Há perguntas que fazemos e já sabemos a resposta. Nem sempre são parvas, mesmo que o possam parecer.
Quando lhe fiz a pergunta, saiu de uma forma espontânea, «és a Carolina, não és?». O mais curioso, é que sem pensar nisso, estava a dar-lhe todas as possibilidades, inclusive de me dizer que não, que era um engano.
Mas ela sorriu-me e disse que sim, tal como a palavra mágica,«Caldas», havia umas mesas onde nos podíamos sentar e desviar por momentos da conferência para a qual tínhamos sido convidados.
Começou a falar sem parar, da sua vida errante, do seu regresso a África, onde voltou a encontrar o equilíbrio e a largar de vez a "droga de vida" em que se metera desde a adolescência.
Carolina era a única mulata da minha turma durante o ciclo preparatório, nos anos revolucionários 1974/75. Além de gira era muito independente. Quase de um momento para o outro transformou-se numa mulher bonita enquando nós permanecemos uns putos.
As mulheres têm destas coisas, crescem sempre mais depressa que nós...
Continuou na minha turma no secundário, mas foi-se afastando, seduzida por uns tipos que vendiam "sonhos psicadélicos".
Lembro-me que ela com apenas catorze anos saiu de casa, antecedendo uma viagem sem regresso. Deixou um bilhete aos pais adoptivos, onde dizia que aquela não era a sua terra nem a sua família. E claro, para não a procurarem. Claro que eles encontraram-na dias depois e trouxeram-na para casa. Por pouco tempo. Apesar da vigilância mais apertada, ela voltou a fugir, de vez...
Percebi que as feridas tinham sarado, mas algumas cicatrizes continuavam por ali, bem presentes.
Contou-me que nunca mais voltou às Caldas, nem voltou a ver os pais adoptivos. Infelizmente não conseguiu encontrar os verdadeiros pais, vitimas da guerra, apenas descobriu uma avó e uns tios, em Moçambique, a sua verdadeira Terra, que a esperava dentro de dias, de braços abertos...
Sem que eu perguntasse, disse-me que nunca foi uma "filha" para os pais adoptivos, era outra coisa qualquer. Desabafou que não lhes queria mal nem bem.
Ela não é Naomi Campbell da foto, mas continua a ser uma mulata gira e também usa o cabelo curto...
Adenda: Claro que não a reconheci logo. Comecei por achar o seu rosto familiar, depois soube que se chamava Carolina e percebi que sorria da mesma maneira que a miúda que conheci. Apesar de dois e dois nem sempre serem quatro, desta vez eram mesmo quatro.
Incrível! Como é que a conheceu ao fim de taantos anos? Eu seria incapaz... Mas é uma linda história de vida. Ai alguns pais adoptivos...
ResponderEliminaras coisas não são tão simples como parecem apenas num pequeno texto, Carol.
ResponderEliminarantes ja tinhamos trocado vários olhares e até sorrisos com alguma cumplicidade.
depois há o facto de sempre podermos ver se o nome condiz ou não (ela de certeza que também fez isso e o meu apelido nem é tão vulgar quando isso...) com a pessoa em questão.
poderia ter passado ao lado, como faço algumas vezes. nós muitas vezes sabemos que conhecemos alguém mas preferimos ficar na dúvida, ou porque a memória que temos da dita não é a melhor, ou porque naquele momento não estávamos para ai virados.
mas eu sou muito de me meter, sai-me quase sempre um olá, espontâneo.
Que giro!
ResponderEliminarTambém já me aconteceu, rever uma amiga ao fim de uns 30 anos (!), ambas no parque com os respectivos filhos. E outra, ao fim de uns 24, na biblioteca onde ela trabalha.
Além de outros casos, mas estes com "mediação" :-)
há sempre pessoas que aparecem e que já conhecemos. nem sempre temos é coragem para dizer olá, Filoxera.
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