domingo, janeiro 31, 2016

Reflexões Literárias...

Na próxima quarta-feira sou o convidado do Ciclo, "Escritores - Memórias Vivas de Almada", que começa às 18 horas, na Sala Pablo Neruda, do Forum Romeu Correia.

Hoje estive a escrever parte da minha intervenção, que acaba por ser o reflexo dos meus 20 anos de carreira literária. Transcrevo aqui uma pequena parte, em que falo da ficção:

«Com todas estas aventuras a ficção ficou para trás. Não que tenha deixado de escrever histórias. Tenho centenas de contos escondidos no computador, cuja maioria ficará por lá, eternamente, sem qualquer chatice. Também tenho uns três ou quatro romances incompletos...
Estão incompletos porque nunca me escaparam. Nunca ganharam vida própria.
Sei que para mim é impossível voltar a escrever um romance e ter uma vida normal. Para o fazer sei que teria de me isolar, me esconder em qualquer aldeia e ficar por lá refém do livro e das suas personagens, esquecido da minha família, pelo menos por alguns momentos…
Claro que todas estas aventuras se devem à minha facilidade em escrever, sem complexos, coisas grandes, pequenas, de valor literário ou apenas escritos de amizade.
Quem me conhece melhor às vezes diz que me devia levar mais a sério. E que é isso que faz com que não faça "voos mais altos". É provável que isso aconteça, mas gosto muito de ter os pés no chão, mesmo quando visito a Lua…»

(Fotografia de Gena Souza)

sexta-feira, janeiro 29, 2016

Talvez Sim, Talvez Não... Mas Acho que Sim...

Uma agência com a qual colaboro há já alguns anos mudou de chefia. 

A mulher que comandava a pequena, mas enérgica equipa de trabalho, era uma simpatia e proporcionou-me a possibilidade de a conhecer melhor e também de me sentir "em casa" naquele pequeno armazém de ideias (maioritariamente feminino). Mas a "concorrência" fez-lhe uma proposta mais aliciante e ela partiu...

Foi substituída por um homem. Pensava que não ia notar grandes diferenças. Mas nos primeiros contactos já notei muitas novidades, ao ponto de ter passado a viagem de cacilheiro a pensar que trabalho melhor com mulheres que com homens, apesar de ter muito mais amigos que amigas.

Ainda tentei "desenganar-me", dizendo para os meus botões que talvez não seja uma questão de género, mas apenas de conjugação (ou não) de feitios, aquilo que normalmente chamamos de empatia.

Mas não fiquei muito convencido. Ainda pensei que provavelmente sou mais permissivo com as mulheres, que têm muito mais jeito para nos levar à certa. 

Foi por isso que dei uma volta por outras relações de trabalho e fiquei quase convencido que normalmente o diálogo com o sexo feminino é mais calmo e enriquecedor, sendo também mais fácil chegar a consensos. 

(Óleo de Michael Bartholomew)

quinta-feira, janeiro 28, 2016

A "Alegria Breve" de Virgílio


Se Vergílio Ferreira fosse feito da mesma massa de um Manoel de Olveira (que tinha realmente algo de imortal...), estaria por cá a comemorar os seus cem anos de idade. Haveria certamente muita festa na "aldeia". 

Sei que hoje será recordado um pouco por todo o lado. Além dos blogues, os jornais também falarão dele nas páginas culturais, até a televisão é capaz de lhe dispensar um minuto (só espero que não andem por aí a perguntar como era o professor, em vez de recordarem o escritor)...

Mas o mais importante é que a sua obra sobreviveu-lhe. Sei que é um escritor lido e recordado com alguma normalidade (não se pode pedir mais, até porque nunca foi um escritor popular ou fácil...), numa época de grandes esquecimentos.

A primeira obra que li da sua autoria foi "Manhã Submersa", que gostei bastante de ler, por ter conhecido um mundo quase secreto, onde se educavam (com demasiada crueldade, diga-se de passagem...) os futuros "guardiões de Deus".

Como gosto muito de diários, autobiografias e afins, li com interesse redobrado uma boa parte dos volumes da sua "Conta-Corrente" (são nove no total), que são sempre olhares preciosos sobre a sociedade.

Mas a obra que mais gostei de ler (e curiosamente foi a última que li...) foi a sua "Alegria Breve". Não tanto pela história, mas pela excelência de escrita.

quarta-feira, janeiro 27, 2016

O Homem Renascido (Ou Seria um Irmão Gémeo?)


