No início não percebi onde nos iria levar aquela conversa.
Deixei-me levar naturalmente, sem renegar o meu passado, muito menos as minhas origens de esquerda democrática.
Foi esse o problema, que acabou por provocar quase uma transfiguração no meu anfitrião. A pessoa agradável que tinha estado ali a conversar comigo transformou-se de repente e olhou-me como se fosse um inimigo, deitando fora a raiva que tinha dentro de si. Diabolizou a Revolução de Abril, como se fosse o começo de todos os males, tal como os meus ideais sociais, todos errados e derrotados pelo tempo, segundo o seu ponto de vista.
O toque do telefone interrompeu a conversa e ele saiu da sala. Felizmente quando voltou vinha outro, foi como se tivesse deixado o seu lado "fascistoide" na outra divisão. Voltámos a conversar normalmente, sem dar espaço a mais discussões.
Quando sai para a rua vinha confuso, sabia que não precisava de aturar coisas do género. Mesmo assim resolvi ainda fazer um jogo de compreensão, colocando-me no seu lugar. Ver o 25 de Abril destruir e dividir o império da minha família, ter de fugir para o Brasil para não correr o risco de ver os meus avós, pais e tios na prisão. De um momento para o outro foram todos obrigados a descer à terra, a terem de ser pessoas comuns. O espacinho que ocupavam algures ligeiramente acima, mais próximo do "céu", desaparecera...
Embora aceitasse o seu sentimento de perda, ainda tão agarrado ao passado, nunca o iria compreender.
Continuo a pensar da mesma maneira que o meu pai: não sou nem mais nem menos que outro homem qualquer.
O Óleo é de Brent Lynch.
Não acredito no que escreveu.
ResponderEliminarDe certeza que se pertencesse a uma das tais famílias importantes, tinha outra posição.
Não se esqueça que muita gente foi espoliada de bens que conseguiu, honestamente, com o 25 de Abril.
E em muitos casos nunca foram devolvidos.
não sei. não nasci nessas famílias.
ResponderEliminaras revoluções são assim mesmo, João.
na nossa as únicas mortes foram feitas pela PIDE, para se despedir em grande.