha que é dona do mundo», estava certo. Mas ninguém disse nada.

Não havia nada para dizer.

Sabíamos todos que o problema é sempre o preço a pagar. Quantas pessoas têm de viver miseravelmente, em praticamente todos os continentes; quantas pessoas têm de ser empurradas para a rua e morrer de fome; quantos migrantes africanos têm de ficar no fundo do Mediterrâneo; quantos ucranianos ou palestinianos têm de ser mortos ou mutilados pelas bombas russas e israelitas... Muitas, muitas...

Ainda não chegámos ao ponto da rebelião. E eles e elas sabem. Foi também por isso que a senhora que agora é dona do império do Belmiro - que até pintou o cabelo de louro -, disse que ia pedir a devolução de parte dos impostos que pagara ao governo. Ela que graças à inflação e à exploração dos agricultores, nunca teve tantos milhões de lucros da sua cadeia de hiper e super-mercados...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


terça-feira, março 19, 2024

(Não querer perder o prazer de olhar...)


Há já algum tempo que noto que muitas pessoas olham para mim de lado e desconfiadas. Nada que me preocupe. É a chamada "fruta do tempo", embora seja cada vez menos sazonal.

Isso acontece porque continuo a olhar quase tudo de frente, mantendo vivo este vício de observar o mundo. Não sei o que é andar "adormecido e teleguiado" por um smarphone pelas ruas (o que tenho, passa a maior parte do tempo suspenso, na caixa de onde veio da loja... e está longe de ser encarado como um "companheiro").

Se continuar assim, conservador, corro o risco de viver quase "num outro mundo". Por enquanto, não é coisa que me preocupe. Se forem só os "olhares de lado", e as "desconfianças", são coisas com as quais convivo bem.

Acho que esta minha resistência, prende-se sobretudo com uma coisa: não quero perder o prazer de olhar. 

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


segunda-feira, março 18, 2024

Bocados nossos que colamos às personagens...


Abri o romance que escrevi há mais de trinta anos, na página 35, com vontade de ficar surpreendido. Não fiquei. Depois dei um salto para a página 64, continuava a ser futebol a mais para o meu gosto. Até que dei um "pulo" até à 81 e vi o Tejo. Foi por isso que li em voz alta:

«Olhou a janela do quarto da residencial, descobriu uma rua pouco movimentada que o confundia. Ao longe esperava-o um quadro diferente, o Tejo das horas boas e das horas más.

Voltava a sentir um desejo avassalador de percorrer as ruas de Lisboa e olhar ninfas que prometiam coisas que nunca cumpriam. Parar em esplanadas carregadas de inúteis que apenas sabiam contar anedotas com barbas e conversar sobre o tempo. Queria embarcar num cacilheiro e navegar no rio grande que transformava a capital numa ilha.»

Raramente falo sobre o que escrevo. Acho que isso acontece por achar que não é dos melhores assuntos de conversa. Mas desta vez abri uma excepção e falei de muitas coisas que estavam dentro do livro. Já não me lembrava da maior parte das personagens, mas mesmo assim admiti, que andamos anos a enganar-nos, a fingir que inventamos personagens a partir do nada nas histórias que escrevemos, como se isso existisse. Mais tarde descobrimos que cada uma delas tem sempre um bocado de nós, por muito pequeno que seja...

Outra coisa que fazemos é escolher traços das pessoas que gostamos para serem "bons da fita", e dos outros, que passamos bem sem lhes pôr a vista em cima, para fazerem de palermas ou de bandidos.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, março 17, 2024

A magia da rádio e aquele toque, quase festa, nas minhas costas...



A rádio tem uma magia especial. Mesmo assim não lhe dou a atenção que merece. Quase que só a oiço quando ando de carro (coisa que não faço todos os dias...).

Mas não foi por isso que visitei a Antena 3, a propósito dos 50 anos da Revolução de Abril. Foi porque a Incrível Almadense tinha sido convidada para participar e acharam que devia ser eu a falar da história desta enorme Colectividade de Almada. Isso aconteceu já nos finais de Fevereiro, mas só ontem é que foi para o ar.

A única experiência radiofónica que tive, deve ter sido há já uns bons quarenta anos, quando apareceram as "rádio piratas", que invadiram o país (de uma forma genuína e descontrolada...), e foi episódica. 

