quarta-feira, janeiro 31, 2007

O 31 de Janeiro de 1891



A Revolução de 31 de Janeiro de 1891 embora estivesse praticamente condenada ao insucesso - devido ao afastamento à última hora de várias figuras predominantes do Republicanismo no Golpe -, concretizou-se, por uma questão de honra das pessoas envolvidas, que não quiseram adiar por mais tempo este movimento de descontentamento, que teve o seu momento alto logo após o Ultimato Inglês de 1890 (11 de Janeiro).

A Revolução rebentou no Porto, na madrugada do último dia de Janeiro, com a saída do quartel de várias unidades militares que ocuparam vários pontos importantes da cidade, inclusive os Paços do Concelho, onde chegou a ser proclamada a República e arvorada uma bandeira vermelha da República com enfeites azuis.

Algumas horas depois os militares sublevados foram obrigados a renderem-se à guarda municipal.

Há quem tenha tentado banalizar este movimento, chamando-lhe inclusive a "revolta dos sargentos". Mas não existem dúvidas que este golpe foi importantíssimo porque fez com que a Monarquia percebesse pela primeira vez que os republicanos não se resumiam aos intelectuais que escreviam nos jornais, considerados uns sonhadores, que não eram levados a sério pelo poder.

Os verdadeiros defensores da República acreditaram, finalmente, que a Monarquia começava a ter os seus dias contados...

A partir desta data foram suspensos vários jornais republicanos, encerrados centros republicanos e as suas escolas e as principais figuras do republicanismo começaram a ser vigiadas (algumas acabaram por ser presas). O próprio Partido Republicano passou a funcionar de uma forma quase clandestina.

sábado, janeiro 27, 2007

Porque Não?


As conversas sobre blogues não se resumem ao "mundo virtual", felizmente.
Um amigo resolveu questionar-me, porque razão tinha falado sobre Fehér e esquecido o "rei" Eusébio (foi mesmo esta a expressão...) no Largo da Memória, que tinha feito 65 anos.
Pois, porque terá sido?
Acho que Eusébio continua tão presente (apesar de ter abandonado o futebol há mais de trinta anos...) no nosso dia a dia, que está longe de ser apenas uma memória.
É engraçado que ele nunca tenha sido outra coisa, senão futebolista. Eusébio nunca foi treinador, dirigente, empresário ou outra coisa qualquer, continua a ser reconhecido nos cinco continentes com um jogador de futebol de excepção, integrando a lista restrita dos melhores de sempre.
É por isso que Eusébio merece inteiramente o cargo de principal embaixador do Benfica e da Selecção Nacional.
Esta é a foto que mais gosto de Eusébio, da autoria de Nuno Ferrari, durante o Mundial de 1966 de Inglaterra.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

O Sorriso de Adeus


Ainda consigo visualizar o sorriso quase de miúdo traquina, de Miklos Fehér, o jovem futebolista húngaro que defendia as cores do Benfica no Estádio Afonso Henriques, depois de ter feito uma falta insignificante, contra um adversário do Vitória de Guimarães, e antes de ficar caído no chão...
Depois surgiram longos minutos de angústia, à espera do milagre da vida, que não aconteceu.
Passam hoje três anos, desse fatídico dia, tão triste e desolador para todos os amantes de futebol e da vida.
Claro que ninguém devia morrer tão jovem, mas como não conhecemos o segredo da "chave" da vida...
Sobra o sorriso de menino de Miklos Fehér, bem focado nesta capa da revista "Visão", poucos dias depois da tragédia...

