sexta-feira, novembro 16, 2012

Memorial de Saramago


A Vitória de Saramago (e da Lingua Portuguesa)


«Foi com grande alegria que vimos José Saramago deixar o hall de entrada da sala, destinada aos eternos perdedores do Prémio Nobel da Literatura, com a serenidade que o caracteriza, depois de ser “Levantado do Chão” pela Real Academia Sueca da Língua.
O país voltou a sorrir de satisfação – e com a Expo 98 ainda tão perto na nossa memória... --, ao ponto de transformar a vitória de Saramago, num êxito de todos os portugueses. Foram erguidas bandeiras de Norte a Sul, levando bem alto “Todos os Nomes” deste escritor, digno herdeiro de Camões, Eça, Camilo, Pessoa, Aquilino e Torga. A Escandinávia dobrou pela primeira vez a coluna à língua portuguesa.
Depois de um longo “Ensaio Sobre a Cegueira”, acabou por reparar uma injustiça quase do tamanho deste século!... Embora Saramago seja um caso à parte, se fizermos uma “Viagem a Portugal”, encontramos uma mão cheia de poetas e ficcionistas que também poderiam ter sido inscritos nos “Apontamentos” da Academia Sueca. Quando dizemos que ele é um caso à parte, estamos a basear-nos num estranho casamento das Letras com Números que nos prova que Saramago é o escritor português vivo, mais conhecido e lido no mundo inteiro.
A sua obra literária é um manancial de estórias sobre a nossa História, “Deste Mundo e do Outro”, não sendo por isso de estranhar que alimente algumas polémicas. E quando se fala de coerência – uma palavra usada para dignificar Saramago e todos os seus camaradas que se mantém fiéis ao comunismo --, devemos fazer uma vénia ao Município de Mafra que continua a defender que “O Memorial do Convento” ofende o bom nome dos seus habitantes; e ao Papa, que  ao folhear “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, continua a perguntar a Deus com um olhar triste e angélico, “Que farei Com este Livro?”, por manterem vivas as suas opiniões divergentes em relação ao escritor.
Mesmo sabendo que este não é o melhor momento para falarmos da nossa taxa de analfabetismo, não devemos esconder a nossa triste realidade usando o Nobel da Literatura como peneira. Saramago sentiria, “Provavelmente Alegria”, se usássemos o seu Prémio para sensibilizar os portugueses a visitarem o campo aberto das letras, mostrando-lhes o poder da luz “Poética dos Cinco Sentidos” que nos ilumina nas nossas viagens deliciosas pelo interior dos livros.
E se nos fosse permitido sonhar, gostaríamos que o Nobel produzisse o mesmo êxito na Literatura que as medalhas milagrosas de Carlos Lopes e Rosa Mota obtiveram no Atletismo, fomentando de uma forma avassaladora a leitura nas escolas e nos lares portugueses, arrebatando toda “A Bagagem do Viajante” de Lanzarote e de outros grandes escritores.»

Texto escrito por mim após a atribuição do prémio Nobel a José Saramago e publicado no "O Scala", nº 8, Verão de 1998. É a minha homenagem ao grande escritor e até agora único nobel da Língua Portuguesa. O boneco é do Vasco.


6 comentários:

  1. Quem sabe?
    Temos alguns, não muitos, bons escritores que estão na calha!

    Abraço

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  2. as motivações dos "donos" do prémio são mais a surpresa que a qualidade, Rosa.

    tentam escolher sempre alguém "desconhecido".

    o mesmo se passou com Saramago, que era um autor ibérico, não europeu ou mundial.

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  3. Sim, era bom que este prémio tivesse esse efeito. Pena que cada vez se lê menos, e a maioria dos jovens não conhece o prazer e a paz, que um momento de boa leitura pode trazer.

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  4. Um excelente texto. Pena que cada ~vez mais a juventude opte por outras formas de passar o tempo em vez da leitura.
    Um abraço

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  5. não sei, Rita.

    há muitos jovens que lêm.

    a minha filha de oito anos gosta de ler (mais que o irmão com catorze...).

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  6. as coisas hoje são muito diferentes, mas a leitura é sempre um prazer, para qualquer geração, Elvira.

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