Fui muito bem recebido pela Rita, pelo Francisco e pela Raquel, que me abriram logo o estúdio, para ver "como era" e ficar ali a ouvir o bonito exemplo de voluntariado de Fernanda Freitas, com o seu belo projecto de contadores de histórias para as crianças adormecerem nos hospitais... E depois apareceu Isabel do Carmo, médica e resistente (tanta sabedoria e simpatia) e o Kalaf Epalanga (esse mesmo, dos "Buraka som Sistema") e entretanto começou o programa. 

Durante quase meia hora contaram-se histórias, neste programa de Abril, "Não Podias", em que o tema central era "não podias reunir-te". Gostei muito de ouvir a  Isabel e o Kalaf, que iam respondendo às perguntas pertinentes do Francisco e da Raquel. E quase no fim falaram da Incrível e fizeram-me também perguntas, sobre como era a Incrível na ditadura. Disse logo, com um grande orgulho, que foi sempre democrática. Falei das sessões solenes de Outubro, em que era costume convidar uma grande figura do republicanismo (dei o exemplo dos professores Simões Raposo e Vieira de Almeida), que empolgado com o apoio e com a sala cheia, começava a denunciar algumas das tropelias do regime e acabava muitas vezes com "Vivas à República" - por acontecerem quase sempre durante o feriado do 5 de Outubro.

Falei também da fuga do Zeca Afonso do Salão da Incrível, quando apareceu para cantar de surpresa (em 1970). Como estava proibido pelo regime de cantar em público o seu nome não podia constar nos cartazes publicitários sobre os concertos musicais... da qual existem duas versões (e possibilidades reais de fuga, uma por um alçapão que fica num dos cantos do palco, quando se vai para os camarins e outra por umas escadinhas estreitas que tinham ligação com o cinema, para ruas diferentes, para a Capitão Leitão e para a Heliodoro Salgado).

Sei que o Francisco também me perguntou se não havia medo em relação às autoridades e como é nos defendíamos em relação a estes actos, de alguma forma "subversivos". Disse que a maior parte das vezes fazíamo-nos de parvos, como se tivéssemos sido apanhados de surpresa, perante os acontecimentos... E normalmente era suficiente para que as autoridades se ficassem pelas ameaças. Falei dos 175 anos e da banda, que dizem ser a única do país, que nunca deixou de tocar, desde a sua fundação e... o programa acabou (pois foi, soube a pouco, ficou tanto por dizer sobre a Incrível...).

Em relação ao título deste texto, ele deve-se ao gesto do meu filho, que foi apanhado de surpresa, no sábado de manhã e ficou a ouvir comigo (via televisão, que também pode ser rádio...) o programa "Não Podias" e gostou  do que ouviu e do que eu dissera e manifestou-o com um "que giro" e o tal toque suave nas minhas costas, em jeito de festa...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, março 16, 2024

Encontrar a "casa vazia"...


Às vezes acontece, quase sem darmos por isso, deixamos fugir o tempo e, quando finalmente regressamos, aos lugares que nos marcaram, encontramos a "casa vazia".

Andamos demasiadas vezes distraídos com outras coisas e esquecemos que à medida que os anos passam por nós, as horas começam a ter menos minutos.

Mesmo sem saber como seria o reencontro, era melhor não encontrar a "casa vazia", era melhor ouvir vozes, sentir que a vida continuava por ali...

Talvez me tivesse enganado no mês. Março começa por éme, mas não é Maio.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, março 15, 2024

A "destruição" do jornalismo independente começou há mais de duas décadas


Os órgãos de comunicação social sempre foram uma tentação para todos aqueles que queriam aumentar o seu poder e influência, política e económica.

O aparecimento das televisões privadas limitou-se a dar um primeiro "safanão", no que se considerava até aí, ser o jornalismo independente. 

A aposta em tornar tudo num espectáculo, até mesmo os espaços de notícias, mudou a forma de informar. Ao ponto do director de um dos canais (Emídio Rangel) dar a entender que a sua televisão poderia ser determinante na escolha do Presidente da República, com uma conversa sobre "sabonetes"...

Depois também passou a ser moda comprar e vender jornais e revistas, com vários empresários, nacionais e africanos, a investirem na imprensa. Embora se duvidasse das suas verdadeiras intenções, nunca se levantaram grandes ondas. Quase toda a gente, inclusive os jornalistas, fingiu estar distraída, com este novo rumo do jornalismo, que foi trazendo ao mesmo tempo para as suas direcções, gente cada vez mais inclinada para o lado direito, que por sua vez, também começaram a convidar para cronistas e comentadores, amigos com as mesmas ideias políticas e com a capacidade de dizer uma coisa hoje, e o contrário, no dia seguinte.

