domingo, junho 29, 2025

«Acredito, cada vez mais, que as pessoas estão fartas da democracia. E apenas por uma coisa, por ela gostar de impor limites»


A conversa começou com o humor, a tal coisa que para alguns não deve ter limites, e para outros nem por isso, sem nos estarmos a focar em casos particulares ou ligarmos ao desabafo do "humorista da mesa", que disse que cada vez é mais difícil fazer rir as pessoas.

Claro que a conversa avançou logo para outro lado, quando o Carlos  disse: «Quem não quer ter limites, não tem muita vontade de jogar ao jogo da democracia. E também gosta muito pouco de respeitar os outros.»

A resposta, entre a estupefacção e a indignação, foi colectiva. Houve mesmo quem dissesse que os limites faziam parte dos regimes fascistas.

Foi quando o Carlos resolveu ser ainda mais contundente: «Vocês andam mesmo distraídos. Felizmente, em democracia, quase tudo tem limites, ao contrário das ditaduras. Talvez vocês prefiram esses regimes onde vale tudo, onde é costume prenderem-se pessoas, apenas porque sim.»

E foi buscar um exemplo fresquinho: «Não viram o que o senhor todo poderoso da Hungria tentou fazer com a manifestação sobre a liberdade sexual lá do sitio? Ameaçou prender todos os que fossem a manifestação "ilegal". Só não estava à espera que saíssem à rua mais de duas centenas de milhares de pessoas. Deve ter ficado a coçar a cabeça, por não ter prisões suficientes para toda aquela "paneleiragem".»

Foi quando todos percebemos que estávamos a ver o filme errado e voltámos a colocar os pés no chão.

E ele continuou: «O "Monteverde" também não deve gostar nada da palavra limite. Se ele pudesse, tinha silenciado os jornais e continuava a receber avenças da clientela.»

Para depois dar-nos o "safanão final": «Acredito, cada vez mais, que as pessoas estão fartas da democracia. E apenas por uma coisa, por ela gostar de impor limites.»

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


sábado, junho 28, 2025

A alegria de quem nos dá a "novidade", do sobe e desce dos preços


Sei que este é o tempo que querem que "os gelados sejam comidos com a testa", mas... 

Ia dizer que há limites, mas se calhar os limites que existem não são os que eu penso...

Tudo isto porque fiquei a olhar para o pivot, que com um olhar feliz, de quem nos está a dar uma prenda, informava através da televisão que a partir de segunda feira, o gasóleo ia ficar quatro cêntimos mais barato.

Não é que eu seja muito forte a matemática, mas se na última segunda o gasóleo tinha subido oito cêntimos, com esta baixa ainda ficámos a "perder" quatro cêntimos.

O senhor capitalismo sabe-a toda, é por isso que está a entrar a toda a hora nas nossas vidas...

E age como se não houvesse passado, só presente. 

O que nos vale é que é um presente "radioso", graças à cumplicidade dos "fazedores de notícias" e dos rapazes e raparigas que adoram sorrir para as câmaras e tanto podiam trabalhar no "tele-marketing" como nas feiras a vender bisnagas ou frasquitos de banha da cobra.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sexta-feira, junho 27, 2025

Não tenho a certeza que para se ser poeta, dos bons, tenha que se ser, marginal, mas...


Há muito tempo que não estava com um rapaz que escreve poemas e que diz falar com toda a gente, menos com poetas.

Outra coisa curiosa (pelo menos para quem não é do meio...), também não lê poemas, de ninguém. Nem mesmo do seu mestre, esse mesmo, o Herberto Helder, de quem acabou de ler a biografia escrita pelo "polícia dos costumes da nossa literatura".

O grande motor da sua poesia é a imaginação. Depois vêm, quase em fila, os filmes, os romances, as suas viagens solitárias, de preferência por ruas vazias, onde seja possível enfiar as personagens que lhe saltitam de neurónio em neurónio.

O mais curioso, é que ele, a "olho nu", é um cidadão completamente normalizado, com um emprego de funcionário público, daqueles bons, em que pode passar o dia a ver as barcas a passar no Tejo (num dos poucos lugares do Estado que ainda não foi obrigado a virar as costas ao rio...), enquanto arquiva os papeis que lhe vêm parar à mão nos lugares certos (é bom nisso, sempre foi muito arrumadinho...).

Nunca casou. Sempre teve dificuldade em viver com outras pessoas no mesmo espaço. Precisa e gosta da sua solidão, de não ser importunado, muito menos que mexam nas suas coisas. É por isso que nunca teve empregada em casa, é ele que é o "fado do lar".

