segunda-feira, outubro 31, 2016

"Peregrinação" ao MAAT e a Belém

Ontem fiquei com a sensação que todos os caminhos iam dar a Belém.

Havia gente por todo o lado. Claro que o MAAT é a grande atracção do momento, pelo menos para os portugueses - grandes amantes de borlas... -  para ver as vistas e para ser o interior (ainda pouco artístico...). Embora a sensação com que se fica, é que tirando a beleza arquitectónica do novo museu, pouco mais há para ver...

Os "pasteis de belém" continuam a ser a "mina" de sempre (filas intermináveis para comprar esta delicia...). Muita gente nos jardins, nas imediações dos Jerónimos, junto ao padrão dos Descobrimentos (e de certeza junto à Torre...).

Tudo isto faz com que não consiga perceber como é que o país continua a marcar passo, com toda esta "peregrinação" diária, de centenas milhares de estrangeiros pelos lugares da moda  (e também pelos outros) da Capital...

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, outubro 30, 2016

«É a Cultura, Estúpido!»


Ainda bem que sou teimoso, caso contrário já tinha deixado de participar há algum tempo activamente na vida cultural de Almada. 

É mesmo a única explicação que encontro para esta "minha continuação",  muitas vezes a "pregar para o deserto", de mais de duas décadas a fazer cultura como activista ou como simples organizador.

Sim, porque quando organizamos qualquer evento ele à partida não se destina apenas a meia-dúzia de pessoas. 

Sei que isso acontece por várias razões. Falta de divulgação? Não. Falta de interesse? Sim.

E em Almada ainda se passa outra coisa: fazem-se demasiadas actividades (a própria Autarquia por vezes organiza mais que uma actividade para o mesmo dia e à mesma hora. Ontem à tarde por exemplo tiveram lugar duas inaugurações de exposições e a um lançamento de livro, à mesma hora, em três lugares diferentes e organizados por três estruturas associativas também diferentes.

Na noite anterior houve um concerto do Sérgio Godinho na Academia Almadense e uma peça de teatro na Incrível. Como calculam foi o teatro que ficou a perder, com apenas oito pessoas a assistirem ao espectáculo...

Gritar ao sete ventos: «É a Cultura, Estúpido!», não resolve nada, nem tira ninguém nos sofás, cada vez mais entregues às telenovelas ou ao futebol (hoje não falo das redes sociais, até porque há quem também chame isso aos "blogues"...).

Só há uma forma der combater este "divórcio" entre as pessoas e a cultura, é a aposta na qualidade e não na quantidade.

Por exemplo, a peça a que assisti ontem na Incrível, "Ainda Existem Flores no Jardim" (escrevi sobre ela no "Casario"), merecia mais que as cerca de três dezenas de pessoas que apareceram no Salão de Festas da Colectividade Almadense, um monólogo que contou com a excelente interpretação de Mara Martins (é ela que ilustra estas palavras).

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, outubro 28, 2016

Verão no Fim de Outubro...

Nos últimos dias a temperatura voltou a subir e quem continua de férias - os nossos queridos turistas - aproveita bem o Sol que pinta os seus corpos num cor de rosa tardio à beira Tejo.

Penso em nós, "povos do sul da Europa", com mais fama que proveito de gostarmos pouco de trabalhar, entre outras coisas, que gostam de dizer para lá da Baviera.

Mas depois recebemos diariamente milhares de turistas, de todas as idades, maioritariamente vindos da tal zona onde os "europeus" se fartam de trabalhar (eu sei que os emigrantes devem ser os que mais contam para esta média...) e fico confuso, sem conseguir perceber como é que toda esta gente pode viver permanentemente em férias...

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, outubro 27, 2016

A Importância de Saber Desenhar as Mãos...


Hoje passei pelo teu "Segredo" e lembrei-me de uma das muitas coisas que me disseste sobre a arte do desenho: a importância, para quem aspira a ser artista, de saber desenhar as mãos...

E foi por isso que fixei uma das mãos que fizeste e reparei na sua beleza...

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, outubro 26, 2016

O Vicio de Criar...


Chamei-lhe vicio, mas poderia chamar-lhe necessidade, sim, necessidade de criar.