Quase que podemos dizer que a imprensa apenas se limitou a imitar as televisões, onde hoje, mais de dois terços dos seus comentadores são próximos dos partidos de direita. Existe ainda a "curiosidade" do espaço de comentário político de domingo - mais longo -, ter como protagonistas Paulo Portas (CDS) na TVI e Marques Mendes (PSD) na SIC, que nem sequer se dão ao trabalho de disfarçar ao que vêm. Isso acontece há mais de meia-dúzia de anos, sem que alguém do PS demonstrasse desagrado (vá-se lá saber porquê)...

Foi desta forma que chegámos a 2024, com um jornalismo cada vez menos livre e menos credível. E com as redacções a trabalharem com cada vez menos condições materiais e humanas...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


quinta-feira, março 14, 2024

quarta-feira, março 13, 2024

O equilíbrio e bom senso que faltam cada vez mais neste nosso país...


Uma simples frase do folheto de um partido que parece ser uma "multinacional" (Volt), com uma cabeça de lista bonitinha e bem falante, sem ter tiques de "vendedora de feira", criou uma conversa, que a breves momentos parecia uma discussão. Tudo isto porque adoramos o nosso lado italiano de comunicação, em que falamos com tudo, palavras, mãos, braços, cabeça (mas sem qualquer vestígio de violência ou chatice séria, mesmo que isso possa transparecer para as mesas ao lado, durante o almoço...).

Todos estávamos de acordo que não era preciso irmos tão longe e termos "paixão pelo bom senso", como a Inês, mas que cada vez se notava menos equilíbrio e até inteligência, nas relações humanas, fosse no trabalho, em casa ou no comércio, ninguém qualquer tinha dúvida...

Quando dizíamos uns aos outros, que nunca fomos muito bons da cabeça, mas desde a pandemia, vamos mais facilmente do "oito ao oitenta". Parece que cada vez há menos meio termo, em praticamente tudo. Ergueu-se uma voz discordante.

O Jorge disse que a "pandemia" não tinha nada a ver com isso.

Não concordámos. Foi quando ele trouxe a justiça para a mesa, que era um dos factores essenciais de equilíbrio social, e que desde que se tornou uma "telenovela", com actores alexandrinos e rosinhas com e sem limões (são palavras dele...), nunca mais houve bom senso. E isso tornou-se mais grave quando se prendeu um ex-primeiro-ministro em directo no aeroporto. Ainda faltavam uns anitos para levarmos com a pandemia. E depois trouxe o último caso, não menos polémico nem menos telenovelesco, em que embarcaram 300 pessoas, a maioria inspectores da judiciária, num avião militar, para prenderem meia-dúzia de pessoas, que depois de estarem detidos de forma ilegal durante uns quinze dias, foram libertados sem que lhes fosse atribuída culpa de qualquer crime.

Como o Jorge estava com a corda toda, ainda nos deu mais um exemplo, este ainda mais gritante e verdadeiro, a acção policial. Onde devia existir mais sangue frio e bom senso, opta-se quase sempre, ora pelo deixa andar ou pela violência gratuíta. Ora se fecha os olhos (se foram meia-dúzia os criminosos, não vá sobrar para eles e ultimamente tem sobrado mais vezes...), ou se apanham um ou dois suspeitos, e antes de fazerem perguntas, usam-se logo os cassetetes, as botas e até os punhos nos seus corpos.

Não estávamos à espera de ser tão contrariados (houve mais exemplos). Pensávamos que tudo mudara depois da "pandemia", e afinal as coisas já estavam desequilibradas, vários anos antes...

Claro que as coisas estão pior. E ainda temos a guerra, que estando longe, parece estar perto...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, março 12, 2024

O primeiro episódio das "conversas que se dizem quase ao ouvido"


Talvez por eu não o tratar como um maluquinho, muito menos me preocupar muito onde começava e acabava a ficção que se misturava com as suas memórias, ele não parou de me contar as suas inquietações.

Não sei porquê, mas fixei-me nessa palavra bonita que é a liberdade, enquanto ele me falava das suas duas "casas" na Capital:

«Sei que devo estar a sonhar ou a imaginar coisas, mas penso muitas vezes que a barraca que construi e fui viver depois de casar, e onde nasceu o meu primeiro filho, era melhor que esta casa de cimento.