Apesar de todas estas coisas estranhas, quando está comigo, fala pelos cotovelos. Diz mal de tudo e mais alguma coisa. Como adora sublinhar os livros que lê e mostra-me partes que normalmente me passam ao lado (sei que se fosse crítico, seria um mau crítico...) e que são realmente alarvidades literárias.

O mais curioso é sentir, que além de sorrir, também aprendo uma ou outra coisa a seu lado. Sinto que ele é demasiado inteligente para se sentir confortável neste mundo que nos cerca.

A minha companheira conhece-o de vista e chama-lhe "o meu amigo estranho", sem fazer ideia das coisas que ele diz, seja dos poetas que passam a vida a rimar "cão com cagalhão", dos vizinhos a quem diz bom dia e boa tarde, que fazem um esforço do caraças para fingirem que são felizes, ou ainda, das mulheres que passam o tempo a mandar nos homens e no mundo, mesmo que finjam que isso é mentira...

Ele diz que não precisa nada disso. Não precisa de rimar com as palavras, muito menos de sorrir à vida ou agradar aos outros, com as mulheres incluídas...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quinta-feira, junho 26, 2025

Gente que pensa ter mais poder do que o que realmente tem...


Irrita-me ligeiramente a gente que pensa (e finge) ter mais poder do que o que realmente tem.

Um dos lugares onde isso se nota mais é na televisão, no submundo dos comentadores que dizem uma coisa hoje e amanhã o contrário, com o mesmo ar de "entendidos", tanto nos mundos da política como no futebol. 

Parece uma piada mas não é, os comentadores políticos pensam que "podem" demitir ministros, os comentadores desportivos pensam que "podem" despedir treinadores. Esquecem-se é que há um primeiro-ministro e que existem presidentes de clubes...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


terça-feira, junho 24, 2025

O horizonte demasiado largo da América do Norte


Uma das coisas que percebi nas conversas que tive com o meu "Tio da América", foi da sensação que quase todos têm a oportunidade de melhorar as suas vidas (mesmo os mais pobres...), de que tudo é possível. Claro que é preciso fazer-se por isso. As tais oportunidades não caem do céu...

Ele disse-me mesmo que essa é a chave do sucesso dos Estados Unidos da América. Há um horizonte demasiado largo à sua volta, que lhes dá a ilusão de que se pode chegar a qualquer lado (pois, é provável que se viva a vida toda atrás de uma mentira)...

Isso explica que seja possível alguém como Trump chegar a presidente e também que os imigrantes (especialmente os nativos dos países próximos, como o México ou o Porto Rico), aparentemente, tão maltratados e perseguidos, mesmo assim não desistam do "sonho americano"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


segunda-feira, junho 23, 2025

Tanta confusão que se faz com a palavra Liberdade...


O caso que chegou, estupidamente, a tribunal, entre a humorista Joana Marques e os irmãos Rosado, do grupo musical "Anjos", é um pequeno exemplo do que se faz e entende com a palavra liberdade.

Há mais de um ano falou-se deste caso num jantar de família, fui o único que compreendeu a posição dos "Anjos" e os defendeu, com base num princípio simples, de que não vale tudo no humor. Sei que as pessoas que vivem das piadas não concordam com este ponto de vista, nem as que se gostam de rir com as cenas patéticas do quotidiano, protagonizadas pelos outros (o prato forte servido nas redes sociais...).

Agora que o caso chegou a tribunal, tudo se torna ainda mais ridículo. É uma estupidez a justiça estar a perder tempo com esta diferença de entendimento da liberdade de expressão e da publicação de graçolas sobre terceiros.

A indemnização pedida pelos cantores de mais de um milhão, é ela própria uma piada de mau gosto. Assim como alguns dos seus argumentos em tribunal. O facto da humorista nunca se ter mostrado disponível para retirar o vídeo, que fez e publicou, ou sequer falar com o dueto, diz também muito sobre ela.

Este é mais um daqueles casos, em que se "está a gozar com a justiça" e com a nossa inteligência, por muito que alegrem as redes sociais e aumentem as vendas das revistas castanhas.

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


domingo, junho 22, 2025

Será que querem transformar o Irão num novo Iraque?


Não consigo compreender, pelo menos de forma racional, as atitudes bélicas do Israel contra o Irão, muito menos o apoio (desta vez prático) dos EUA.

Também não entendo a reacção passiva da Europa (e de Portugal...) ao agravar de tensões no Oriente, reagindo como se fosse o Irão que tivesse atacado Israel...

Tudo se torna mais grave quando a responsável dos serviços secretos norte-americanos e o representante da Agência Internacional de Energia Atómica defendem que não existe qualquer evidência de que o Irão tenha armas nucleares.

