sábado, maio 04, 2013

«Dê-me também dois maços de meias.»


Uma mulher pediu licença para entrar e disse logo ao que vinha, poisando no chão o saco que trazia à sacola. Devia rondar os quarenta e mostrou as meias que andava a vender pelas ruas e nos cafés onde a deixavam entrar, como foi o caso.

Vi nos seus olhos uma sinceridade que normalmente não se encontra nos vendedores disto e daquilo, talvez por ser genuinamente portuguesa, não ter qualquer traço de Bucareste ou Magrebe.

As mulheres quiseram ver a mercadoria e a conversa puxou ao desabafo sofrido, «perdi quase tudo, até a casa me levaram», mas sem lágrimas da mulher que se tentava afirmar pela coragem e não pelo desespero, «mas temos de fazer pela vida, todos os dias, mau mau é roubar, de resto...»

E eu ali sem saber o que fazer, até me deu vontade de fumar um cigarro, mesmo sem nunca ter sido fumador, para deitar a raiva misturada com o fumo, pelo "enterro" que estão a fazer ao nosso país.

Em vez do cigarro que não tinha, acrescentei: «dê-me também dois maços de meias.»

O óleo é de Sammy Charnine.

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