Esqueço-me do frio, do calor, da falta de luz eléctrica e de água canalizada, e de tantas outras coisas, que eram tão más e feias, que apaguei-as mesmo da minha cabeça.

A única coisa que me ficou foi a sensação de liberdade que existia. Acho que por não ser uma casa a sério, tornava tudo mais fácil. E também sabia que era difícil viver pior. E sorria com isso... É por isso que às vezes penso que devo estar a amalucar.»

Expliquei-me que não. Provavelmente ele foi feliz naquela barraca, mesmo que fosse tudo demasiado pobre e miserável. E só se lembrava dessa sensação, que há distância de 40 e muitos anos, lhe parecia uma outra coisa...

Nota: Vou chamar a estas conversas, "Coisas que se dizem quase ao ouvido", que nascem do diálogo que tenho com algumas pessoas que gostam de falar sem "travões" e nos contam toda a história da sua vida, mesmo sem lhe pedirmos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, março 11, 2024

«Quem é esta gente que vive à nossa volta?»


Depois de saber os resultados eleitorais no meu distrito, Setúbal, com o Chega no segundo lugar, fiquei completamente abismado.

Por saber o que está pela frente e por detrás desta força política, a única pergunta que fiz a mim próprio foi: «Quem é esta gente que vive à nossa volta? Quem são estas pessoas que votam num partido assumidamente, racista, xenófobo, conservador e autoritário?»

Mesmo que esteja a divagar um pouco, não me deverei enganar muito.

Provavelmente é o merceeiro da rua de baixo, que usa um bigode fininho e ainda se penteia com brilhantina (onde só entro por necessidade extrema, porque tem sempre os preços mais altos do bairro...); o meu barbeiro, que ainda vive com os "fantasmas do Prec" dentro da cabeça; ou o meu vizinho da frente que vê em cada estrangeiro um bandido...

Só faltava mesmo este partido saltar para o poder, para todos "curarem a tosse" e fingirem-se felizes por a "missa" voltar a ser um acontecimento nacional...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas) 


domingo, março 10, 2024

Indecisões e certezas...


Hoje aconteceu-me uma coisa curiosa (acho que nunca me tinha acontecido, pelo menos desta forma...), enquanto me deslocava para a escola onde voto, que fica perto da minha casa.

Ia andando e pensava com os meus botões, que só poderia votar em três partidos. Como de costume estava mais inclinado para um deles, por achar que seria o que teria mais possibilidades de eleger deputados no distrito de Setúbal.

O mais engraçado é que durante o tempo que estive na fila, comecei a ficar bastante indeciso.

Depois entrei, entreguei o cartão de cidadão, deram-me um papel e  em poucos segundos fiz a respectiva cruz no boletim de voto, sem ter qualquer dúvida.

Nunca uma indecisão se tornou certeza com tanta rapidez...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sábado, março 09, 2024

Uma reflexão mais abrangente, sobre estes tempos estranhos...


O dia de ontem acabou por me fazer refletir sobre estes tempos estranhos em que vivemos, em que a liberdade individual há já algum tempo, que anda a ser alvo de vários ataques, com múltiplas tentativas para a "capturar" e transformar em liberdade colectiva, tornando-nos, aparentemente, mais fáceis de manobrar. É isso que se passa nos regimes totalitários (Rússia, China, Coreia, Irão, Turquia, etc), mas também noutros, como o Israel ou os EUA, que há muitos anos que finge ser o "país mais livre do mundo", mas que sempre gostou de condicionar a liberdade e o gosto dos outros.

Como é normal nestas coisas, não conseguimos escapar ilesos destes tempos, em que o mundo se tornou mais pequeno, e o materialismo tenta dar cabo de qualquer idealismo que se baseie numa sociedade mais igualitária, onde todos tenham os mesmos direitos, sejam homens, mulheres, brancos, pretos, heterossexuais, homossexuais, muçulmanos, cristãos, etc.

Há o regresso de um conservadorismo bacoco, próprio dos séculos anteriores ao número vinte, que se mete com tudo o que cheire a liberdade e originalidade. Volta a censurar livros, filmes, canções ou peças de teatro, da mesma forma que tenta manietar, e proibir, as opções sexuais de cada um de nós.

Isso explica-se com o aparecimento dos movimentos saudosistas da extrema-direita e com a legião de seguidores que vão angariando, inclusive no nosso país. Por descender de uma família de libertários, pensava que toda a gente gostava de viver em liberdade. Parece que estava enganado...