Só faltou mesmo terem inventado um encontro como o das Lages, para que a mesma mentira que destruiu o Iraque, tivesse agora o mesmo efeito no Irão. 

Quem continua a barafustar contra todas estas atrocidades, é António Guterres. Mas de pouco lhe valem as palavras, percebe-se que falar ou estar calado, é quase a mesma coisa. Ou seja, a ONU é cada vez menos respeitada, especialmente pelas grandes potências do Mundo.

Segundo o meu olhar, longínquo e pouco conhecedor das tramas internacionais,  ele já se deveria ter demitido.

Espero que seja apenas a defesa intransigente do humanismo no Mundo, que o esteja a manter à frente da ONU...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


sábado, junho 21, 2025

A nossa aparente falta de jeito para ajudar a levantar aqueles que "caem no chão"...


Existem sempre coisas, que nos acontecem, ou que vemos acontecer à nossa volta, que escapam à nossa compreensão de simples mortais. Por serem difíceis de definir, normalmente nem damos grandes palpites, preferimos misturar as "circunstâncias da vida", suficientemente abrangentes para justificar o injustificável e fechar qualquer conversa.

Aconteceu há dias a um amigo, o que me aconteceu há anos. Viu um amigo dos seus tempos de escola, sentado na entrada de um prédio, com os seus parcos haveres, de "filho das nuvens". Olharam-se por breves segundos e baixaram os olhos quase em simultâneo. Depois aproximou-se e perguntou-lhe se ele era o Pedro. Claro que o homem disse que não, que ele estava enganado. Com alguma lata e para desviar o assunto, pediu-lhe uma moedinha. O meu amigo, que tal como eu nunca anda com muito dinheiro na carteira, deu-lhe uma nota de vinte euros, a maior que tinha na carteira. E depois virou costas, sem ficar à espera de agradecimentos e sem voltar a olhar para trás.

Eu depois de o ouvir, contei-lhe o que me acontecera, há uns bons trinta anos, ainda mais dramático. Cruzei-me com um dos muitos companheiros de infância na Rua Augusta. Estava descalço, vestido apenas com uma manta com um buraco que enfiara na cabeça e muito sujinho. Andava depressa e ia dizendo coisas sem nexo. Sei que gritei o seu nome, "Manel", ao mesmo tempo que ele soltou uma gargalhada louca. fiquei atónico por alguns segundos e ele aproveitou para desaparecer no meio da multidão. Ainda andei uns metros na sua direcção, mas nem um sinal dele. Claro que a única coisa que poderia fazer era o mesmo que o meu amigo fez, dar-lhe uma "moeda" maior do que as que ele costumava receber...

Acabámos a falar da "merdola" de  sociedade, em que vivemos, que permite todos estes altos e baixos. 

Não podíamos estar mais de acordo, quando recordámos que quando se entra num "beco sem saída", os familiares, amigos e conhecidos, começam a desaparecer todos à nossa volta. E quando damos por ela, estamos caídos e perdidos na rua...

(Fotografia de Luis Eme - Lisboa)


sexta-feira, junho 20, 2025

As minhas memórias não têm de ser iguais às dos outros...


O meu lado de historiador (e também de jornalista...), durante alguns anos  teve uma relação com os factos, quase imutável. 

A minha teimosia e um menor grau de flexibilidade também não eram grande ajuda. Faziam com que não entendesse que muitas das pessoas que distorciam os factos, o faziam de forma involuntária, não estavam a dizer mentiras, mas sim a relatar a forma como tinham interpretado e guardado a realidade dentro delas.

Hoje, vejo as coisas de forma diferente, é não é pelo facto de ser ligeiramente daltónico, de saber que o verde se aproxima do azul, até na natureza. Sim, o mar e o rio, nem sempre nos surgem com a mesma tonalidade.

Tudo graças a essa coisa que chamamos "vida", que passa o tempo a dar-nos lições. Lições que nem sempre entendemos...

Estou a escrever estas palavras porque hoje estive com familiares que não via há bastante tempo e senti tudo isto. De uma forma aberta e franca, eles iam contando histórias do nosso passado comum (quase sempre deliciosas...), que nem sempre coincidiam com as nossas.

A única coisa que faço, aqui e ali, são uns ajustes no campo temporal, provando através de acontecimentos marcantes, que uma coisa que se passou nos anos oitenta do século passado não se passou nos anos noventa. 

Há muitos acontecimentos importantes que nos ajudam a fazer a tal aproximação, como foram o 25 de Abril, a Expo 98 ou a Pandemia. Ou ainda, no campo familiar, o nascimento ou a perda de alguém.

Mas o melhor disto tudo, é aceitar de uma forma cada vez mais pacífica, que as minhas memórias não têm de ser iguais às dos outros...

