terça-feira, junho 16, 2015

Abrir a Porta e Deitar Fora a Vida


«Acompanhou-nos ao café e começou a falar quase sem parar. Aproveitou as imagens da cheia no centro da Europa, para desejar que uma coisa daquelas chegasse à Vila, mesmo que fosse só à sua casa. Nem se importava de lhe abrir a porta. Olhámos um para o outro, com cara de caso, sem o interrompermos.

Ele continuou com o aparente disparate, a vivê-lo cada vez mais intensamente:
- Vocês não imaginam o prazer que me dava, ficar sentado numa cadeira do telheiro a ver todas aquelas merdices a serem levadas pela corrente.

Um minuto depois explicou-nos que falava das bonecas e dos bibelots da mulher, que durante anos lhe roubaram espaço e não lhe permitiram mexer em quase nada, da sala ao quarto onde apenas lhe era permitido dormir.

O seu mundo era a barbearia. Mas não era homem de guardar coisas, percebia-se que não gostava do passado. Era por isso que precisava tanto de ajuda, para deitar fora o que tinha sido a sua vida, desde que casara.»

A fotografia é de um autor desconhecido, retirada do blogue "Pombalinho", de Manuel Gomes.

6 comentários:

  1. Tanta gente que se sente assim. Com vontade de deitar fora o que tem sido sua vida. E cada vez mais, neste país triste e cinzento fechado numa lura de coelho...

    A fotografia é espetacular. Deve ser das cheias do Ribatejo.

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    1. Nem sempre conseguimos viver a nossa vida, Graça.

      É como se nos deixássemos ficar prisioneiros do outro...

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  2. doí ler, mas tanta gente por aí com vontade de mudar (certas coisas) e sem coragem....

    a foto está muito bem escolhida.

    boa semana.

    beijo

    :)

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    1. A vida continua a ser uma coisa estranha, Piedade.

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  3. E não é que andamos todos assim? Com vontade de sacudir o passado e encontrar um futuro melhor?
    Um abraço

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