Voltando ao dia de ontem, é também por "estas coisas", que tarda a igualdade entre homens e mulheres.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, março 08, 2024

Um oito de Março que continua a ser necessário...


Nunca pensei que o 8 de Março durasse tanto tempo, e que continuasse a ser tão necessário. 

De uma forma, ingénua (eu sei), pensei que seria possível em pouco mais de uma década, chegarmos à igualdade plena, de direitos e deveres, entre as mulheres e os homens.

Infelizmente a forma como a nossa sociedade aceita estas "desigualdades" (com muitas mulheres a serem as maiores inimigas das outras mulheres...), às vezes quase de mãos nos bolsos, faz com que se perceba que talvez se tenha de fazer mesmo, uma revolução (não se vai lá, com toda a certeza, com a oferta de flores ao dia oito do costume...).

Poderia falar de vários sintomas desta desigualdade, mas vou-me focar em apenas dois, que na minha opinião, são dos mais graves.

Começo pela diferença de ordenados para as mesmas funções, que continua a ser uma realidade no nosso complexo mundo laboral. Será muito difícil de eliminar (pelo menos no sector privado), enquanto o capitalismo reinar, de uma forma cada vez mais "selvagem", com a conivência dos governos, que se fingem democráticos e igualitários.

Mas o maior dos flagelos continua a ser a violência, que é exercida no próprio lar, por todos aqueles que se acham "donos" das mulheres que um dia desposaram. É uma vergonha para todos os homens, o número de mulheres que continuam a ser vitimas de violência doméstica no nosso país (muitas perdem a vida...). 

Isso explica muita coisa. Até o crescimento da extrema-direita...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, março 07, 2024

Jornais com e sem Abril...


T
enho andado "embrulhado" em jornais antigos em vários arquivos e reparo que a imprensa regional tinham algumas virtudes que não chegavam aos jornais nacionais. Uma delas é a assinatura de muitas notícias.

Nunca achei piada ao facto de a maioria dos grandes jornais publicarem uma boa parte das notícias sem autoria (hoje com o digital também acontece muito, há demasiadas notícias "assinadas" pela Lusa ou pela Redacção. De certeza que há um autor...).

Mas nem era disso que eu queria falar. 

Nota-se que a presença da censura na imprensa regional era mais suave (ou então mais disfarçada). O que se percebe, como eram semanários, era mais fácil voltar a escrever de novo. E também por terem uma dimensão mais limitada no espaço, e por isso não deveriam ser "lidos" com tanta minúcia.

Nos grandes jornais percebe facilmente que há por ali dedo da censura, quando lemos notícias sobre factos importantes, ou que envolvem alguma polémica. É como se não tivessem "alma", sente-se que falta ali qualquer coisa. Há a tentação de dizer que estão mal escritas, mas o que aconteceu foi que foram "retalhadas"  de alto a baixo pelos censores...

O fim desta "tragédia" foi mais uma daquelas coisas boas que Abril nos trouxe, e que nem sempre recordamos...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, março 06, 2024

A leitora misteriosa do metro


Ontem aconteceram duas coisas curiosas, enquanto esperava o metro no Cais de Sodré.

Primeiro: olhei para o lado e vejo três pessoas a lerem três livros, enquanto as carruagens não apareciam. Nunca altura que se lê menos, foi bastante agradável esta visão.

Foi por isso que tirei uma fotografia, tentando ser o menos intrusivo possível (é a explicação para que os livros não estejam mais visíveis...).

Segundo: por um mero acaso fiquei sentado em frente da leitora (do casaco comprido). À medida que ela ia lendo ia anotando e marcando o livro. Fiquei com a sensação de que ela escrevia. E tanto podia ser prosa como poesia.

Mais uma vez não quis ser intrusivo e não meti conversa. Não fiz a pergunta certa.

Acho que foi melhor assim. Posso inventar a história que quiser sobre esta leitora misteriosa.

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, março 05, 2024

Os maneirismos femininos e as brincadeiras de rua...


Estava à espera que encontrassem uma encomenda que fora deixada por um amigo, na companhia de duas mulheres, cada uma delas na sua secretária, a fazer pela vida. Uma delas chamou-me mais a atenção pelos seus maneirismos, tão femininos.

