quinta-feira, fevereiro 06, 2020

O "Mito" da Desertificação Humana Lisboeta


Apetece-me continuar em Lisboa, para falar de pessoas que por lá habitam - ou habitaram... -, para de alguma forma tentar deitar abaixo o mito sobre a "desertificação humana lisboeta".

Não é nenhum segredo que a Baixa de Lisboa começou a ficar quase sem habitantes, pelo menos nos últimos vinte anos. Isso explica-se sobretudo pela degradação dos prédios de traça pombalina, que passaram décadas sem sofrer qualquer obra, de beneficiação ou manutenção, por parte dos senhorios, e que com o tempo se transformaram em habitações de "risco" para os seus moradores (que além de descobrirem humidade em tudo o que era sítio, começaram a ver pedaços de tectos a cair, abrindo caminho para os pingos da chuva que manchavam as suas divisões, assim como uma crescente instabilidade nas escadas de madeira, que tinham de subir diariamente...).

Ou seja, foram sobretudo razões de saúde pública que levaram a que uma boa parte das pessoas que viviam na Baixa deixassem as suas casas.

Mas ao contrário da Baixa, os bairros históricos que a rodeiam sempre foram densamente povoados. Já era assim quando Dom Afonso Henriques conquistou Lisboa (nunca faltaram moradores em Alfama, no Bairro Alto, no Castelo ou na Mouraria (para não fugir muito do centro...).

Só com a invasão turística e com a famosa "lei cristas", é que muitas pessoas foram obrigadas a mudar de bairro (a maior parte nascida e criada ali...), porque deixaram de ter condições para pagar as rendas "milionárias", exigidas pelos senhorios...

Quem mora fora de Lisboa muitas vezes tem a ideia de que o Centro Histórico da Cidade estava completamente degradado e abandonado, e que o turismo foi uma "benção", porque contribuiu para a sua recuperação.  Degradado sim, abandonado, não.

Não podemos esquecer as pessoas que davam vida aos bairros, que ainda iam bater à porta da vizinha do lado, para pedir um bocado de sal ou de açúcar... foram forçadas a partir, com os parcos haveres, para Almada, Brandoa, Odivelas ou Moscavide (quem tinha uma "terra" regressou à província)...

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

4 comentários:

  1. Luís, também acontece o seguinte: viver no centro de Lisboa, ter habitação desafogada/ampla e com outras boas condições, e pagar valor razoável para a maior parte dos ordenados, não há; esse três em um, não há. Se se valoriza muito essa localização, tem de se abdicar de algo, e normalmente certas características da casa em que se vive, são muito valorizadas, como a área.

    (Não estou contra o que disseste, não digo que não aconteça... É apenas mais uma peça a considerar.)

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    1. Cada caso é um caso, Isabel.

      Mas que se estão a esquecer dos lisboetas, estão...

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  2. Se é verdade que a 'desertificação' das zonas históricas de Lisboa de devem à degradação dos velhos prédios pombalinos e outros, também e verdade que para fazer obras de beneficiação ou simplesmente manutenção deveria existir um consenso entre senhorio e inquilinos.
    Os primeiros não podiam arcar com as despesas na totalidade, em virtude das baixíssimas rendas, e os segundos por pensarem ser da inteira responsabilidade do senhorio. Entretanto, foram-se degradando as habitações e, finalmente, dando início a acordos que nem sempre favoreceram os inquilinos, mas sempre ouvi dizer que mais vale um mau acordo do que uma boa contenda...
    O mesmo tem acontecido no Porto e, creio, em outras cidades do país.
    Sinais dos tempos, Luís!


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    1. O problema é a passagem do 8 para o 80, Janita.

      Não é razoável em parte nenhuma do mundo passar uma renda de 100 euros para 1000...

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