(Fotografia de Luís Eme - Cacilhas)


quinta-feira, junho 19, 2025

Talvez sim, talvez não...


Foi a terceira pessoa que se referiu ao senhor António como um antigo informador da PIDE.

Nunca levei esta informação a sério, mas à terceira, quase que foi de vez. Quem me relatou este facto foi um amigo, que trabalhou no mesmo lugar que o meu vizinho do prédio da frente.

Fiquei a pensar, até na sua excessiva simpatia. Não se podia falar de uma coisa normal, pelo menos nestes tempos. Mas porque não? Há pessoas assim, no mundo delas não há "gregos nem troianos", apenas pessoas...

E há pessoas que gostam de saber coisas dos outros, são curiosas por natureza.

De repente estava a desculpá-lo. Mesmo se fosse verdade, podia ter sido alguém da PIDE que lhe "dera a volta" e ele podia pensar que ser informador da polícia secreta era um "desígnio nacional".

Mas depois analisei mais cuidadosamente o seu perfil, quase "de mulher". Sim, embora possa existir aqui algum resquício do velho machismo, são normalmente as mulheres que falam com as outras mulheres, a partilharem novidades, para serem as pessoas mais bem informadas da rua e do bairro. Havia ali curiosidade a mais...

Mesmo assim acabei por banalizar a questão, por a "ignorância sempre ter sido atrevida".

Felizmente continuamos a viver em liberdade, sem "secretas". E por outro lado, esta sua imagem de "boa pessoa", pode ser ele a querer redimir-se dos erros do passado, se foi mesmo "bufo"...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)


quarta-feira, junho 18, 2025

"Talvez um dia te encontre"...


Sei que o titulo deste pequeno texto parece retirado de uma canção. 

Mas não, surgiu a partir de uma conversa, sobre o PREC, que, 50 anos depois, ainda não acalmou todas as almas.

Estou a fazer um trabalho sobre uma pessoa especial e tenho falado com algumas pessoas que se cruzaram com ele pelo caminho.

Uma das pessoas com quem conversei, disse-me que a última vez que tinha estado com ele, fora no final de 1975. Nunca mais se encontraram. Começou por se desculpar com a vida, que é uma coisa estranha, muito estranha. Mas depois confessou que embora nunca tenha deixado de ir aos sítios que quis, não fez qualquer esforço para se voltarem a encontrar. 

Não ficou nenhuma mágoa, mas tomaram opções diferentes e acabaram por seguir também caminhos diferentes. O homem que estava à minha frente, com um ar de avozinho simpático, disse-me meio a sorrir meio a sério, que em 1976 e 1977 era um "perigoso esquerdista" e o Zé era um "pacifista"... 

Felizmente houve dois acontecimentos que mudaram o rumo da sua vida: foi trabalhar para a Gulbenkian de Paris e conheceu a mulher da sua vida. Como qualquer emigrante, só voltou ao nosso país de férias, até se reformar.

Acrescentou ainda que houve pessoas amigas e até da mesma família, que não se voltaram a relacionar com ele, meramente por questões ideológicas e partidárias. Com algum humor disse que era uma maçada termos braços, pernas e mãos direccionados de forma diferente, uns no lado direito e outros no lado esquerdo.

Contou-me também que durante todo este tempo teve saudades de dois ou três amigos, de quem era mais próximo. Foi sabendo coisas deles pelos jornais, pelo menos dos mais bem sucedidos profissionalmente, como foram os "manos nuno". Mas, apesar disso, nunca fez nada para os encontrar. E era fácil, até por serem todos pessoas das culturas.

Meio a sorrir, meio a sério, disse-me que foi um erro ter-se fiado no "destino" e ter-se escondido atrás da tal frase, "talvez um dia te encontre"...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


terça-feira, junho 17, 2025

O cumprimento diário que não custa nada e sabe bem...


A maior parte das pessoas que cumprimento com um bom dia ou uma boa tarde, são vizinhos e vizinhas, já com alguma idade.

Faço-o com satisfação, por notar que ficam agradados, apenas com este simples cumprimento diário. É algo que não custa nada e que também torna o nosso dia mais solar...

Pensei nisto depois de ler uma notícia sobre o óbvio, que onde se morre mais de solidão, é nas grandes cidades. 

Sim, o barulho dos outros, mesmo nos nossos prédios, não passa de ilusão, é quase igual às buzinas e aos motores dos carros das ruas...

Nas aldeias pode-se viver em silêncio, mas conhece-se toda a gente, sabe-se onde está o outro. E quando se dá pela sua falta, corre-se à sua procura...

(Fotografia de Luís Eme - Almada)