terça-feira, dezembro 18, 2012

«Esta gente tem de aprender a baixar a crista.»


Podia ser apenas um desabafo em relação aos pobres e necessitados mais rebeldes, mas não, era muito mais que isso. Eram as palavras de um católico que se julgava mais intimo e querido de deus, que qualquer um dos nós, porque ia à missa todos os domingos e tinha as orações todas na ponta da língua. 

Era o mesmo sujeito que tinha dito a um rapazinho que não podia participar na festa de natal com a roupa suja que vestia, quando eu estava a entrar. Embora sentisse vontade de facilitar a entrada à criança de sete, oito anos, fiquei em silêncio, até por ser uma simples visita.

Estava ali como representante de um colectivo que recolhera roupas e brinquedos para distribuir pelas crianças da comunidade, o que fazia com que tivesse de reduzir ao máximo a minha individualidade.

Embora ouvisse mais um ou outro comentário sarcástico do sujeito, a frase, «esta gente tem de aprender a baixar a crista», não me saia da cabeça. Até por pensar exactamente o contrário, se havia coisa que não devíamos fazer, era baixar a crista.

Achei todo aquele paternalismo insuportável. Tinha a certeza que aquela não era a minha sociedade, que aquele não era o meu mundo.

Percebi que uma boa parte daqueles "cristãos" se pudessem,  seleccionavam os pobrezinhos, só davam esmola aos que lhe deixassem fazer uma festinha na cabeça.

Liam da mesma cartilha da "Jonet" e de outros conservadores, que se sentiam como "peixes dentro de água", em sociedades como a nossa, cada vez mais desiguais e pobres, onde a caridade tentava (por todos os meios...) substituir a solidariedade, com a benção da igreja do Policarpo e do governo de Passos.

O óleo é de Jesus de Perceval.

10 comentários:

  1. Ainda estou para perceber se, caridade ou solidariedade são conceitos de esquerda ou direita.
    Este ano foram atingidos recordes de entrega de donativos ao Banco Alimentar contra a Fome. Ninguém perguntou às pessoas se estavam a fazer um acto de caridade ou solidariedade. Ou se eram de esquerda ou direita.
    A partir de um certo momento da minha vida, comecei a desconfiar dos apregoados valores morais da esquerda.

    ResponderEliminar
  2. pelo menos a prática assim o indica, Carlos.

    uma coisa é ajudar outra coisa
    e dar esmola.

    eu que sou maais novo que o Carlos continuo a acreditar nos valores de esquerda, sem qualquer problema ou complexo.

    e não serão os "oportunistas" que se fingem de esquerda, que me fazem mudar de opinião.

    concerteza que quem contribui para o banco alimentar é solidário, embora depois a distribuição seja feita como um acto de caridade para os "coitadinhos".

    este assunto daria pano para mangas e no fim cada um de nós ficaria com a sua opinião, como é óbvio.

    ResponderEliminar
  3. Eu tenho muita dificuldade em entender situações destas. Meu falecido pai costumava dizer que havia muita gente a bater com a mão no peito na igreja e cá fora se encontrassem, um homem caído não lhe davam a mão para o levantar. Enquanto o homem olhar o seu semelhante pelo prisma material e não o vir como um irmão, o mundo será sempre esta miséria que conhecemos.
    Um abraço

    ResponderEliminar
  4. Nunca gostei de "instituições", e para mim a Igreja é só mais uma.
    Os factos falam por si.

    Beijinhos e um feliz Natal

    ResponderEliminar
  5. vou ficar calada. porque há certas "coisas" que eu não partilho, não entendo (não quero entender) e é uma grande confusão na minha cabeça.

    muito bom o teu artigo.

    um beijo

    ;)

    ResponderEliminar
  6. Excelente desabafo, Luís! Se há quem tenha de baixar a crista são-no, sem sombra de dúvida, os fulaninhos dessas instituições "caridosas" e os que "dão" não por dádiva, mas porque podem e pretendem "comprar" um lugar na barca do céu. É que a caridade, aquela que, dizem, Cristo pregou não tem nada a ver com esta caridadezinha destes senhores e destas senhoras donas. E mais não digo!

    ResponderEliminar
  7. são essas coisas que eu não entendo, Elvira.

    há cada vez mais gente a fazer o bem para a fotografia...

    ResponderEliminar
  8. o problema não é da igreja, Rita, é das pessoas que a dirigem e que a frequentam.

    ResponderEliminar
  9. percebo, Pi.

    mas tudo se selecciona, até os pobrezinhos que devemos ou não ajudar...

    ResponderEliminar
  10. é isso mesmo, Graça, colocam quase todas as coisas ao nível da negociata, contrariando a ideia que temos de Cristo e de Deus.

    ResponderEliminar