terça-feira, janeiro 23, 2007

A Carreira da Saudade


Mais do que o seu percurso entre a Meda e o Pinhão, a carreira era para nós a velha camioneta que vinha todos os dias pela EN 222 e nos ligava à Vila, ao Comboio e ao Mundo, pela linha do Douro.
A carreira da Meda ou a carreira da Viúva passava nos Pereiros todas as manhãs, pelas oito horas e trinta minutos, e regressava às quatro e meia da tarde, depois de subir penosamente, curva-contra-curva, Pinhão, Bateiras, Casais, Ervedoza, até ao planalto da Pesqueira, num esforço notável para a provecta idade dos veículos que a firma Viúva Carneiro & Filhos, Ld.ª escolhia para fazer este percurso diário e exigente.
À ida, chegava à Pesqueira um pouco depois das nove, para que as pessoas dos Pereiros, do Vilarouco, do Vidigal e mesmo de freguesias mais afastadas da EN 222, como Valongo, Trevões e Vázeas, pudessem estar na Vila à hora de abertura das repartições onde a burocracia as chamava, sempre com algum receio da sua parte e quase nunca com qualquer proveito.
À vinda, passava outra vez pela Pesqueira, um pouco depois das três horas e ali fazia uma curta espera. Mostrar-se na Avenida para ver passar a carreira constituía a actividade social mais importante da gente da Vila, podendo dizer- se que o trabalho da parte da tarde só se iniciava depois de a carreira ter passado, ou era interrompido durante esse período e não vestir a melhor roupa para solenizar esse momento desqualificaria qualquer cidadão.
Neste curto intervalo desfilavam pela Avenida funcionários, artistas, comerciantes, desocupados, donas de casa virtuosas e meninas casadoiras, bisbilhotando que pessoas tinham chegado e imaginando o destino da viagem das que seguiam, assim alimentando o seu imaginário de moradores desta pequena vila do interior, onde nada se passava desde os tempos do Senhor Marquês de Pombal e da Real Companhia Velha.
Alguns grupos exibiam distintivos profissionais por si criados, como os alfaiates que espetavam na lapela do seu casaco escuro uma agulha onde enrolavam um bom pedaço de linha branca com as duas pontas a esvoaçar e, se estou a ver, punham mesmo ao pescoço a fita métrica do ofício feita de linóleo de cores berrantes.
A carreira da Meda também servia de relógio, nesse tempo em que os relógios eram raros e não se usavam todos os dias. “Já passou a carreira?” equivalia a perguntar “que horas são ?” e responder“ passou mesmo agora” era o mesmo que dizer “são oito e meia” se era de manhã, ou “quase cinco horas” se era de tarde, e dizer “hoje nem me dei conta de ter passado a carreira”, equivalia a afirmar “andei tão absorvido que nem dei pelas horas terem passado”.
Em boa verdade, a maior parte das vezes nem se via passar a carreira, pois a estrada velha, assim chamávamos à estrada nacional lá em cima, por contraposição ao pequeno ramal finalmente aberto e a que chamávamos a estrada nova, a estrada velha, dizia, não se avistava de todo o povo e, por isso, se quiséssemos ser rigorosos, teríamos que dizer, ouvi passar a carreira, pois era o ruído do seu cansado motor a arrancar para a paragem seguinte, na Horta, que chegava cá em baixo e despertava os nossos sentidos.
A nós, os dos Pereiros, onde o tempo se calculava pelo Sol, sem grande rigor, a carreira da Meda iniciou-nos no dever de cumprir um horário, pois toda a gente aceitava a obrigação de estar a horas, pois “ a carreira não espera por nós, nós é que temos que esperar por ela” , como responderia qualquer pessoa que subisse mais cedo até à paragem, dois quilómetros mais acima, a quem observasse “ainda é cedo, tens muito tempo” , e assim se aprendia, com naturalidade e os meios ao dispor, o dever de pontualidade.
A carreira da Meda também cumpria com muito rigor o seu compromisso de pontualidade com os passageiros e raramente terá chegado à paragem dos Pereiros, depois da sua hora, a menos que fosse Inverno e a neve lhe tivesse pregado alguma partida, e não consta que alguma vez tenha perdido, no Pinhão, o combóio descendente, ou que tenha daí partido antes de ver instalados todos os passageiros do combóio ascendente que a procuravam e isto constituía, ao fim e ao cabo, a obrigação maior deste transporte colectivo de passageiros e bagagens empilhadas no tejadilho, quando acabou o compartimento “J”.
Pela carreira da Meda se emigrou para o Brasil, para a África, para a França e para a cidade grande, com o coração apertado pela saudade e pelo receio do desconhecido e pela mesma carreira alguns regressaram um dia, umas vezes com a felicidade estampada no rosto, outras vezes mal disfarçando nas suas rugas cavadas as desilusões de uma vida, pois a sorte, contrariamente ao Sol quando nasce, não é para todos.