Foi quando pensei que, enquanto tinha andado a jogar à bola, a correr e a saltar na rua, ela devia estar em casa fechada, agarrada às suas bonecas e a fazer caretas ao espelho, enquanto ensaiava os primeiros truques de maquilhagem. E claro, a imitar os maneirismos de outras mulheres, fossem elas da família ou personagens de qualquer filme.

Em apenas cinco minutos descobri algumas das diferenças que se foram criando, desde a infância, e que fazem de nós, homens e mulheres, seres completamente diferenciados em muitos aspectos...

Claro que não me arrependi nada de andar mais entretido com os jogos de rua e parvoíces de rapazes, que a aprender coisas que me poderiam ter transformado num "menino de qualquer coro"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, março 04, 2024

Manter a diferença até ao fim...


O olhar não engana, qualquer pessoa que passe perto da esplanada onde aquele homem bebe café e lê o jornal, percebe que ele é um sujeito muito antigo.

Não falo da roupa de alfaiate, mesmo que ele ande sempre "engomadinho", muito menos do bigode pintado de branco. Falo do jornal que ele abre e por onde se esconde. Falo do cigarro que ele acende e que torna tudo ainda mais cinéfilo, com o fumo a aparecer por cima das páginas do diário.

Está farto dos políticos. Também eu! Foi por isso que quase que me apeteceu pedir-lhe um cigarro. Por falta de jeito acabei por não o fazer... mas que me apeteceu, apeteceu.

Ele vê os noventa cada vez mais perto, mas quando lhe apetece puxa de um cigarro, que nunca viu como um "prego", mas sim como um bom companheiro.

Continua a não querer saber o que é uma vida demasiado saudável, até porque tem sido esta "receita" que tem levado uma boa parte dos seus amigos, desta para melhor...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


domingo, março 03, 2024

O mundo mudou e as mulheres também mudaram (muito mais que nós, homens)...


Estava na mesa a ouvir falar um homem da geração dos meus pais a falar como um entendido no sexo feminino, dizendo que nenhum dos três filhos, que tinham todos mais que uma experiência de casamento (e segundo o seu ponto de vista ainda não tinham conseguido acertar...), eram bons a escolher mulheres.

Não sabia se havia de chorar ou de rir. Foi por isso que me mantive impávido e sereno, a arranjar pistas para colar a uma qualquer personagem das minhas ficções.

Claro que acabei por ficar a pensar no assunto, até por conhecer os três rapazes, ligeiramente mais novos que eu, todos bem sucedidos na vida profissional, mas segundo o pai, com um azar dos caraças com as mulheres (e claro, com alguma aselhice misturada...).

O que mais me fez confusão foi aquele pai e marido, aparentemente culto e inteligente, não perceber que as mulheres de hoje não são iguais às do seu tempo. Que nunca na vida iria encontrar uma esposa como a sua, nos dias de hoje, porque tudo é diferente, principalmente o seu entendimento do mundo e a sua passividade (ainda que falsa, quase sempre eram as nossas mães que mandavam em tudo lá em casa, mas fingiam que o pai é que era o "chefe de família")...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, março 02, 2024

Coisas que estão dentro dos livros e dos filmes


Não sei muito bem se os livros e os filmes nos salvam, como é costume dizer-se, aqui e ali. Falando quase a sério, acho que não. Isso é uma tarefa destinada mais para os deuses, que diga-se de passagem, vêem-se cada vez menos por aqui.

Nem penso que seja assim tão importante essa coisa da "salvação". Importante mesmo é sentirmos que há qualquer algo de especial no livro que estamos a ler, ou no filme que vimos e que ainda estamos a "digerir". Algo que ficou e que nos conseguiu dar como prémio um "bilhete" para outras viagens...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sexta-feira, março 01, 2024

O Meu Mar e a Minha Praia...


Na quarta-feira passei uma boa parte do dia nas Caldas. Além de almoçar, também jantei com a família.

Isso fez com que tivesse tempo para visitar alguns dos lugares especiais, que por vezes ficam guardados para a próxima, como foram os casos de Salir de Matos e a Foz do Arelho.

A Foz do Arelho será sempre a praia da minha vida, entre outras coisas, por ter um mar único.

É um Mar que gosta de se fazer ouvir, em todas as estações. Mas no Inverno consegue que a sua "voz" percorra ainda mais quilómetros e se escute mais longe.

Passear ao lado das suas ondas, além da oferta da sua maresia refrescante, tem ainda outro atractivo, a possibilidade de se poder ter uma boa conversa, sobre tudo e sobre nada...

(Fotografia de Luís Eme - Foz do Arelho)