Embora não dissesse nada a ninguém, não conseguia disfarçar a grande pena que sentia de si próprio, por chegar à etapa final sem ninguém. Era por isso que se entretinha a despejar copos de bagaço. Ao quinto começava a chorar como uma "madalena arrependida" e dizia coisas a que já ninguém ligava, muito menos as pedras da calçada.

A primeira vez que reparei nele foi quando o ouvi gritar: «nem a merda de um filho fui capaz de fazer.» Ali mesmo ao lado vi os companheiros de copos a rirem-se e a contarem histórias sobre as mulheres que lhe foram enfeitando a testa. como se ele não estivesse ali presente. Pouco tempo depois ele começou a chorar. Nada que afectasse os outros, que não pararam de rir nem de contar as histórias dos seus desamores, como se estivessem habituados aquele teatro trágico...

Voltei a encontrá-lo mais vezes, sempre com o mesmo registo.

Entretanto deve ter passado um ano e...

Não sei o que aconteceu nem qual foi a cambalhota que deu. Só sei que gostei de o ver de barba desfeita, vestido com uma roupa sem manchas, a beber um café apenas com a companhia de uma garrafa de água...

Talvez fosse outra pessoa. Quase um irmão gémeo.

(Fotografia de Francesc Catalã-Roca)

terça-feira, janeiro 26, 2016

«As pessoas sem dignidade vendem-se por tostões.»


O pai de um amigo contou-nos uma história que lhe aconteceu na empresa onde trabalhou, que diz muito da pequenez das pessoas, capazes de cometer as maiores desonestidades por tão pouco. Ele até nos disse que é por isso que uma boa parte das pessoas nem se mostram muito escandalizadas com os "roubos" dos banqueiros. Alguns até têm o desplante de dizer que no lugar deles faziam o mesmo.

Mas vamos lá à história. Tudo começou quando lhe chamaram a atenção para as reclamações sobre a sessão de "perdidos e achados" da empresa de transportes onde trabalhava. 

Numa primeira abordagem disseram-lhe que estava tudo normal, que os objectos de valor normalmente eram levantados pelos legítimos proprietários, pouco tempo depois de ali serem entregues. Isso fez com que não percebessem  o porquê de tantas reclamações na sede da empresa. Acabaram por chamar alguns dos lesados, para se inteirarem da sua razão, ou não.

Depois fizeram uma visita ao local e estranharam que só lá se encontrassem objectos velhos e sem valor, que ninguém levantava, por razões óbvias. Consultaram os livros de entradas e saídas, atentos aos objectos "desaparecidos" dos reclamantes. Perceberam que as assinaturas de quem levantava os objectos não só eram falsas como demasiado parecidas. 

Concluíram que a melhor maneira de chegar a algum lugar era "armadilhar"  um objecto (um bom relógio de marca), que seria supostamente perdido, para depois lhe seguirem os passos...

Com a ajuda de um "infiltrado" souberam que relógio viajara até uma casa de penhores, logo na semana seguinte a ter sido dado como perdido. 

A suposta pessoa que o perdera entretanto passou por lá e o funcionário começou por lhe disser que não tinha sido entregue nenhum relógio na secção. Mas ela insistiu e disse ao homem que conhecia o motorista do autocarro e que este lhe tinha garantido que encontrara o relógio e o entregara a quem de direito. O homem dos perdidos e achados ficou um pouco engasgado, mas limitou-se a abanar os ombros, a dizer que devia haver algum mal entendido, mantendo a versão anterior, que ali não tinha chegado nada.

Posteriormente visitaram o dono da loja de penhores, pediram para ver o relógio e ameaçaram-no, caso não colaborasse, com a ameaça do encerramento do estabelecimento com a respectiva participação às entidades competentes. Este acobardou-se e chegou-se ao "líder" de toda aquela negociata e desmontando a "golpada".

Os funcionários envolvidos no estratagema foram despedidos e o dono da casa de penhores devolveu os objectos que ainda estavam na loja, embora alegasse sempre que não fazia ideia que se tratava de coisas entregues na sessão de "perdidos e achados".

Quando o senhor disse que, embora aquele exemplo fosse uma insignificância podia ser transposto para quase todos os sectores da nossa sociedade, acrescentando um lugar comum, «as pessoas sem dignidade vendem-se por tostões.», nós não podíamos fazer outra coisa, que não fosse concordar...