Penso que hoje as pessoas sentem mais vontade de criar, de fazer algo de artístico. Isso acontece por várias razões. Por um lado, a sociedade de hoje está mais fechada, tornou-se mais individualista e egoísta. Acho que a "solidão", o estarmos mais tempo apenas com nós próprios, faz com que se pense e se imagine mais. Por outro lado, as pessoas a partir do momento que os filhos se tornam adultos, passam a ter mais tempo livre, viajam mais pelo passado e voltam a fazer coisas que gostavam, e para as quais achavam ter algum jeito (escrever, pintar, tocar, cantar...). A maior parte das vezes fazem-no apenas para satisfação pessoal, para se sentirem vivas.

Eu próprio assumo que escrevo  por necessidade. Embora exista uma lista longa de coisas que me levam a escrever, sei que o "jogo de palavras" me ajuda bastante a manter o equilíbrio emocional.

(Isto de escrever directamente para o "bloguer" tem que se lhe diga. Tinha pensado falar do meu amigo João, dos problemas que tem graças ao seu "vício de criar". Por muito bom músico que seja, os vizinhos não estão para aturar a sua inspiração. Segundo ele, já nem paciência têm para ouvir baladas, quanto mais para alguma coisa mais mexida e elaborada. Se mora na Margem Sul e ouvir tocar viola num lugar isolado, pode ser que seja o João...).

(Fotografia de Luís Eme)

terça-feira, outubro 25, 2016

Este Medo de ter Dúvidas...

De vez em quanto apanhamos erros alheios, que só acontecem porque as pessoas têm medo de perguntar qual é o porquê das coisas. E hoje como "falar com o outro" ainda está mais em desuso, errar acaba por entrar na normalidade dos nossos dias.

Como eu sempre fui um "perguntador" tenho dificuldades em perceber esta gente que prefere navegar no erro a fazer a pergunta normal, de como se faz ou de como é.

Às vezes questiono-me se se trata de orgulho, estupidez natural ou outra coisa qualquer. E concluo que além da "estupidez natural", há por aqui uma dose de "chico-espertice" e outra de falta de humildade (nota-se tanto isto, todos sabem tudo, até nas nossas casas sentimos que os nossos filhos são tão diferentes de nós...). 

Embora estejamos sempre a evoluir, ninguém nasce ensinado. Desta realidade ninguém escapa.

E eu continuo a pensar que é melhor ter dúvidas, perguntar, que falhar... 

Sei que se olharmos para o "topo da pirâmide" descobrimos um país de "falhadores" por excelência, desde o primeiro-ministro ao presidente da junta mais escondida do mapa. Só que isso não devia servir de desculpa ou de consolo para ninguém...

(Fotografia de Luís Eme)

segunda-feira, outubro 24, 2016

Encontro com a "Deusa do Absurdo"...


Como a natureza não lhe ofereceu a beleza da musas, desde cedo que utilizou a imaginação para ser o centro das atenções.

Tenho quase a certeza que ela pintou o cabelo de verde antes da senhora que canta há mais cinquenta anos o "hino" do Sporting. Mas também utilizou o azul, o laranja e um ruivo quase Benfica.

E claro que a restante indumentária tinha de fazer "pandã" com o cabelo, transformando-a quase na "rapariga-palhaço" do liceu.

Nada que a incomodasse. O importante era dar nas vistas, ficar presa a olhares e comentários (mesmo que alguns fossem quase sujos...).

Trinta e alguns anos depois, cruzámos-se na cidade. 

Sem saber nada da sua vida, percebi que ainda mantinha alguma coerência na vontade de ser diferente, embora tivesse perdido, naturalmente, a graça, o "motor" com que se alimentava na juventude...

Agora sim, é uma perfeita "Deusa do Absurdo"...

(Desenho de Pablo Picasso)

domingo, outubro 23, 2016

Os Fotógrafos de Hoje, entre a Invisibilidade e o Jogo de Espelhos...

Nunca pensei que uma conversa simples sobre fotografia, num lugar cheio de gente com máquinas de tirar retratos e telemóveis - que fazem quase tudo, até tiram fotografias cada vez com mais qualidade...  - fosse tão proveitosa.

O meu companheiro de conversa começou por dizer que o que fazemos com as máquinas fotográficas diz mais de nós do que pensamos.

