Hoje encontrei o Rui. Já não o via há mais de meia-dúzia de anos.
Gostei de o ver. Continua a viver próximo da adolescência, apesar de ter um filhote quase da sua altura, o João, que nos fez perceber que a vida corre demasiado depressa, pois também já entrou na adolescência, com os seus catorze anos.
A música ainda não o cansou. Canta numa banda que deambula de bar em bar, sempre que pode, nas proximidades do seu Barreiro.
Lembrámos histórias passadas na cidade fabril que já não existe, das noites de nevoeiro, com o ar povoado dos ácidos libertados pelas torres de fumo, de um café na parte detrás de uma rua que deve estar muito diferente, onde paravam a Zé, a Cila e a Isabel. Sorrimos ao recordar que a poluição até nem era má de todo, pelo menos para as garotas da Vila, quase todas giras...
Apesar daquela "maluquice" aparente, a sua história familiar sempre me fez lembrar um "fado triste", por não conhecer nada parecido.
Começou com a sua mãe, professora amorável, que foi mãe solteira, no começo da década de setenta. Depois foi a vez dele, no final dos anos oitenta. Com apenas quinze anos sem perceber muito bem como, engravidou uma colega de escola, que seria mãe do seu filho. Filho que foi afastado dele pelos pais da amiga, durante os primeiros anos. Nem sequer quiseram ouvir falar nele para pai do neto, muito menos para genro...
Pouco tempo depois foi a vez da Ana, a sua irmã, ser mãe também solteira.
Parece quase coisa de novela ou história de cordel, mas é mesmo verdade. O engraçado é que são tudo pessoas positivas, que andam para a frente com a vida, apesar dos percalços.
Gostei de ver o Rui, apesar de o sentir um pouco cansado. Não tenho muito jeito para moralista, principalmente em relação a amigos que adoram furar regras. Foi por isso que fingi não ligar a pequenos pormenores, como o de que continua a beber mais que a conta, a fazer durar até aos limites uma quase adolescência fora de prazo e a sonhar poder viver um dia apenas da música...
A ilustração é de Hart Benton. Aquele fumo é muito Barreiro.
Acontece isso mesmo quando as pessoas, por qualquer razão do destino, não vivem realmente a sua adolescência. Querem vivê-la indefinitivamente e acabam por viver, afinal, um desiquilíbrio emocional, sentindo-se, invariavelmente, “fora de época”... mas continuando a insistir.
ResponderEliminarE desse fumo bem me recordo quando visitava familiares! O Barreiro... a meus olhos de miúda... estava sempre cinzento! Parece que o sol não conseguia infiltrar-se por entre toda aquela névoa! E o cheiro!...
e é preciso viver dentro do sonho, para que o fado seja um chicote que se vai vencendo.
ResponderEliminarpredestinação?...apenas seres errantes, como todos somos, no caminho que se vai apresentando.
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beijos Luís
Vidas dentro da Vida...
ResponderEliminarbeijinho, Luís M.
pois era, Catarina, aquele cheiro "quimico"...
ResponderEliminarmuitas vezes é bom não crescer.
sem dúvida, Maré.
ResponderEliminarnão sei de fale em predestinação, mas há acasos tão estranhos...
sem dúvida, M. Maria Maio.
ResponderEliminara vida quase nunca é uma coisa compreensível...
O quadro é lindíssimo e não conhecia o autor.
ResponderEliminarÈ a diferença entre nós e os outros que torna a vida este universo interessante. Há muito que compreender é para mim mais importante que julgar.
ResponderEliminar~CC~
é um grande ilustrador, Redonda.
ResponderEliminarsó que há coisas que escapam à nossa compreensão, CC...
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