(Óleo de Frank Fleuren)

segunda-feira, janeiro 25, 2016

O Novo Presidente e Estas Sondagens (Irritantes)

Embora tenha acontecido o que se esperava, quem não pertence à área política de Marcelo Rebelo de Sousa alimentava a esperança de uma segunda volta, da possibilidade de um novo "tira-teimas", desta vez só a dois. E com o imaginário em Freitas e Soares, embora hoje tudo seja diferente, com uma esquerda mais desunida...

E o mais curioso é que as divisões não se verificam entre os partidos de esquerda, mas sim no interior do próprio PS. Não tenho grandes dúvidas que muitos dos "inimigos" do Costa e "amigos" da Maria de Belém, preferiam aclamar Marcelo como presidente a votar em Sampaio da Nóvoa.

E estas sondagens (tão certeiras...) continuam a irritar-me. Já nas eleições legislativas, nunca acreditei na vitória da coligação de direita. Pensava que os seus quatro anos de governação, em que colocaram o país num estado miserável, tinham sido suficientes para empurrarem as pessoas para outro tempo, mas não. E agora fiei-me um pouco de sermos um país maioritariamente de esquerda, esquecido que metade da nossa população prefere não escolher, entregar-se à vontade dos outros. São sobretudo estes que merecem os Passos, os Portas e os Cavacos...

E agora só espero que Marcelo seja o que disse no seu discurso de vitória, porque precisamos de um presidente responsável em Belém e não de um "catavento". Já nos chegaram os últimos dez anos, povoados de "cobardias" e "silêncios", bem escondidos nos roteiros cavaquistas "do nada".

(fotografia de Luís Eme)

domingo, janeiro 24, 2016

«Todos os grandes homens são comunistas.»


Ontem assisti em Almada a uma sessão de homenagem ao poeta Joaquim Namorado, na sala Pablo Neruda, do Forum Romeu Correia, organizada pela Associação Cultural Manuel da Fonseca.

Os quatro elementos da mesa de honra (Fernando Fitas, Henrique Dória, Alexandre Castanheira e António Pita) prestaram um belo serviço à memória deste homem, que foi muito mais que poeta. Foi professor, resistente comunista e até jornalista (principal responsável pela revista cultural "Vértice", quando esta era publicada em Coimbra...).

No final foi dada a possibilidade à plateia de fazer  perguntas sobre o homenageado à mesa. 

Por a sessão ter sido um pouco longa não foi levantada nenhuma questão, mas mesmo assim houve duas intervenções, uma delas com uma síntese do que se passara e a outra para enaltecer o ideário político do homenageado. Embora a pessoa em causa tenha começado por sublinhar a importância da cultura na sociedade, assim que teve oportunidade  "vendeu o seu peixe" - ao qual não faltou o tratamento a todos presentes por "camaradas", culminando com esta frase: «Todos os grandes homens são comunistas.»

Eu, que marxista me confesso, mas pouco dado a fundamentalismos, sejam eles religiosos, desportivos ou políticos, lembrei-me logo naquele momento de Miguel Torga, Sophia e Jorge de Sena. 

Claro que só houve uma pessoa que respondeu ao senhor, e com bonomia, para não "estragar" uma sessão tão importante para a preservação da memória.

É pena que muitas pessoas não percebam que existe mais mundo para lá dos seus "credos". E basta olharmos o "mundo" de frente para sentirmos os males desta "doença" que se chama fundamentalismo...

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, janeiro 23, 2016

«Eu tinha-te avisado. Ela não era mulher para ti.»


Estava triste e revoltado, quase capaz de esmagar a mão contra a parede,  por não ter coragem para se travar de razões com o sujeito que se pavoneava no bar e que diziam ser amante da sua mulher. Embora fosse um homem cheio de dúvidas, não conseguia acreditar que ela o traísse.

O que não suportava mais eram os olhares de lado daquela gente, capazes de o catalogar como cornudo, nas suas costas, entre sorrisos trocistas.

Aquele que considerava amigo em vez de o ajudar disse-lhe: «Eu tinha-te avisado. Ela não era mulher para ti.»

Virou-lhe as costas sem lhe responder.

Sozinho, questionava-se, «porque razão se tinha apaixonado daquela maneira, que lhe fazia tanto doer?»