Este texto tem a assinatura de Joaquim Nascimento, que volta ao "Largo da Memória".

domingo, janeiro 21, 2007

Os Poetas São Imortais



Fiama Hasse Pais Brandão há muito que não fazia o que mais gostava...
escrever... escrever... escrever...
Porque há doenças que não nos perdoam,
os amores e os prazeres.
Agora que partiu, Fiama,
vai ser recordada pelo que sempre foi,
uma criadora sublime,
graças aos seus poemas únicos,
e também às peças de teatro, contos e ensaios, que nos deixa,
de grande qualidade literária.
Nunca é demais dizer,
Obrigado pelas tuas palavras, Fiama...
Fiama partiu na última sexta-feira, ao começo da noite, com 69 anos de idade.

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Os Primeiros Mártires da Liberdade de Almada



As greves de 18 de Janeiro de 1934 provocaram os Primeiros Mártires da Liberdade de Almada, depois do golpe de estado de 28 de Maio de 1926.
Os anarco-sindicalistas foram as grandes vitimas deste Movimento Revolucionário, destruindo os sonhos, e até a vida, de muitos jovens que acreditavam na possibilidade de existir um tempo sem deuses e amos.
Joaquim Montes, com apenas 21 anos e Pedro de Matos Filipe, com 29 anos, naturais de Almada, foram condenados a 14 anos de degredo, duas das penas mais pesadas aplicadas pela justiça salazarista.
Começaram a cumprir as suas penas na Fortaleza de Angra do Heroísmo, mas com o aparecimento do Campo do Tarrafal, a jóia da coroa do Estado Novo, foram estrear este presídio de tão má memória. Especialmente para eles, que pereceram na Ilha de Santiago, devido às condições desumanas impostas pelos "carrascos" ao serviço do ditador que enrolou as palavras e os portugueses durante 36 longos anos.
Pedro Matos Filipe foi mesmo a primeira vitima mortal do Tarrafal, tendo falecido a 20 de Setembro de 1937, menos de um ano depois de ter pisado o arquipélago de Cabo Verde.
Joaquim Montes resistiu mais algum tempo, mas num dos períodos mais negros do Presídio, acabou por cair na cama e não resistiu aos maus tratos e à falta de cuidados médicos. Faleceu a 14 de Fevereiro de 1943.
Joaquim Montes, com apenas 30 anos de idade, despediu-se do mundo dos vivos, em paz, fiel ao ideário redentor e igualitário Anarquista.
Texto ilustrado com o desenho de Joaquim Montes, da autoria de Ligia, para ilustrar o livro "Almada e a Resistência Antifascista", de Luís Alves Milheiro

O 18 de Janeiro em Almada


Almada quase parou no dia 18 de Janeiro de 1934, devido à grande aderência dos trabalhadores do concelho à greve revolucionária, organizada pela Confederação Geral do Trabalho e pela Comissão Intersindical, as duas forças sindicais mais importantes na época junto dos trabalhadores.
A greve revolucionária deu-se devido à tentativa fascista de liquidar as Associações de Classe e os Sindicatos Livres, para quebrar a força e a união dos operários.
Almada na época era um concelho razoavelmente industrializado, possuindo uma classe operária bastante esclarecida e aguerrida na defesa dos seus direitos. Os anarco-sindicalistas (CGT) eram a força política dominante junto dos trabalhadores da Margem Sul que operavam nas fábricas de cortiça e nos estaleiros navais.
Na manhã de 18 de Janeiro as fábricas de cortiça “Henry Bucknall”, “Rankins & Sons”, “Armstrong & Cook”, de Almada, tal como a empresa moageira “Aliança”, do Caramujo, e os estaleiros navais na Mutela em Cacilhas, tiveram de encerrar devido à ausência dos seus assalariados. Solidários com o movimento, os motoristas de autocarros e de automóveis de aluguer, interromperam as suas funções das 10.30 às 14 horas.
Como se não bastasse, não trabalharem, os operários invadiram as ruas de Cacilhas, Cova da Piedade e Almada, provocando alguma agitação que seria reprimida pelas forças da ordem.
Fracassada a greve revolucionária, a repressão não se fez esperar. Cerca de vinte trabalhadores foram apontados como os grandes causadores da paralisação, sendo presos e conduzidos para Lisboa, sob forte escolta policial.
A maioria dos presos pertenciam aos movimentos anarquistas, afectos à CGT.
Uma das consequências desse movimento, foi a suspensão do semanário “O Almadense”, e a prisão do seu director, Felizardo Artur, o qual seria libertado três semanas depois, do Forte da Trafaria, depois de se provar que não estava envolvido no movimento.
Mas o título “O Almadense” continuou proibido por largos anos.
A grande contribuição dos trabalhadores almadenses nesta jornada de luta operária, ficou registada através do fabrico de engenhos explosivos e sua distribuição um pouco por todo o país. A “Fábrica de Bombas” situava-se na Cova da Piedade, num barracão alugado. Os principais responsáveis da CGT por este sector eram, Manuel Augusto da Costa e Romano Duarte.
As maiores vitimas do movimento foram Manuel Augusto da Costa, natural do concelho do Seixal e os almadenses, Pedro Matos Filipe e Joaquim Montes, condenados a 14 anos de degredo.
Começaram a cumprir as suas penas na Fortaleza de Angra do Heroísmo, mas com o aparecimento do Campo do Tarrafal, a jóia da coroa das forças repressivas, foram transferidos para a malfadada Ilha de Santiago, fazendo parte da primeira leva de prisioneiros que foram estrear o presidio.
Texto e imagem extraídos do livro "Almada e a Resistência Antifascista", da autoria de Luís Alves Milheiro.