O gostar de fotografar pessoas, a preferência de tirar retratos à paisagem ou a predilecção pelos "auto-retratos", revela a nossa lata, a nossa timidez ou a nossa vaidade...

Reparámos na quantidade de pessoas que tentava  ficar na fotografia, sempre que lhe era possível. As tão populares "selfies"  e os tubos de plástico que se transformam em "braços" das máquinas, estavam mesmo na moda, neste "jogo de espelhos". Escolhiam um plano de fundo, sorriam e disparavam divertidos.

Foi quase envergonhado que lhe disse que nunca tinha tirado uma "selfie", pelo menos desde que elas estão na moda (claro que anteriormente já tinha tirado grandes planos..). Ele sorriu e disse-me que também não e nem sequer fazia ideia como é que o "tubo" funcionava.

Depois disse-me que quando começou a fazer fotografia gostava de tirar fotografias a pessoas. O problema era elas raramente ficarem como queria, faltava-lhes quase sempre naturalidade. Foi por isso que se foi especializando nos "instantâneos" com pessoas, de preferência distraídas. E quando quer uma fotografia com mais alma, prefere que não esteja ninguém por perto.

Achei curioso ele falar em "alma". Mas achei ainda mais curioso o esboço que ele tentou fazer de mim, ao dizer que eu era sobretudo um contemplativo,  que me esquecia que existia, ou seja, funcionava como se não coubesse dentro das máquinas fotográficas...

Sorri-lhe e disse que que isso se devia mais à falta de fotogenia que a outra coisa qualquer.

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, outubro 22, 2016

Apesar do Aviso, Insisti...

O aviso pintado na parede (em duplicado) era claro, nada de "poblicidade".

E percebe-se, uma casa daquelas, à espera de mais um inverno, para se desfazer mais um pouco, queria lá publicidade (com um o...).

Eu é que me estive "marimbando" para o aviso e estacionei um pouco à frente e não resisti a tirar um "boneco", desta casa que ilustra uma das muitas rotundas das Caldas da Rainha. Obra de um Costa de má memória (embora ele se julgue o maior da "cantadeira", e com toda a certeza, se pudesse, voltava ao "poleiro"...), que é um dos principais responsáveis por a Cidade onde cresci ter deixado de ser uma das referências do nosso país nas termas e na cerâmica, com perdas irreparáveis para uma parte significativa do comércio local...

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, outubro 21, 2016

Cores e Amores do Meu Oeste...

Este é o meu Mar.

Ontem estava belíssimo, pintado de um azul pouco habitual em Outubro...

Gostei de passear na minha praia, quase sem gente. Foi mais fácil e agradável escutar a música do Oceano...


Este é o meu Parque, um dos lugares mais paradisíacos da minha Cidade.

É sempre um lugar de passagem quando vou às Caldas, para distribuir olás, aos patos e também ao Rafael e ao Malhoa...

(Fotografias de Luís Eme)

quarta-feira, outubro 19, 2016

Um Livro por Dia...


Tenho me cruzado  logo pela manhã nas ruas de Almada com um senhor que trás sempre numa das mãos um livro.

Não seria nada de extraordinário, se  eu não tivesse reparado que ele trouxe nos últimos três dias, três livros diferentes.

Eu sei que podem existir mil e uma razões para o facto. Até a utilização do livro como adereço estético, utilizando a cor da capa com o resto da indumentária... mas acho que isso era ir demasiado ao pormenor. Talvez o senhor goste apenas de livros e adore passear com um deles no regaço.

Claro que este episódio me fez lembrar um outro, passado nos anos sessenta do século passado, em que um dos voluntariosos bibliotecários de uma das associações almadenses, embora não fosse grande leitor, fazia questão de sair da biblioteca, sempre com um livro debaixo do braço, por lhe oferecer uma aura de intelectual, que entre outras coisas, lhe aconchegava o ego de simples operário.

(Óleo de Aharon Kahana)

terça-feira, outubro 18, 2016

As Distracções Matinais...


Além das comentadoras diárias há mais leitores assíduos do "Largo". Há pelo menos três amigos que me costumam dar a entender que me leram, com uma ou outra frase, a meio desta ou daquela conversa, Às vezes nem os percebo à primeira porque já estou distante do que escrevi por aqui. Claro que falo de vocês (Carlos, Clara e Rita).