Quando chegou a casa começou a fazer as malas, decidido a afastar-se da mulher que amava loucamente, antes que fizesse alguma loucura.

Talvez ainda houvesse alguma esperança para o casamento. Bastava ele conseguir amar a esposa de uma forma normal.

(Óleo de Howard Chandler Christy)

quinta-feira, janeiro 21, 2016

O Adeus de Nuno Teotónio Pereira

Deixou-nos ontem o arquitecto Nuno Teotónio Pereira.

Não posso deixar de escrever algumas linhas sobre um excelente ser humano e um dos grandes arquitectos portugueses do século vinte. Ele e Nuno Portas tiveram um papel ímpar na renovação da arquitectura portuguesa e na atenção que dispensaram à habitação social.

Nuno Teotónio Pereira também está de alguma forma ligado à Margem Sul, a Almada, pois passou parte da sua meninice no Ginjal, na casa de família edificada nas traseiras dos armazéns de vinho e azeite Teotónio Pereira, num período em que o pai, Luís Teotónio Pereira, também foi presidente da Câmara Municipal de Almada.

Apesar de descender de uma família da chamada "aristocracia salazarista", Nuno conseguiu dar um passo em frente, juntando-se aos católicos progressistas no combate contra a injustiça e repressão do regime, rompendo com toda a hipocrisia reinante no meio onde estava inserido. 

Quando se deu o 25 de Abril Nuno estava na prisão de Caxias, depois de ter sido preso por participar na vigília da Capela do Rato a 30 de Dezembro de 1973.

Foi amigo pessoal dos primos Zé e Elisete. Era uma pessoa muito agradável e de trato fácil. Conversámos algumas vezes, inclusive na Casa da Cerca de Almada, onde era presença habitual nas exposições artísticas, antes de perder a visão.

(fotografia de autor desconhecido)

quarta-feira, janeiro 20, 2016

A Dor Que Antecede o Parto Criativo...


Na semana passada estive com um amigo poeta, com obra publicada, que me confessou estar a viver um dos maiores dramas da sua existência, pois há largos meses que não consegue escrever um poema, por mais pequeno que seja.

Para o cidadão comum isto até pode parecer quase anedótico e servir para dizer que os poetas não passam mesmo de uns fingidores...

Mas qualquer "criador" percebe bem o drama deste meu amigo.

António Lobo Antunes fala muito disso nas suas entrevistas. A transcrição que faço da revista "Visão" de Junho diz quase tudo sobre o acto de criar:

«Sinto-me como um cão à procura de um osso enterrado que não sabe onde está. Cavo aqui com as patas da frente, cavo acolá e nada. Se calhar acabaram-se os ossos, se calhar acabei. É sempre assim e o medo de não ser mais capaz é horrível. Um vazio, uma angústia. Não sei fazer mais nada, desde que me conheço não faço mais nada. Sento-me nesta cadeira, sento-me naquela. Eu só queria sentir qualquer coisa a inchar cá dentro, ainda não bem palavras, uma coisinha qualquer, mesmo mínima, que depois, pouco a pouco, se transforma, cresce, ganha sentido, vai aparecendo.»

(Óleo de Everett Shinn)

terça-feira, janeiro 19, 2016

«Que gente tão amarelinha.»


A mulher passou por mim e pediu-me um cigarro, disse que não tinha. Chamou-me mentiroso com um ar trocista, enquanto avançava e se metia com outro, com a mesma história.

Foi assim até ao fim da linha, sem conseguir cravar um cigarro.

Foi então que lamentou em voz alta: «Que gente tão amarelinha.»

Ninguém lhe respondeu mal, muito menos a mandaram calar. Vim a saber depois que não podiam. Isso era um convite para que ela usasse outro tipo de linguagem, quase pornográfica, que muitas vezes deixava de ser divertida e passava a ordinária.

Foi salva por alguém que tinha estado a fumar lá fora e assim que entrou, estendeu-lhe um cigarro daqueles que se dão sem palavras.

Ela agradeceu com uma vénia e saiu, decidida a fazer-se à vidinha. Reparei que deixou os espectadores quase em suspense, como se tivessem receio de que ela se arrependesse e voltasse atrás.

O João quebrou o silêncio e disse-me que ela não era de cá. Tinha uma tia na rua de cima com quem vinha almoçar de vez enquanto. Aproveitava quase sempre a viagem a Almada para ver se continuava tudo no mesmo sitio por ali, ao mesmo tempo que, se lhe dessem espaço, "agitava um pouco as águas".