domingo, janeiro 14, 2007

Humphrey Bogart Resiste ao Tempo


Há tanto a dizer sobre Humphrey Bogart (1899 – 1957), que nem sei por onde começar...
Embora tenha participado em quase oitenta filmes, nem tudo foram rosas, na sua carreira, pouco promissora nos primeiros anos de actor.
Só começou a ser reconhecido depois dos quarenta anos de idade, em parte porque a sua figura singular ofereceu algo de novo às personagens que interpretou, ligadas ao mundo policial, quer como detective como gangster.
Os seus primeiros realizadores perceberam de imediato que “Bogey” não gostava de seduzir as câmaras com sorrisos. Preferia desafiá-las, com o seu olhar frio e provocador, quase sempre seguro por um cigarro ou por um copo de uisque sem gelo.
Poucos acreditavam que seriam estes argumentos que o levariam a atingir o patamar mais elevado das estrelas de Hollywood, sendo um dos primeiros galãs do cinema a distanciar-se da beleza física que caracterizava as primeiras figuras do cinema. Era baixo, feio e mal encarado, qualidades pouco próprias para quem queria fazer carreira no cinema (ainda hoje é assim...). Claro que, o que lhe faltava em figura, sobrava-lhe em talento e presença.
Invariavelmente fingia ser indiferente ao que o rodeava, nos seus papeis, embora acabasse, quase sempre, por deixar no ar a ideia de que acreditava em qualquer coisa (como acontece no célebre “Casablanca”, cujo cartaz ilustra este texto), para além do poder e do dinheiro.
Grande parte dos seus filmes tiveram muito a ver com a noite, à qual não faltaram mulheres fatais, homens duros, rodeados de ambientes povoados de fumo, jogo e bebidas fortes... além claro, da neblina, tão característica do chamado cinemá noire.
É por tudo isto que Humphrey Bogart, apesar de nos ter deixado há cinquenta anos, continua a ser um dos meus actores favoritos.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Guantanamo, Cinco anos Depois...


Não há muito a dizer da prisão de Gautanamo, uma aberração criada por um país, que finge ser paladino da liberdade e da democracia, há precisamente cinco anos.
Embora esteja envolta em grande secretismo, consta que encerra cerca de 500 prisioneiros. São quase todos supostos terroristas, embora nenhum tenha sido levado a julgamento, e continuem presos (alguns há cinco anos), sem qualquer respeito pelos direitos humanos.
Esta situação envergonha-me profundamente e lembra-me sempre os trabalhos da PIDE durante a ditadura...
Este pequeno texto está ilustrado com um desenho de Lima de Freitas, datado de 1952, com o título de "Massacre dos Inocentes".

