terça-feira, outubro 31, 2023

Traços da vida de um pianista quase vulgar...


Ele tocava piano enquanto nós conversávamos, naquele bar frequentado por pessoas que gostavam de baladas e de bandas sonoras de filmes.

Nos intervalos vinha até à nossa mesa, com um whisky numa das mãos, mais para ouvir que para falar ou perguntar se lá fora estava a chover. Pouco tempo antes tinha estado a tocar num dos poucos restaurantes que ainda tinham música ao vivo. Por lá só tocava música clássica. Gostava destas variações, mantinham-lhe os dedos preparados para quase tudo. 

Sabia que aquela vida de bar em bar, de restaurante em restaurante, não estava dentro dos seus melhores sonhos. Nada que o preocupasse demasiado. Também sabia que não fez tudo o que era preciso para as coisas acontecessem, quando teve vinte anos. Faltava-lhe a ambição de quem era capaz de vender a alma ao diabo, se tal fosse necessário, para chegar ao topo da escadaria.

Foi-se habituando aquela vidinha, com horários entre o começo e o fim da noite, que lhe rendiam muito mais que qualquer emprego vulgar das "nove às cinco".

Andava há quase quarenta anos naquilo, sem saber ao certo quando era tempo de se reformar...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


2 comentários:

  1. Numa situação como a sua, reformar-se seria parar. Perderia a oportunidade para conviver. Ou então teria mais tempo para a família a “horas normais”.

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    1. Há o problema de nunca ter descontado muito, para ter uma reforma decente, Catarina.

      As "cigarras" como este meu amigo, têm este problema, comum a quase toda a gente das culturas...

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