(Óleo de Xia Junna)

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Entre a Surpresa e o Desafio da Fúria de um Olhar

Era difícil enfrentar aquele olhar que quase me fustigava, mas não me desviei um milímetro. Acho que o fiz mais pela surpresa que por outra coisa qualquer. 

Não passava de um jovem  com idade para ser meu filho, completamente desconhecido. Provavelmente travava uma "batalha" contra ele próprio, como é próprio destas idades, e pelo caminho tentava envolver quem lhe surgia pela frente. Ainda o tentei desculpar, dizendo para os meus botões que ele estava a olhar para o "mundo", que se encontrava logo ali, atrás de nós.

Antes do metro aparecer ele resolveu "entrar noutro filme", Baixou a cabeça e escondeu o olhar de mau rapaz.

Enquanto esperava não fui capaz de ficar indiferente ao jovem que estava agora de costas. Pensei que a vida raramente é aquilo que sonhamos. Embora pouco ou nada nos valha tentar culpar os outros pelas ondas de fracasso que nos rodeiam. 

Ele, mesmo que não tivesse dado por isso, ainda tinha todo o tempo do mundo para dar a volta por cima e aproximar-se do território dos sonhos.

O que não resolve nada, mesmo nada, é olharmos para os outros como se nos devessem alguma coisa, enquanto continuamos a caminhar sós na direcção do vazio...

(Óleo de Guy Troughton)

domingo, janeiro 17, 2016

A Realidade Passa o Tempo a Passar Rasteiras à Ficção


Sei que me estou a repetir, mas é mesmo verdade, a realidade passa o tempo a passar rasteiras à ficção. Algo que por vezes deixa os escritores um pouco desconfortáveis, porque sentem que basta pegar num jornal para encontrar matéria para qualquer conto ou romance.

Podia falar da mulher que queria ser candidata a presidente da República e que foi fintada por uma tempestade nas ilhas açorianas, que lhes levou as folhas com as assinaturas de apoio...

Ou então do homem que já depois dos quarenta decidiu tornar-se caçador, por ter um ódio de morte aos pássaros que habitavam nas árvores rente à sua casa e lhe "sujavam" o carro todo...

Não vou comentar as duas notícias (que podiam ser mais). Até porque podem ser "invenções" dos jornalistas.

Claro que a imaginação é outra coisa, embora este mundo pareça estar cada mais "ficcionado"...

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, janeiro 16, 2016

Passeio Agradável ao Fim da Tarde no Ginjal

O Sol já se preparava para partir quando decidi fazer uma caminhada. Como arrefeceu pensei que poderia estar desagradável rente ao Tejo. Mesmo assim lá fui, bem agasalhado, até ao Ginjal...

Acabei por ficar surpreendido com toda a serenidade que se sentia à beira rio, tornando o passeio bastante agradável.

Fui-me cruzando com alguns jovens. Muitos usavam o telemóvel como máquina fotográfica à procura de "bons bonecos", piscando o olho ao Tejo como cenário.

Normalmente a maior parte das pessoas com quem me cruzo são forasteiros ou pescadores (hoje não encontrei nenhum, talvez não fosse dia de peixe no Tejo...). Há sempre mais estrangeiros que portugueses entre os turistas, provavelmente por o Ginjal estar presente nos pequenos roteiros que trazem nos bolsos.

Raramente troco alguma palavra com as pessoas com quem me cruzo. Os pescadores estão quase sempre metidos consigo mesmo e limitam-se a olhar de lado para quem passa, como se não passássemos de intrusos.  E os turistas estão ali sobretudo para contemplar a paisagem ribeirinha.

(Fotografia de Luís Eme)

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Os Livros e a Escrita


Comecei a ler hoje  "Cemitério dos Desejos", um romance do filósofo José Gil, publicado em 1990. A descoberta deste livro na Biblioteca da Incrível foi um mero acaso, até porque eu nem sequer sabia que José Gil escrevia ficção...

O mais curioso foi a vontade que senti de escrever, logo nas primeiras páginas. As ideias surgiram quase de rompante e até um título (para pelo menos um conto...), preso à grande aventura que é entrarmos numa cidade gigante, de carro, sem a conhecermos minimamente. Lembrei-me das ruas de Lisboa de sentido único, que tantas vezes nos afastam dos lugares para onde queremos ir...

