terça-feira, janeiro 19, 2010

Ser Poeta é...

Ninguém dava nada por aquele homem, com buracos nos sapatos, barba de uma dúzia de dias e roupa com o cheiro de quem não tem uma boa relação com a água e o sabonete.

Sempre que se cruzava comigo, dava-me um olá e perguntava-me se eu já tinha começado a fumar. Era uma graça que usava, por não me poder cravar um cigarrito...
Nos dias quentes, quando me via passar sozinho, convidava-me sempre para beber uma imperial. Eu dizia quase sempre que sim. Desta não escapava. Comversávamos ao balcão de coisas alegres, distantes da vidinha. Até uma cagadela de pombo era mais importante que um primeiro-ministro...
Quando eu disse às pessoas que me rodeavam que o Avelino era poeta, riram-se e ficaram a pensar que eu tinha dito isso, pela sua vagabundagem e não pela sua criatividade. Tive de dizer que era um poeta a sério, com um bonito livro editado pela "e etc" e tudo.
Eles ainda não tinham percebido que ter um boné de coco, um laçarote, ou uma camisa de cetim, não era sinónimo de poeta, assim como ter o cabelo de cor azul ou laranja, não ditava o futuro de qualquer artista plástico.
Talvez nem soubessem que a criatividade oferecia dilemas terríveis, que o génio artístico roubava outras normalidades, afastando gente como o Avelino do palco da vida.

4 comentários:

  1. pois é Luís, como se só o hábito fizesse o monge...

    felizmente, a palavra é uma coisa que cresce sem arquitecto.
    _____

    beijos

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  2. é curioso ver como se trata de um hábito tão antigo este o de julgar os outros pela aparência... adorei ler, luís. um beijo grande.

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  3. pois é, Maré...

    o hábito nunca fez o monge.

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  4. e provavelmente nunca irá mudar, Alice...

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