quinta-feira, janeiro 11, 2007

O Último Adelo de Lisboa


Devo confessar que não conhecia o significado da palavra Adelo (indivíduo que vende objectos usados). Embora o senhor Neves possa não ser o último "vendedor" de usados de Lisboa, transcrevemos o texto da autoria de Joaquim Nascimento, que me chegou à mão por José do Carmo de Francisco, porque é uma homenagem a uma cidade que tinha como habitantes pessoas que conversavam... (a ilustração foi retirada do livro "Carta de Lisboa", da autoria de Eric Sarner e Miguelanxo Prado)

Só agora que as novas tecnologias me conferem a possibilidade de visualizar, simultaneamente, boa parte das gravuras que fui comprando ao longo dos anos, me dou conta que é meu dever prestar homenagem ao senhor Neves a quem comprei boa parte delas, entre dois dedos de conversa. Mais sobre a vida do que sobre as peças em exposição e, menos ainda sobre o seu preço.
Até porque entre nós se estabeleceu um pacto secreto: o senhor Neves não me pedia preços muito elevados pois, tendo descoberto o meu pudor para lhe oferecer menos, sabia que devia pedir um preço justo, à cabeça, ou muito perto dele, para não inviabilizar, logo ali, a transacção.
- Tenho pena, senhor Neves, mas não me convém !
Eu sei que este não é o método clássico de formação de preços, muito menos neste ramo de actividade, mas connosco sempre foi assim e, salvo raras excepções em que terei pago simultaneamente o custo, também justo, da aula - o senhor Neves era um bom mestre em gravura, livros e faiança portuguesa e era generoso a transmitir esses conhecimentos – os seus preços foram sempre honestos e quase sempre couberam no meu orçamento que, como bom psicólogo, o senhor Neves intuía com bastante rigor.
Nas poucas vezes que deixei de lhe comprar sempre me arrependi e, quase sempre, quando voltei – ainda as tem senhor Neves ? – as peças já tinham sido vendidas.
Ainda hoje guardo na memória algumas que, assim, deixei de ter.
Nunca disse ao senhor Neves e pouca vezes o terei confessado a alguém que o almoço sentado, substituído por uma sanduíche foi, muitas vezes, a fonte da minha poupança para sustentar a extravagância de coleccionador, donde terá resultado um lucro acrescido para a minha saúde, para a minha elegância e para o prazer de as possuir.
O senhor Neves, no seu adelo, tinha uma empregada com funções imprecisas, mas de simpatia a toda a prova, a Dona Maria para mim, a Maria para o senhor Neves, Dona Maria que, muitas vezes, esteve do meu lado, nesta questão de preços.
Uma das suas funções era fazer o almoço para os dois num espaço precário conquistado à tralha amontoada, outra era reservar, pela manhã, um espaço para estacionamento do velho FIAT 127 do senhor Neves, o mais perto possível do estabelecimento.
A origem das minhas gravuras foi um segredo que guardei usurariamente durante alguns anos, pois não podia correr o risco de contribuir para aumentar a sua procura, promovendo o aumento de preços e a rarefacção o mercado. Eu sei, eu sei que o livre comércio não é isto !
Trabalhei algum tempo fora de Lisboa e, por essa razão, as minhas visitas ao senhor Neves foram-se tornando cada vez mais raras, até que um dia dei pelo estabelecimento fechado e nem sequer me atrevi a perguntar aos vizinhos pelo senhor Neves, receando a resposta óbvia que a sua provecta idade prenunciava.
Prefiro pensar que o senhor Neves ainda lá está, ou vem a caminho no seu velho carro, e qualquer dia reabre o seu Adelo com stock renovado e vai reservar para mim as mais belas gravuras, ou os mais raros incunábulos. Se eu o merecer, ou tiver sorte, talvez até me venda a imagem do patrono do seu estabelecimento ou o vulto policromado da República que, embora em lugar de destaque, eram apenas figuras tutelares do estabelecimento, onde nunca estiveram à venda, por nenhum preço.
O senhor Neves foi o último adeleiro de Lisboa e o seu estabelecimento, esconso, bafiento e desordenado, rés-do-chão e cave, chamava-se, não sei porquê, "Adelo de São Joaquim".