E lá enchi duas páginas de um dos meus "cadernos de ideias".

É sempre bom encontrar livros que querem falar connosco e são capazes de nos encher a cabeça de ideias. Ideias que na maior parte das vezes nem têm nada a ver com a sua história (com alguns filmes passa-se a mesma coisa...). Outro aspecto não menos curioso, é este elo de ligação não estar necessariamente ligado com a sua qualidade literária...

(Óleo de Marcel Duchamp)

quarta-feira, janeiro 13, 2016

Vanderlei Paris, Vendedor de Pesadelos


O Gui contou-nos uma história que poderia dar um conto, sobre um empresário incapaz de falar verdade ou de ser honesto, que se salvava às primeiras por ter um sorriso irresistível e por nunca ninguém saber se estava a falar a sério ou a brincar. O problema era quando se descobria quem era o verdadeiro Vanderlei Paris, vendedor de pesadelos...

A Rita disse que já conhecera alguns vanderleis por aí, acrescentando: «À medida que vou caminhando para a meia idade, suporto cada vez menos a gente muito simpática ou bonzinha. Quando lidamos com eles a sério, descobrimos quase sempre que não passam de uns bons filhos da puta.»

O Carlos com o seu humor característico apoiou-a: «Não sei se posso utilizar como feminino de Vanderlei Vanda. Acho que elas são ainda mais vendedoras de pesadelos que eles, tem muito mais arte para a música, para nos aplicarem o velho "golpe do baú" e levarem-nos à certa.»

«Mas isso também acontece porque vocês não podem ver uma burra de saias.» Brincou a Rita.

«O que eu tenho ouvido dizer é que não podemos ver um rabo de saias. Mas podes ser criativa à vontade», disse o Carlos.

«Deixa lá, que a mensagem é igual. Aliás para vocês convém ser mais mini-saia.» Continuou a Rita.

«É por isso que andas sempre de calças?» Perguntou o Carlos, imparável.

«Até podia ser, para não distrair os homens. Mas não, é apenas uma questão de conforto, sinto-me mais confortável de calças.» Respondeu a Rita sem perder o sorriso.

Foram as horas que nos salvaram da conversa sobre o Vanderlei Paris, uma personagem que já nos estava a levar por caminhos erráticos, graças ao nosso Gui, que está a queimar os últimos cartuchos das férias natalícias.

(Fotografia de Pierre Boulat) 

terça-feira, janeiro 12, 2016

Um Artista Muito Maior que a Banalidade dos Nossos Tempos

Como disse ontem, não tinha pensado escrever nada de mais sobre David Bowie, apesar de o admirar como  extraordinário músico e artista que foi e será (a sua obra é de uma resistência pouco comum nestes dias ricos em banalizações e esquecimentos).

Felizmente a "excessiva" exposição de David Bowie na blogosfera em vez de me afastar fez com que recordasse muitas músicas que já esquecera. Foi bom voltar a ouvir temas do álbum, "Hours..." (1999) - o que mais me tocou e que mais ouvi  da sua vasta obra -, e tantas outras músicas que são o exemplo da sua versatilidade e qualidade "camaleónica", que irá fazer com que seja alvo da atenção de gente mais jovem. 

Não digo que irá atingir a unanimidade, mas o facto de possuir um talento fora do comum, vai fazer com que ultrapasse com grande sucesso estes dias excessivos de exposição, que em vez de "secar" a sua discografia, vão fazer com que ganhe mais admiradores.

E para terminar, não posso deixar de realçar o seu último álbum, "Blackstar", uma despedida (provavelmente voluntária...) que tem tanto de fulgurante como de belo. As suas músicas enchem-nos a alma...

segunda-feira, janeiro 11, 2016

A Memória do Largo

Não tenho dado tanta atenção a efemérides como dava noutros tempos no "Largo". Acho que isso tem acontecido de uma forma natural, nós  vamos mudando, às vezes quase sem darmos por isso. Embora sejamos "animais de hábitos", cansamos-nos com alguma facilidade das coisas. É por isso que há peças de roupas que deixamos de usar, quando ainda estão em bom estado.

Eu sei que um blogue não é uma camisa ou umas calças, mas quando tem uma vida diária, é necessário tentar escapar à banalidade e à repetição (o que nem sempre se consegue...).

