quinta-feira, julho 14, 2011

O Sonho da Boa Vida do Passado


No início não percebi onde nos iria levar aquela conversa.


Deixei-me levar naturalmente, sem renegar o meu passado, muito menos as minhas origens de esquerda democrática.

Foi esse o problema, que acabou por provocar quase uma transfiguração no meu anfitrião. A pessoa agradável que tinha estado ali a conversar comigo transformou-se de repente e olhou-me como se fosse um inimigo, deitando fora a raiva que tinha dentro de si. Diabolizou a Revolução de Abril, como se fosse o começo de todos os males, tal como os meus ideais sociais, todos errados e derrotados pelo tempo, segundo o seu ponto de vista.

O toque do telefone interrompeu a conversa e ele saiu da sala. Felizmente quando voltou vinha outro, foi como se tivesse deixado o seu lado "fascistoide" na outra divisão. Voltámos a conversar normalmente, sem dar espaço a mais discussões.

Quando sai para a rua vinha confuso, sabia que não precisava de aturar coisas do género. Mesmo assim resolvi ainda fazer um jogo de compreensão, colocando-me no seu lugar. Ver o 25 de Abril destruir e dividir o império da minha família, ter de fugir para o Brasil para não correr o risco de ver os meus avós, pais e tios na prisão. De um momento para o outro foram todos obrigados a descer à terra, a terem de ser pessoas comuns. O espacinho que ocupavam algures ligeiramente acima, mais próximo do "céu", desaparecera...

Embora aceitasse o seu sentimento de perda, ainda tão agarrado ao passado, nunca o iria compreender.

Continuo a pensar da mesma maneira que o meu pai: não sou nem mais nem menos que outro homem qualquer.

O Óleo é de Brent Lynch.

2 comentários:

  1. Não acredito no que escreveu.
    De certeza que se pertencesse a uma das tais famílias importantes, tinha outra posição.

    Não se esqueça que muita gente foi espoliada de bens que conseguiu, honestamente, com o 25 de Abril.

    E em muitos casos nunca foram devolvidos.

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  2. não sei. não nasci nessas famílias.

    as revoluções são assim mesmo, João.

    na nossa as únicas mortes foram feitas pela PIDE, para se despedir em grande.

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