As pessoas mudam, umas mais outras menos.
Digo isto porque achei curioso um dos títulos publicados pelo poeta, Herberto Helder, criador ausente e que finge não ter rosto nem palavras para oferecer, fora dos livros.
Provavelmente Herberto em 1968 ainda apresentava o rosto...
Ainda não li o livro mas andei aos pulinhos, página ante página, descobri que o surrealismo anda por ali quase à solta. Queria transcrever algo, mas fiquei tão indeciso, pela qualidade da escrita e pela mistura nem sempre fina das palavras.
Mesmo assim transcrevo as suas últimas sete linhas:
[...] O mar rumoreja nos troncos de madeira que servem de pilares ao cais, arrasta-se pela praia e molha os pés escuros dos homens deitados.
cai o sol sobre os campos seco onde as mulheres recolhem a bosta resequida.
As crianças matam, e as lagartixas morrem.
É uma ilha em forma de cão sentado. »
Muito difícil a leitura dos seus poemas (aliás como os de todos os surrealistas) mas muito profunda - exige muito da nossa imaginação e do nosso sentir.
ResponderEliminarBeijo poético
Fiquei tentada a conhecer mais esta obra de quem não apresenta o rosto!
ResponderEliminarAbraço
Hermético Herberto Helder mas alguém que deixa marcas.
ResponderEliminar"O que caracteriza um poeta é o dom divinal de tecer, com palavras, chaves enigmáticas que abrem os corações." Solange Rech
ResponderEliminarAbraço
Lamento a minha ignorância mas deste autor só conheço o nome.
ResponderEliminarUm abraço
Gosto da poesia surreal de Herberto Helder porque me faz “trabalhar” a interpretação porque é difícil e porque é rica.
ResponderEliminarEste é um dos poemas dele que mais gosto:
Mulheres correndo, correndo pela noite.
O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
como éguas abertas, como sonoras
corredores magnólias.
Mulheres pela noite dentro levando nas patas
grandiosos lenços brancos.
Correndo com lenços muito vivos nas patas
pela noite dentro.
Lenços vivos com suas patas abertas
como magnólias
correndo, lembradas, patas pela noite
viva. Levando, lembrando, correndo.
É o som delas batendo como estrelas
nas portas. O céu por cima, as crinas negras
batendo: é o som delas. Lembradas,
correndo. Estrelas. Eu ouço: passam, lembrando.
As grandiosas patas brancas abertas no som,
à porta, com o céu lembrando.
Crinas correndo pela noite, lenços vivos
batendo como magnólias levadas pela noite,
abertas, correndo, lembrando.
De repente, as letras. O rosto sufocado como
se fosse abril num canto da noite.
O rosto no meio das letras, sufocado a um canto,
de repente.
Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços
sufocados, lembrando letras, levando
lenços, letras - nas patas
negras, grandiosamente abertas.
Como se fosse abril, sufocadas no meio.
Era o som delas, como se fosse abril a um canto
da noite, lembrando.
Ouço: são elas que partem. E levam
o sangue cheio de letras, as patas floridas
sobre a cabeça, correndo, pensando.
Atiram-se para a noite com o sonho terrível
de um lenço vivo.
E vão batendo com as estrelas nas portas. E sobre
a cabeça branca, as patas lembrando
pela noite dentro.
O rosto sufocado, o som abrindo, muito
lembrado. E a cabeça correndo, e eu ouço:
são elas que partem, pensando.
Então acordo de dentro e, lembrando, fico
de lado. E ouço correr, levando
grandiosos lenços contra a noite com estrelas
batendo nas patas
como magnólias pensando, abertas, correndo.
Ouço de lado: é o som. São elas, lembrando
de lado, com as patas
no meio das letras, o rosto sufocado
correndo pelas portas grandiosas, as crinas
brancas batendo. E eu ouço: é o som delas
com as patas negras, com as magnólias negras
contra a noite.
é, Graça. o Herberto é tudo menos fácil.
ResponderEliminareu estou a conhecer, Rosa.
ResponderEliminarsim, Helena.
ResponderEliminaré isso mesmo, Rita.
ResponderEliminaré um poeta dos difíceis, Elvira, a todos os níveis.
ResponderEliminargrato pelo poema, Piedade.
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