Foi bom a Rita aproveitar a "posta" de ontem para pôr a conversa em dia ao telefone, ao mesmo tempo que desculpava a senhora que saía de casa para parar o trânsito das ruas e avenidas. 

Disse-me que é mais normal do que parece que as mulheres pareçam mais parvas de manhã, porque não só circulam a "menos velocidades", como andam com os olhos mais distraídos que no resto do dia. E ofereceu-me uma frase lapidar: «nós não acordamos mal nos levantamos da cama, demoramos mais algum tempo que vocês. Às vezes a pasmaceira prolonga-se até ao almoço...»

Com esta explicação da Rita a senhora do metro ficou perdoada...

(Fotografia de Frank Horvat)

segunda-feira, outubro 17, 2016

«Tenha lá calma Senhora, não é preciso tanta agressividade sexual.»


Hoje tinha pensado não escrever nada aqui pelo "Largo", fazer uma pausa.

Estava esquecido das pessoas que andam por aí nas ruas, das palavras que libertam em momentos de inspiração, e que eu às vezes transformo em "posta"...

O metro acabara de chegar e quando nos preparávamos para entrar, uma mulher excessivamente pintada, com um vestido justo capaz de alimentar todo o género de sugestões e aberto lateralmente nas pernas - mostrando-as até quase ao fim -, entrou de rompante, deixando-nos todos surpreendidos.

Foi então que um fulano se saiu com esta: «Tenha lá calma Senhora, não é preciso tanta agressividade sexual. O comboio leva-nos a todos, não deixa ninguém na estação.»

Ficámos todos com um sorriso no rosto, excepto a "mulher fatal", que foi andando para outra carruagem, fingindo que a conversa não era com ela...

(Fotografia de Jacques Fath)

domingo, outubro 16, 2016

Esfregar Escadas e Escrever Poesia...


Fiquei mais alegre que surpreso, quando me disseram que a Cristina escrevia poesia e até já tinha um livro publicado.

Sei que se pode escrever poesia alimentada por estes tempos cruéis, em que qualquer emprego, por mais insignificante que seja, tem filas de pessoas à espera. A senhora "cunha" voltou a ser importante. Há até quem sonhe trabalhar como varredor de rua (é a forma que encontram de entrar para a função pública, esquecidos que já não é trabalho para toda a vida...) e há quem se ofereça para esfregar escadas, passar a ferro, entre outras actividades domésticas...

Ainda não sei qual a melhor forma de lhe dizer que quero um livro. Por saber que isso implica uma conversa com perguntas. Sim, quero saber coisas. Que tenha escondido tudo isto das pessoas, é compreensível (os poetas continuam a ser os mal amados da literatura...), mas quero saber de onde vem a sua poesia, se consegue fugir dos seus dramas pessoais ou não...

Sim dramas, há uma dor que ela não consegue esconder e aparece aqui e ali no seu olhar. Mas como eu tenho a mania de esperar que me contem as suas histórias, continuo aqui sentado. 

Mudando de "poesia", noto que sempre senti mais curiosidade pelas coisas colectivas e públicas, que pelas privadas. Nos meus tempos de jornalista sabia que havia uma linha que não era para passar (essa mesma que se tornou banal e que agora quase todos passam...).

Há também um mistério que gosto que se mantenha nas pessoas. Talvez isso tenha a ver com o meu gosto de "imaginar", de criar histórias...

(Óleo de Naliwajko Marzena)

sábado, outubro 15, 2016

A "Perdição" que Habita no teu Olhar...

Eu escutava e pensava na riqueza da nossa língua, nos significados diferentes que existem em apenas uma palavra...

Tu insistias: «Há uma altura em que começas a perder-te de ti, a sentir que cada vez sabes menos coisas de ti, que te transformaste numa outra coisa, diferente.»

Após uma pausa: «Mas o pior é que ainda sabes menos dos outros.»

E depois veio a tua palavra: «Isto é a perdição. A vida deixar de fazer qualquer sentido.»

Quando te deixei fiquei a pensar nas tuas palavras, no olhar dos outros. Na imensidão de gente que anda por aí perdida...

