quinta-feira, dezembro 13, 2012

Esquecer o Inverno


Um dos amigos do Francisco aproximou-se de nós com a cara inchada e o braço ao peito. Perguntou se nos podia fazer companhia. Dizemos-lhe que sim, sem palavras. O Manel trouxe-lhe um café para um de nós pagar. Mal conseguia falar, notámos que além do escuro à volta dos olhos, os lábios também tinham aumentado de volume. Queria apenas um café, foi por isso que não aqueceu a cadeira, pediu um cigarro ao Francisco e fez-se ao passeio, com um andar dorido. 

Talvez tivesse medo que lhe déssemos alguma lição de moral. Coisa que não se deve fazer a quem tem mais de quarenta anos...

Dois dias antes tinha sido encontrado deitado no chão nas ruelas de Almada Velha, completamente bêbado e com sangue no rosto. Um grupo de jovens chamou o 115 e lá foi até ao hospital, onde lhe prestaram os cuidados de saúde necessários.

Francisco disse que deixara de ter pena de homens como ele. Talvez lhe desse cigarros e lhe pagasse cafés, por caridade, pois era impossível ser solidário com quem se torturava a si próprio e não fazia nada para sair do buraco onde caíra. Foi por isso que acrescentou: «Não sei se ele caiu mesmo ou se se atirou para o chão.» 

Tentou mudar de assunto e confessou-me que se cansa mais de Inverno. Cansa-se de quase tudo, até das pessoas. Desabafou ainda que fuma muito mais de Inverno, da mesma forma que bebe mais cafés e bebidas fortes. 

Não lhe perguntei porquê. Talvez pense que estes dois elementos da lista dos vícios o ajudam a empurrar o frio para fora e a esquecer o Inverno...

O óleo é de Karen Offutt.

2 comentários:

  1. Um texto que é como um murro no estomago.
    Um abraço

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  2. as coisas estão a ficar demasiado escuras, Elvira. :(

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