segunda-feira, janeiro 08, 2007

Os Loucos de Almada

Provavelmente os "Loucos de Almada" mereciam uma canção tão bonita como a aquela que fala dos "Loucos de Lisboa", salvo erro da autoria de João Monge, almadense por afinidade, como eu.
Quanto mais não seja pelas suas pequenas particularidades, merecem que lhes dedique algumas palavras...
Devo começar por referir que uma das coisas que estranhei quando vim morar para estes lados, foi deparar com a existência de várias pessoas com um ou outro "parafuso" fora do sitio, espalhadas pelas ruas, que pediam uma moeda aqui e ali, quase sempre de uma forma pacífica.
Com os anos habituei-me à sua presença e quando me pedem dou-lhes uma ou outra moeda, sem sequer lhes pedir para fazerem o pino...
Embora brinque com as palavras, sei que estou a falar de um assunto sério, que é, quase sempre, uma dor de cabeça para muitas famílias.
Claro que esta loucura transporta sempre algo de cinéfilo e teatral. Há sempre quem faça o seu papel imaginário, seja nos hospitais psiquiátricos, seja nas ruas. E se o Napoleão já está fora de moda, os "polícias sinaleiros" continuam a aparecer em algumas ruas, e dão quase sempre jeito a quem anda nas estradas.
Sem saber como, esta "loucura" passageira, intrometeu-se numa das últimas conversas de café das manhãs de domingo, fazendo surgir personagens históricas, algumas das quais nunca tinha ouvido falar...
As que me chamaram mais a atenção foi o "Brada-aos-Céus" e o "Distribuidor de Pensamentos", pela singularidade dos seus actos.
O "Brada-aos-Céus", tinha o hábito, assim que caía a noite, aproximar-se da Praça da Renovação e começar a gritar para os céus: «Ó Mãe!» Repetia o grito uma dúzia de vezes e depois desaparecia. Diziam que tinha perdido a mãe em menino e nunca recuperou do trauma...
O "Distribuidor de Pensamentos" era aparentemente mais discreto. Andava sempre com embrulhos de plástico debaixo do braço, dos quais retirava folhas de papel com pensamentos escritos que ia colando nas paredes, perante a curiosidade dos transeuntes que passavam.
Explicaram-me que a sua loucura devia-se ao facto de ter sido acusado, injustamente de ter roubado dinheiro do Arsenal do Alfeite, onde era escriturário...
Estes pobres senhores vaguearam pelas ruas de Almada nos anos setenta.
Gosto de pensar que a existência de tantos "loucos" nas ruas da minha cidade, é sinónimo de mais abertura e tolerância da sociedade, e não de abandono...

O Óleo que acompanha este texto é da autoria de António Ramalho e tem como título o "Mendigo".

sábado, janeiro 06, 2007

O Aparecimento do Expresso


No dia 6 de Janeiro de 1973 saiu o primeiro número do semanário “Expresso”, dirigido por Francisco Pinto Balsemão, jornalista e deputado da Ala Liberal da Assembleia Nacional.
Foi recebido com expectativa mas também com algumas reticências, por ser um projecto completamente diferente dos existentes no nosso país.
o que é facto é que o jornal impôs-se logo no mercado e tornou-se um sucesso, essencialmente por ter trazido uma lufada de ar fresco à forma como se fazia jornalismo em Portugal. De entre as novidades, destacaram-se o jornalismo de opinião e as sondagens realizadas à população.
Logo no primeiro número o "Expresso" realizou uma sondagem polémica, que (sabe-se lá porquê...) escapou ao lápis azul da censura e até foi notícia de primeira página.
Segundo os jornalistas que realizaram este estudo, 63 % da população portuguesa nunca tinha votado em eleições.
Mas onde se notaram mais diferenças nesta sondagem foi entre as populações de Lisboa e do Porto. Na Capital 79 % da sua população nunca tinha votado, enquanto no Porto este número ficava-se pelos 47 %.
Trinta e quatro anos depois, o jornal continua a liderar o mercado dos semanários, embora agora tenha de contar também com a hipotética sombra de um "Sol" que já brilha por aí...

