sexta-feira, novembro 19, 2010

Neste Inverno Já Não Chove

Pagavam uma renda baixa a um senhorio ausente, que não passava de uma conta bancária, onde todos os meses depositavam o dinheiro.
Tentaram inúmeras vezes entrar em contacto com ele, mas nunca obtiveram qualquer resposta. Os Invernos eram cada vez mais penosos, já não chovia apenas na cozinha, também caía água no corredor, na casa de banho e num dos quartos.
As paredes ficavam negras e o cheiro a humidade entrava pelas narinas e enrolava-se nos corpos.
Não tinham coragem para tomar qualquer medida, cresceram no tempo do Salazar em que a lei era para se cumprir, sempre, pelo menos para os pobres.
Os filhos culpavam-nos por nunca terem comprado uma casa, na época em que o dinheiro valia pouco.
O único que mostrou interesse em resolver o problema foi o neto, com apenas dezanove anos.
Segundo a sua opinião a primeira coisa que era preciso fazer, era deixar de depositar a renda. No inicio não concordaram, mas depois perceberam que era a única maneira de fazer com que o senhorio saísse do seu pedestal.
Três meses depois um casal bateu à porta. Faltava pouco para o almoço. Foi uma hora boa porque o neto estava presente e foi ele quem abriu a porta. Assim que eles se identificaram, exclamou: «até que enfim.» Depois fez-lhes uma visita guiada pelos cantos da casa, mostrou-lhes os tectos negros e os alguidares no chão, que evitavam males maiores em dias como aqueles, cheios de nuvens escuras.
O casal ficou quase sem palavras e prometeu arranjar o telhado, mas tinha de aumentar a renda. O neto, expedito, disse-lhes: «arranjem o telhado que depois falamos do aumento.»
Sempre acabaram por arranjar o telhado e substituir as janelas e portas de madeira por umas de alumínio. Claro que a renda não triplicou como o senhorio queria, apenas duplicou. Mas valeu a pena, os Invernos são mais fáceis de suportar, sem ter de se ter o desumificador sempre ligado...
O óleo é de Edgar Mendoza Mancillas.

8 comentários:

  1. Um bom conselho do neto!
    Os mais novos também podem e devem ensinar os mais velhos!


    Abraço

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  2. O que é frustrante é que esses arranjos eram absolutamente necessários e como tal não deveriam estar sujeitos a aumento.

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  3. sempre, Rosa.

    este é uma drama de todas as cidades.

    senhorios que nunca fizeram obras nas suas casas e depois desculpam-se que as rendas são baixas e não dão para as obras...

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  4. isso então é uma impossíbilidade completa, Catarina.

    falta um grande sentido de humanismo nisto tudo...

    às vezes fico com a sensação que para alguns nem todos nós somos pessoas.

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  5. uma realidade que ainda hoje existe e que vem provar que muitas vezes só as atitudes radicais dão respostas... não sou muito de acordo em usá-las, mas há quem as mereça... beijinhos*

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  6. Mais uma historia que me é muito familiar.Quando era pequena os meus Pais tiveram esse problema na sala, mas só ao fim de muito tempo, de muitas cartas e queixas,se resolveu o problema.
    Foi a Camara que fez o arranjo, pois o senhorio sempre se negou.
    Já me tinha esquecido disso.Curioso!

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  7. muitas vezes nem com atitudes radicais, Alice.

    os senhorios portugueses são um pouco como os nossos empresários, não conseguem ver longe nem têm sentido de estado, muito menos humano.

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  8. mais um bom exemplo português, Anita.

    claro que há excepções, felizmente.

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