terça-feira, junho 05, 2012

Apresentação do Rosto


As pessoas mudam, umas mais outras menos.

Digo isto porque achei curioso um dos títulos publicados pelo poeta, Herberto Helder, criador ausente e que finge não ter rosto nem palavras para oferecer, fora dos livros.

Provavelmente Herberto em 1968 ainda apresentava o rosto...

Ainda não li o livro mas andei aos pulinhos, página ante página, descobri que o surrealismo anda por ali quase à solta. Queria transcrever algo, mas fiquei tão indeciso, pela qualidade da escrita e pela mistura nem sempre fina das palavras.

Mesmo assim transcrevo as suas últimas sete linhas:

[...] O mar rumoreja nos troncos de madeira que servem de pilares ao cais, arrasta-se pela praia e molha os pés escuros dos homens deitados.
cai o sol sobre os campos seco onde as mulheres recolhem a bosta resequida.
As crianças matam, e as lagartixas morrem.
É uma ilha em forma de cão sentado. »

12 comentários:

  1. Muito difícil a leitura dos seus poemas (aliás como os de todos os surrealistas) mas muito profunda - exige muito da nossa imaginação e do nosso sentir.

    Beijo poético

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  2. Fiquei tentada a conhecer mais esta obra de quem não apresenta o rosto!

    Abraço

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  3. Hermético Herberto Helder mas alguém que deixa marcas.

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  4. "O que caracteriza um poeta é o dom divinal de tecer, com palavras, chaves enigmáticas que abrem os corações." Solange Rech

    Abraço

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  5. Lamento a minha ignorância mas deste autor só conheço o nome.
    Um abraço

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  6. Gosto da poesia surreal de Herberto Helder porque me faz “trabalhar” a interpretação porque é difícil e porque é rica.
    Este é um dos poemas dele que mais gosto:

    Mulheres correndo, correndo pela noite.
    O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
    como éguas abertas, como sonoras
    corredores magnólias.
    Mulheres pela noite dentro levando nas patas
    grandiosos lenços brancos.
    Correndo com lenços muito vivos nas patas
    pela noite dentro.
    Lenços vivos com suas patas abertas
    como magnólias
    correndo, lembradas, patas pela noite
    viva. Levando, lembrando, correndo.


    É o som delas batendo como estrelas
    nas portas. O céu por cima, as crinas negras
    batendo: é o som delas. Lembradas,
    correndo. Estrelas. Eu ouço: passam, lembrando.
    As grandiosas patas brancas abertas no som,
    à porta, com o céu lembrando.
    Crinas correndo pela noite, lenços vivos
    batendo como magnólias levadas pela noite,
    abertas, correndo, lembrando.


    De repente, as letras. O rosto sufocado como
    se fosse abril num canto da noite.
    O rosto no meio das letras, sufocado a um canto,
    de repente.
    Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços
    sufocados, lembrando letras, levando
    lenços, letras - nas patas
    negras, grandiosamente abertas.
    Como se fosse abril, sufocadas no meio.
    Era o som delas, como se fosse abril a um canto
    da noite, lembrando.


    Ouço: são elas que partem. E levam
    o sangue cheio de letras, as patas floridas
    sobre a cabeça, correndo, pensando.
    Atiram-se para a noite com o sonho terrível
    de um lenço vivo.
    E vão batendo com as estrelas nas portas. E sobre
    a cabeça branca, as patas lembrando
    pela noite dentro.
    O rosto sufocado, o som abrindo, muito
    lembrado. E a cabeça correndo, e eu ouço:
    são elas que partem, pensando.


    Então acordo de dentro e, lembrando, fico
    de lado. E ouço correr, levando
    grandiosos lenços contra a noite com estrelas
    batendo nas patas
    como magnólias pensando, abertas, correndo.
    Ouço de lado: é o som. São elas, lembrando
    de lado, com as patas
    no meio das letras, o rosto sufocado
    correndo pelas portas grandiosas, as crinas
    brancas batendo. E eu ouço: é o som delas
    com as patas negras, com as magnólias negras
    contra a noite.

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  7. é, Graça. o Herberto é tudo menos fácil.

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  8. é um poeta dos difíceis, Elvira, a todos os níveis.

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