Foi por isso que ontem não assinalei a passagem do nonagésimo aniversário do mestre Júlio Pomar, um dos nossos grandes artistas plásticos. E é também por isso que não vou dar um destaque especial a David Bowie, que nos deixou ontem, mesmo reconhecendo que foi um extraordinário artista pop. Para falar dele, também devia dizer alguma coisa sobre o Vasco Malpique, que nos deixou no sábado e que faz parte de uma família de desportistas almadenses, que tanto honrou o andebol almadense.

Claro que também sei que muitas vezes registamos estas efemeridades, por nesse dia não termos nada de especial para dizer. Mesmo que sintamos admiração pelas pessoas que enaltecemos. 

Isso acontece porque a blogosfera cria-nos o bom vício de "comunicar" com os outros (que muitas vezes não fazemos ideia de quem sejam...). 

(Óleo de Linda Pochesci)

domingo, janeiro 10, 2016

O Sabor e o Cheiro da Tangerina, um Cartaz e um Filme


Gosto muito do sabor e do cheiro da tangerina. Foi por isso que estranhei que a aproximação da minha mão, perfumada com este fruto, provocasse algumas caretas.

Sei que não gostamos das mesmas coisas (e ainda bem) e quando falei com gosto desta delícia, até prometeram oferecer-me um perfume de tangerina. E só podia responder que ficava à espera...

Não publicaria este pequeno "fair-diver", se não encontrasse casualmente o cartaz de um filme do cinema independente americano, com o título, "Tangerine". Posteriormente quis saber mais coisas sobre este filme de Sean Baker, filmado apenas com um iphone 5 (bem dita tecnologia...).

O filme aborda um caso de infidelidade do companheiro de uma prostituta transexual, que esteve presa durante 28 dias e as mil e uma peripécias  da personagem principal e de uma amiga que viajam por Los Angeles à sua procura, mostrando uma outra cidade, povoada de subculturas, destacando o comércio do sexo. 

Apesar de ter sido bem recebido em vários festivais de cinema (teve estreia mundial no Festival de Sundance há sensivelmente um ano) americanos e europeus, só nos deverá chegar através do dvd, já que está fora dos circuitos de distribuição do "cartel" americano da sétima arte...

sábado, janeiro 09, 2016

Olhar a Cidade


Ao olhar esta fotografia já com alguns anos das obras da construção do Metro de superfície de Almada, reparei que ela estava em sintonia com um dos temas de conversas que tive de manhã no café e no passeio que dei pelas ruas de Almada com um dos meus bons amigos da Cidade.

Ambos pensávamos que não era necessário terem "esventrado" o eixo principal de Almada para construir praticamente um comboio (as linhas da minha fotografia são um bom exemplo...), em vez de optarem por uma estrutura muito mais ligeira, do género dos novos eléctricos de Lisboa.

Nem quero imaginar os milhões que se teriam poupado, que até poderiam permitir a construção de uma outra linha menos central ou de se ir mais longe. E também falámos da estupidez do transporte sobre carris não ter passado perto do Hospital Garcia de Orta, o que teria facilitado a vida a milhares de utentes...

É uma pena que uma boa parte dos políticos tenha tanta dificuldade em ouvir os outros - então se forem opositores... -  e pensem que estão sempre certos. 

(Fotografia de Luís Eme)

sexta-feira, janeiro 08, 2016

A Luta Diária pela Sobrevivência


Ontem era para escrever sobre Paris, sobre a Liberdade, sobre o jornalismo... ou seja, iria dizer meia-dúzia de lugares comuns, afastando-me do essencial: a desumanização, cada vez mais evidente, da sociedade.

Podia falar dos casos diários de violência doméstica, mas fico-me pela mãe madeirense que se suicidou, depois de ter envenenado o filho, de apenas onze anos. Depois de ler a notícia sobre este caso descobri que tudo isto aconteceu três semanas após o suicídio do seu companheiro, também por envenenamento.

Quando o caso foi motivo de conversa fiquei em silêncio. Em vez de dizer qualquer banalidade, fiquei a pensar na alteração do estado psicológico da senhora, ao ponto de a levar a fazer o que fez. E o seu quadro social não era para menos. Desempregada, doente com um cancro e depressiva, devia ter a sensação de que era cada vez mais um estorvo para todos. E provavelmente sentiu que o filho mais novo também estava a ser um "peso" para a filha e o genro, que lhe tinham dado abrigo.