sexta-feira, janeiro 05, 2007

A Divisão Republicana


Entre os dias 5 e 7 de Janeiro de 1891 decorreu em Lisboa o Congresso do Partido Republicano, que teve como principal objectivo afastar as grandes figuras do partido da época, com destaque para o cacilhense José Elias Garcia, uma “pedra” no sapato de Francisco Homem Cristo, provavelmente, por inveja e cinismo, pois nunca se cansou de lançar boatos e insinuações falsos sobre a sua pessoa.
Nessa época o Directório era composto por Elias Garcia, Rodrigues de Freitas, Latino Coelho, Consiglieri Pedroso e Sousa Brandão, que foram relegados para a Junta Consultiva.
Participaram nesta “golpada” Bernardino Pinheiro, Azevedo e Silva, Homem Cristo, Jacinto Nunes, Manuel Arriaga e Teófilo Braga.
É importante frisar que nessa altura já estava em preparação um golpe republicano, na Capital do Norte. Os novos dirigentes republicanos, não só se afastaram desta intentona, como ainda a combateram, com a saída para a rua de uma circular, datada de 25 de Janeiro, escassos cinco dias antes do 31 de Janeiro, data aprazada para a Revolta Republicana.
Estas divisões no seio dos republicanos explicam um pouco o insucesso da 1ª Republica entre nós, que deixou o país de rastos e preparou o terreno para um regime totalitário.
Foi uma pena, que a luta pelo poder, acabasse por destruir o sonho de tantos homens de bem...
A ilustração que acompanha este texto é da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro e retrata um comício republicano no "Theatro ds Recreios", em 1880, que teve como protagonistas Magalhães Lima, Elias Garcia e Manuel Arriaga. Foi publicada no jornal "António Maria". A fonte documental do texto é o livro "José Elias Garcia, Esboço Biográfico", da qual sou co-autor.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

O Soldado Desconhecido

A existência de monumentos de homenagem ao “Soldado Desconhecido”, de quase todas as guerras, faz confusão a muito boa gente. Especialmente a quem nunca vestiu uma farda militar e só conhece a palavra guerra de filmes e reportagens televisivas.
Às vezes sou metido ao barulho, por ter sido militar, perante falsos “objectores de consciência” que além de nunca terem acordado ao sou do toque de alvorada, gostam de brincar com a “promessa” de se defender da pátria com a própria vida, prometida em qualquer juramento de bandeira, por soldados de carne e osso.
Sinto o quanto é complicado ajuizar sobre termos militares, num país que até parece (ou finge...) que não conviveu com um cenário de guerra, relativamente recente, nas nossas antigas colónias.
O nosso passado, acaba por influenciar de uma forma decisiva a nossa opinião.
Surge quase de imediato uma divisão natural: o facto de termos sido ou não militares. Entre os que não assentaram praça, surgem outras sub-divisões, como por exemplo: os que ficaram livres naturalmente; os que “compraram” a passagem à disponibilidade; e por fim, os que “fugiram” do seu dever (era habitual durante a guerra colonial) emigrando a salto para o estrangeiro.
Depois há o tempo e a situação em que vestimos fardas. Como é normal, quem conviveu com a guerra, tem uma visão diferente de quem apenas conheceu a vida militar em tempo de paz.
Com tantos cenários diferentes, existem pontos de vista quase para todos os gostos...
Mas quando falo da morte em combate, dos corpos que ficam irreconhecíveis, dos soldados que não se conseguem recuperar (é dever dos militares não deixar ninguém para trás, nem mesmo os mortos, mas às vezes é impossível resgatar os corpos dos companheiros de jornada), a conversa muda de tom. Percebem que, goste-se ou não de militares, estamos a falar de seres humanos, quase sempre empurrados para os campos de batalha de uma forma involuntária.
Só desta maneira crua é que descobrem a essência da homenagem que é feita ao “Soldado Desconhecido”, porque ele existe e é a principal vitima de todas as guerras...

quarta-feira, janeiro 03, 2007

Explicação dos Pássaros


No final do ano senti vontade de criar um novo blogue.
Pensei fazê-lo logo no começo do ano.
A minha aposta inicial era um lugar mais livre, com espaço para todo o género de coisas.
Sem saber explicar muito bem, as voltas levaram-me até ao "Largo da Memória", onde vou procurar preservar e divulgar pequenos nadas que descubro, aqui e ali. Também vou falar de pessoas, conhecidas e desconhecidas, que deixaram a sua marca entre nós.
Ou seja, este é um espaço de História e de histórias, que podem ser de ontem ou de há 500 anos...
O outro espaço de "liberdade", fica para depois...
O óleo que ilustra este texto de estreia é da autoria de João Vaz, o "Caes do Terreiro do Paço".