(Fotografia de autor desconhecido)

sexta-feira, outubro 14, 2016

Mantém-se Viva a Velha Tradição Sueca de Brincar Com os Escritores...

Todos os prémios são discutíveis, tal como os seus vencedores.

É por isso que acredito que o que mais valoriza qualquer prémio, é a justeza dos seus laureados.

Dos vários prémios Nobel distribuídos anualmente, o Nobel da Literatura é o que tem gerado mais controvérsia, principalmente nos últimos anos.

Já pensei mais que uma vez, que os elementos que compõem este júri são uns brincalhões tramados. São capazes de "escolher" um autor que quase ninguém conhece, apenas com o intuito de dar cabo da cabeça dos "apostadores" e da paciência dos "eternos candidatos", com parece ser o caso do nosso António...

Este ano até o Bob Dylan deve estar a sorrir. E se tiver o número de telefone de Roth ou De Lillo, é capaz de lhes telefonar, só para lhes dizer que não teve nada que ver com a brincadeira.

(Fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, outubro 13, 2016

Nem de Propósito (não fosse o Tejo o rio mais belo que corre na minha aldeia...)

Ontem escrevi o que escrevi... 

Hoje estive a assistir ao Colóquio "A Imagem de Lisboa: o Tejo e as Leis Zenonianas da Vista para o Mar" e fiquei a saber que há mais de 1500 anos já havia a preocupação de proteger as boas vistas para o mar (pelo imperador Zenão na Constantinopla...). Preocupação que chegou ao Tejo alguns séculos depois, esse rio cuja grandeza nos fazem olhá-lo como um Mar...

Nada de estranho. Os lisboetas sempre gostaram mais do Tejo que os almadenses... 

quarta-feira, outubro 12, 2016

«Esta gente tem medo de olhar para o Tejo»

Pensei em ti e tentei escrever um poema sobre o que pensavas (e que eu concordava em parte...), quando chegavas a Cacilhas.

Não conseguias gostar de nada. Achavas que não podia existir pior cartão de visita que um lugarejo tão feio, e que maltratasse tanto o Tejo...

Hoje as coisas estão um bocadinho melhores, talvez até gostasses de passear pela Rua Direita, mas sei que é muito pouco.

Entretanto encontrei um recorte de jornal com a notícia sobre a discussão de um dos plano de pormenor locais, em que um  ou dois apaixonados por cidades com torres, queria transformar o morro de Cacilhas num prédio de 100 andares. Se era para ser atracção turística, era uma coisa muito pobrezinha, ali quase ao lado da Fragata e do Submarino, mais a lembrar Pequim que Nova Iorque.

Fiquei a imaginar o que me dirias sobre essa coisa. Talvez me perguntasses quem seriam as pessoas que queriam morar num prédio com tantos andares... Talvez me falasses dos prédios da Reboleira que mais ano menos anos acabam por implodir...

Um dia chegámos a Cacilhas e o barco já não nos quis levar. Ocupámos os vinte minutos que distavam da próxima viagem para Lisboa com um passeio curto pelo Ginjal. Uma das coisas que dissestes foi: «esta gente tem medo de olhar para o Tejo.»

Talvez tenham mesmo medo e precisem de uma torre para olharem o "Rio da Minha Aldeia" de alto para baixo. Como se o Tejo fosse menino para perder a sua grandeza...

(Fotografia de Luís Eme)

terça-feira, outubro 11, 2016

Macário e o Manuel, Quase Personagens de Romance...


Descobri o Macário por um mero acaso. Mas foi uma boa descoberta, em apenas meia hora descobri uma personagem lisboeta que cabe num daqueles romances que se podiam escrever sobre uma Lisboa, povoada de cenas dignas do tão apaixonante realismo mágico.

A exuberância com que entrou na tasca onde almoçávamos, com o seu corpo trabalhado no ginásio do Ruca quase a dançar e a fazer saltitar o fio grosso de pechisbeque de cor dourada, não deixou ninguém indiferente. Parou na nossa mesa para dar um beijo ao padrinho. O Manel perguntou-lhe se já tinha almoçado, ele disse que não, acrescentando que ainda lhe faltava o pequeno almoço, com uma piscadela de olho e foi ao balcão comprar um maço de tabaco. E depois partiu como chegou com a mesma dança no corpo, com umas calças brancas apertadas e uma camisa colorida, que poderiam colocá-lo numa lista de suspeitos que se amanhavam com a "paneleiragem", como quase nos segredou o Vitor, à espera da reacção do dito padrinho...