Sou incapaz de a culpar do que quer que seja. Aliás, o que me preocupa mesmo é a distracção de toda a gente que vivia à sua volta...

(Óleo de Renato Gattuso)

quarta-feira, janeiro 06, 2016

A Senhora que Queria Mais que uma Caixa de Comprimidos da Farmácia...






Uma senhora de idade falava, falava, sem vontade nenhuma de abandonar o balcão da farmácia. Em vez de me incomodar olhei com a cumplicidade possível a farmacêutica, por perceber que a cultura do mundo dos medicamentos era insuficiente para o bom exercício daquela profissão. Exigia-se cada vez mais uma grande capacidade de dialogo, para que os clientes nunca sentissem que estavam a ser empurrados pela porta fora. 

Sei que eles (mais elas...) não se contentam com os comprimidos para a tensão ou a pomada para o reumático, querem um tempo para contar pedaços das suas vidas, partilhar dores, e se possível, receber ainda um parecer clínico. Porque nas visitas aos hospitais e centros de saúde, com as mudanças operadas nos últimos anos, não são tão bem tratados como na farmácia, que é quase a mercearia do bairro...

Ela sorriu com os olhos cansados, como se me quisesse dizer que não podia "despachar" a senhora, que precisava tanto de trocar umas ideias sobre as suas doenças. 

Embora tivesse a senha seguinte, fiz de conta que tinha todo o tempo do mundo.

E pensei: maldita solidão... Eu sei que falar com as paredes é muito diferente de conversar com pessoas...

(Óleo de Irena Jovic)

terça-feira, janeiro 05, 2016

Olhares e Pensamentos Rente ao Tejo

Apesar da instabilidade do tempo, resolvi dar o primeiro passeio do ano pelo Ginjal.

Estava a precisar de andar e também de me encontrar com todas aquelas coisas boas que gostam de aparecer do nada.

O vento soprava forte e foi amigo ao empurrar as nuvens mais cinzentas para outras bandas. Só quando já estava no coração de Almada é que começou a chuviscar. E nada que pedisse chapéu.

Não só me senti bem com a caminhada solitária, como estive mais produtivo no resto do dia. 

O Tejo tem destas coisas...

(Fotografia de Luís Eme, da esplanada do restaurante "Ponto Final")

domingo, janeiro 03, 2016

«A chuva é quase uma prisão.»


Quando ela disse, «A chuva é quase uma prisão», a primeira imagem que me surgiu foi a minha filha divertida na rua a meter os pés nas poças de água, nestes dias molhados.

Eu e quase todos nós enquanto crianças fomos assim. Eu e o meu irmão tínhamos um "desporto" de inverno terrível, que era ver quem é que conseguia salpicar mais o outro nas poças que nos apareciam no caminho... Algo que a mãe detestava, não só por ficarmos molhados, mas também por ficarmos sujos de lama. Normalmente isto acontecia a caminho do bairro da nossa meninice, que só conheceu o alcatrão quase no começo da nossa adolescência...

Comecei a sorrir graças às minhas memórias, algo que a deixou intrigada.

Claro que a chuva está longe de simbolizar a liberdade, não é por acaso que se vêm menos pessoas nas ruas, mas se estivermos bem calçados e de chapéu de chuva, até nem é mau de todo ver e saborear a água a cair...

(Fotografia de André Kertész)

sexta-feira, janeiro 01, 2016

Algumas Mudanças, Ligeiras...

Tinha pensado criar um blogue novo em 2016, que teria como título "Cem por Cento", no qual todos os textos e imagens publicados seriam da minha autoria.

Mas depois comecei a pensar e cheguei à conclusão que quer o "Largo" o "Casario"  e as "Viagens" ainda não tinham esgotado o seu tempo de vida.

Foi  por isso que resolvi fazer apenas alguns pequenos ajustes na imagem dos dois blogues principais cá de casa (no "Largo" mal se nota...).

O "Casario" irá tornar-se ainda mais o meu blogue de fotografias (vou tentar "postar" apenas fotos da minha autoria), sem descurar alguma informação local. Irei também estrear uma série semanal amanhã que irá homenagear alguns amigos especiais.

O "Largo" continuará a ser um espaço de liberdade, atento a tudo o que me rodeia, com uma incidência especial pelas coisas da Cultura, por ser o meio onde estou inserido, como criador e também como "fabricante de acontecimentos".

(Fotografia de Luís Eme, rente ao Cristo Rei)