quarta-feira, abril 06, 2011

A Placa "Vende-se"


Parei hoje em frente do prédio onde passei muitas tardes, a discutir, trocar e a somar ideias.


Provavelmente já se foram todos embora, por isso é que a placa enorme, "vende-se", surge por ali, imponente.

O mais curioso é que quem me apareceu por ali, sem pedir licença, foi uma das mulheres do escritório de contabilidade e não a Teresa, o Pedro ou o Gui.

Se houvesse um banco nas proximidades sentava-me e ficava a olhar as janelas compridas, a recordar os rostos das discussões, das histórias e das ideias "milagrosas", que nem sempre apareciam. E também rostos como o da mulher com quem apenas trocava um bom dia ou um boa tarde, quando nos cruzávamos à entrada do velho prédio ou nas escadas de madeira que nos levavam para os vários escritórios que povoavam os seus pisos superiores.

A diferença mais assinalável era ela olhar-me nos olhos, coisa rara nas mulheres que costumam passar por mim quase sem me ver.

Sabia que se chamava Carla, porque alguns colegas ofereciam-lhe cumprimentos personalizados. Quando vamos para velhos começamos a poupar as palavras e só falamos com as pessoas que conhecemos. Nas grandes urbes ainda temos o velho hábito de poupar nos cumprimentos de aldeia, bons dias e boas tardes só mesmo para quem nos cruzamos praticamente todos os dias.

Continuei a andar pela rua fora. Se fumasse sei que puxava de um cigarro, talvez para disfarçar a estupidez de nunca ter convidado aquela mulher que me olhava nos olhos, para beber um café...


O óleo é de Jeffrey Hein.

12 comentários:

  1. Poupamos demasiado, nas palavras e em tudo o que é importante na vida, infelizmente. Belissimo texto

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  2. Adorei o texto e pelo visto, não sou a única. Tás muito inspirado, meu amigo! E o quadro, então, pra lá de bem escolhido.

    Já disseste tudo e o indizível também, só me resta deixar-te um beijo, sem olhos nos olhos a esta distância.

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  3. Agora nada a fazer!
    Se outra mulher te olhar assim nos olhos não percas a oportunidade! :-))

    Abraço

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  4. é, George Sand.

    e quando descobrimos é quase sempre tarde...

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  5. às vezes acontece, escrevermos coisas mais de "dentro de nós", Lóri.

    depois este país, está cheio de coisas fechadas e de placas, aluga-se e vende-se.

    desconfio que a maior parte destas coisas já não são nossas...

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  6. Rosa, deves saber que quando nos olham nos olham nos olhos ficamos sempre mais intimidados, por não estarmos habituados...

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  7. tantas as vezes que passamos pela vida alheios aos olhares que ela nos oferece
    vez por outra abanamos a cabeça e lembramo-nos que, afinal estamos vivos e que há olhares que nos provocam esse suspiro

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  8. Ai os homens! Uns tímidos, after all...

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  9. sim, somos uns distraidos, "um minuto".

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  10. acho que é não é bem timidez, Carol.

    muitas vezes é não querer ser mal entendido.

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  11. Talvez ela tenha reparado que tens uns olhos bonitos...
    :)))

    Beijinho, Luís.

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  12. nunca se sabe, não tinha pensado nessa hipótese, Maria. :))

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