O Manel sorriu e disse que o Macário não rejeitava carga, desde que lhe pagassem uns trocados para continuar com a sua vida boa. Mas preferia mulheres, "camones", que ensinava a dançar nas pistas dos clubes nocturnos e nos quartos de hotel.

E depois ofereceu-nos a sua biografia de mão beijada: «Quando um puto cresce no mesmo prédio que acolhe uma pensão de prostitutas e uma casa de jogo clandestino, habitua-se a adormecer a ouvir gemidos falsos tapados por tangos lentos com bons ares. Quando chega e vai para a escola cruza-se com raparigas de mini saia que lhe piscam o olho e homens de camisas garridas que fazem argolas com o fumo dos cigarros, que fingem não reparar nele, pode ter tudo menos uma vida normal.
Não gostava de estudar, mas mesmo assim prometeu a ele próprio fazer tudo para escapar do destino traçado para os filhos das mulheres que passam a vida a esfregar escadas e dos homens que batem chapas de carros batidos. E conseguiu-o. Preferiu ser um "gabiru" ou "moinante", como a mãe ainda hoje lhe chama, quando a visita, a um simples operário. Eu sou o tio que lhe foi aparando as pontas, e passou a fazer a ponte com os pais quando resolveu sair de casa aos dezasseis anos.
Nunca soube muito bem o que ele fazia e faz. Sei apenas que onde quer que entre, toda a gente pára para o olhar, como se fosse uma gaja boa. Gaba-se de dançar e foder como ninguém. talvez seja esta a chave do seu sucesso. Embora seja um daqueles fulanos em que só devemos acreditar em metade do que nos diz, há muita mulher por aí que gosta destas duas coisas e não têm quem as deixe felizes, nos bailes e nas camas.»

Para acabar ainda melhor, Manel acrescentou: «o meu sobrinho tem ainda uma grande vantagem, cresceu naquele prédio cheio de manchas, mas não é filho de nenhuma puta nem de nenhum batoteiro. Isso faz toda a diferença, ele além de ser um sedutor, é um gajo porreiro, incapaz de roubar fios de ouro ou carteiras a quem quer que seja. Toda a gente gosta dele, desde a mulher que já dançou com ele ao dono do bar do fado vadio onde ele canta e encanta, sempre que pode.»

O que mais nos surpreendeu, nem foi o bom do Macário, foi sim o orgulho desmedido que o Manel tem por aquele "doidivanas" que, segundo o seu olhar,  preferiu em boa hora ser "cigarra" e nunca "formiga"...

(Óleo de Pike Koch)

segunda-feira, outubro 10, 2016

«Quando a vida amarga, ninguém nos oferece rebuçados...»


Não houve qualquer telefonema, apenas um encontro fortuito depois da inauguração de uma exposição...

Fiz uma visita rápida (gosto sempre de passar depois, para olhar as coisas sem perturbações...) e quando me preparava para me "despedir à francesa", ouvi uma voz a chamar-me. Olhei para trás e descobri uma mulher a caminhar na minha direcção. Era ela mesmo. Deve ter vindo ver se o Tejo ainda estava no mesmo sítio, naquele que era o meu miradouro preferido de Almada...

Depois da dúzia de palavras de circunstância habituais, ela disse que também se ia embora e quis fazer-me companhia... 

Fomos andando e conversando (embora eu fosse praticamente só ouvinte...). Os dramas dos seus últimos meses foram saltando cá para fora, deixando-a mais livre e solta, à medida que caminhávamos, com os olhos a ficarem mais húmidos aqui e ali.

Há um momento em que tive mais dificuldade em esconder o ar surpreso, quando me perguntou se eu ainda a achava uma "gaja gira", dei uma volta sobre ela e disse que sim, com um sorriso. Chamou-me mentiroso (chamam quase sempre para confirmarmos o que dizemos...). Além de confirmar acrescentei mais algumas palavras doces, por perceber que a sua auto-estima precisava de ser puxada para cima.

Antes de nos despedirmos disse-lhe que me podia telefonar sempre que quisesse. Abraçou-me com aperto, apesar do dia ser de Verão. Antes de escapar para o passeio do outro lado da rua ainda vi uma lágrima a escapar do seu rosto que queria sorrir...

Continuei a minha marcha até casa, concluindo o óbvio: «quando a vida amarga, ninguém nos oferece rebuçados...»

(óleo de Rudolf Schlichter)

domingo, outubro 09, 2016

O Meu Olhar Limitado...


Sei que sou um pouco conservador no campo das artes.

Talvez essa seja a explicação maior - entre outras limitações pessoais no campo da linguagem estética, compreensíveis - para o facto de eu não entender a "arte-espelho" (esta designação é pessoal, foi a melhor imagem que me saiu da cabeça...), que no nosso país tem como protagonistas maiores Helena Almeida e Jorge Molder.

Não entendo nem consigo valorizar artisticamente esta arte em que somos autores e protagonistas em simultâneo...

Muito menos me convence a frase da Helena Almeida: «A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra», ainda que seja verdade, neste caso particular...

(Fotografia de Helena Almeida)

sexta-feira, outubro 07, 2016

A Mistura de Azulejos do Seminário

Hoje fiz uma volta diferente e acabei por entrar no Seminário de Almada (os portões estavam abertos...) e fiquei por ali, a espreitar o Tejo e Lisboa, em mais um dos excelentes miradouros da Outra Banda.


Apesar de gostar da forma desordenada como foram colocados os azulejos nas paredes dos muros do miradouro, fico sempre sem saber ao certo, porque razão foram colocados desta forma...

Talvez tenham sido sobras de qualquer "batalha", que até poderá ter sido o terramoto de 1755... 

Um dia destes tenho de perguntar a alguém que possa saber deste "mistério"...

(Fotografias de Luís Eme)

quinta-feira, outubro 06, 2016

O Mar de Outubro

Não me lembro de um "Verão" tão longo, nem da possibilidade de andar apenas de camisa no Outono.

Claro que isso não altera em nada as minhas rotinas diárias. Mesmo gostando do mar, não sinto qualquer atractivo pela praia em Outubro. Talvez seja um sintoma de velhice...

Mas ao olhar o Oceano, sinto que ele já se rendeu ao Outono. A ondulação é diferente e até a areia tem outra cor, vitima do facto de o Sol não subir tão alto, Está mais preguiçoso, acorda mais tarde e também se vai embora mais cedo...

(Fotografia de Luís Eme)

quarta-feira, outubro 05, 2016

A República e a Complexidade da História

106 anos depois da implantação da República, reparo que ainda existem várias contradições e opiniões divergentes sobre as movimentações revolucionárias desse começo de Outubro de 1910.

Há alguns acontecimentos que acabam por marcar toda a evolução deste movimento, uns negativamente outros positivamente. Refiro-me ao assassinato do médico Miguel Bombarda (3 de Outubro) ao suicídio do Almirante Cândido dos Reis (4 Outubro), e à antecipação da revolução em vários Concelhos das áreas limítrofes da Capital (4 de Outubro), como foi o caso de Almada, Loures, Moita e Montijo - então Aldeia Galega.

Eu continuo a pensar que existe um facto decisivo: a teimosia e a coragem de Machado Santos e de todos os heróis da Rotunda, que acreditaram sempre na Vitória Republicana e não desistiram de lutar (contrariando outros republicanos, que se sentiram derrotados ainda antes do desfecho final e viraram as costas à República...).

terça-feira, outubro 04, 2016

Quando te Sentes um Estorvo...


Ontem ao almoço tive conhecimento de um drama, que deve ser mais comum do que se pensa no nosso país. Mas como andamos quase todos distraídos com as redes que dizem ser sociais, o mundo real começa a passar-nos ao lado...

Um homem com pouco mais de cinquenta anos colocou termo à vida, provavelmente sem mais forças para lutar contra os inúmeros problemas que lhe surgiam todos os dias, graças ao flagelo do desemprego prolongado.

Desistiu porque se devia sentir um estorvo, até para a própria família, da qual deve ter sido durante anos e anos o principal sustento.

Optou por dar um grito de revolta, surdo, que no mínimo deve fazer pensar todos aqueles que o conheciam de perto e que andaram demasiado tempo distraídos...

(Fotografia de Bror Johansson)

segunda-feira, outubro 03, 2016

O Poder e as Mulheres Pouco "Kristalinas"...


Penso que poucas pessoas têm dúvidas que um dos espaços que acolhe mais oportunistas por metro quadrado são as instituições partidárias. Isso acontece porque a sua especialidade principal é distribuir cargos bem remunerados pela gente da sua "confiança" (por mais incompetentes ou medíocres que sejam...).

É por isso que é possível encontrar nestas estruturas, entre outras coisas, "porcos ciclistas" ou "elefantes equilibristas".

Normalmente nada se estranha neste mundo, entranha-se.  O que acaba por explicar a "aparição misteriosa", quase no último minuto, da búlgara Kristalina, na luta pelo cargo de Secretário Geral da ONU.

Não sei quantas mulheres estarão felizes com esta oportunidade de existir pela primeira vez uma "Secretária Geral da ONU", calculo que muitas.

Eu também ficaria feliz se a senhora Kristalina (tal como a sua madrinha Merkl...) fosse de facto uma mulher, com a beleza, a sensibilidade e a personalidade feminina bem vincadas, e não mais um daqueles exemplares saídos dos primórdios do feminismo, que não passam de mais uma "cópia de homens". Eu pelo menos quando olho para elas, sinto que para além de algumas diferenças físicas evidentes, a sua maneira de vestir e de estar, se identifica sobretudo com o "mundo dos homens" e não com o "mundo feminino".

(Fotografia de Terry O'Neil)

domingo, outubro 02, 2016

Um Diário Diferente, com Mais Mundo...

Uma das perguntas que me fazem com mais frequência do que eu desejava, é como é que tenho tempo para fazer tantas coisas e ainda ser pai e marido.

Provavelmente não sou tão bom pai e marido como devia ser...

Mas depois noto que também perco muito tempo a não fazer coisa nenhuma (como quase todos nós...). Ou seja, podia fazer muito mais coisas...

Claro que há uma característica pessoal que faz toda a diferença: a minha facilidade em escrever (é uma das explicações para continuar a escrever em blogues, dez anos depois, sem grandes quebras e perdas de ritmo (sim, eu sei que as "Viagens pelo Oeste" estão mais paradas...). É também ela que explica que escreva ficção, ensaio, poesia e teatro, cada vez com mais naturalidade.

Mas além da facilidade em escrever também penso e imagino bastante.

É uma das explicações para  num domingo de manhã, me levantar da cama ainda antes do galo da vizinhança cantar (eu sei que ele que não é exemplo para ninguém, pois deve gostar mais de dormir que eu e só lá para as nove é que começa a cantar...). Porque comecei logo a matutar num projecto para o fim do mês e não podia de forma alguma deixar as ideias escaparem...

Como escrevo directamente (99% das vezes) no "bloguer", acabo por me perder muitas vezes no caminho. Ou seja o que escrevi até aqui, parece ter pouco a ver com o título desta "posta". Mas é isso que faz do "Largo" um diário diferente, com mais mundo (segundo as estatísticas até chega aqui gente da China).

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, outubro 01, 2016

A Melancolia e o Sentimento de Perda de Outubro...

É curioso o mês de Outubro ser o mês da música.

Sempre achei este mês o mais estranho do calendário.

Claro que já não experimento o sentimento de perda do fim da adolescência começo da idade adulta (foram vários os amores de Verão que ficaram enterrados na areia...), mas a melancolia continua bem presente, de mão dada com o Outono das folhas caídas e das árvores tristes e nuas. Outono esse que este ano anda brincar às escondidas, escolhendo este Verão que quer durar pelo menos meio ano, como "esconderijo da sorte"...

Estou a escrever a e a ouvir Hamilton Leithauser, que nem sequer sabia de que terra é, sei apenas que é (ou era...) vocalista dos "The Walkmen", mas que me sabe bem ouvir a solo.

Escolhi esta fotografia com o Hamilton, um banco de jardim e a caixa da sua guitarra, porque é desta estação, pouco dada a alegrias.

Mas nem tudo é mau em Outubro. Costumo escrever bastante neste mês em que sinto que acabam mais coisas do que começam...

(Fotografia de autor desconhecido)