Só posso dizer que têm toda a razão: trocar a passagem do octagésimo aniversário de Dinis Machado pelo futebol, não lembra a ninguém...
Um dia depois, só posso fazer uma coisa, transcrever uma parte do pequeno caderno que escrevi, de tiragem limitadíssima, construído a partir de um "post", publicado no Dia Mundial da Poesia.
Aí vai:
[...] Cardoso Pires foi ainda mais longe[i]: «não me digam que não é uma felicidade estar-se assim, com gaivotas a saírem-nos de baixo dos pés e a passarem-nos a dois palmos dos olhos num bailado de gritaria.»
Carlos de Oliveira[ii] continuava deslumbrado com o Sol que brilhava rente ao Tejo: «o ar boreal reflecte-nos os olhos, tão limpos que os extingue.» Cardoso Pires sorriu e deu uma palmada nas costas do amigo, antes de resolver falar de coisas mais palpáveis, recordando[iii] as muitas vezes que desceu a rua do Alecrim em direcção ao rio, como se o estivesse a fazer naquele momento, «quando olho para o fim da rua, descubro que os enormes guindastes da Lisnave da Outra Banda do rio se encontram quase do lado de cá, em cima do Cais Sodré.» Sem se esquecer de brincar com a situação, fingiu perguntar-lhes: «atravessaram o Tejo ou foi o Tejo que encolheu durante a noite?»
O Dinis olhou-me com aquele olhar doce de criança grande, igual ao das tardes que partilhámos no primeiro andar da rua Ancheta, no Chiado. Confidenciou-me[iv], «tive sempre uma pequena bússola – para me levar aos pais, aos amigos, aos trabalhos de que gostava. E guiou-me para as auroras boreais dos livros e dos filmes.» Com o olhar preso a um cacilheiro que cortava as águas do rio, contou-nos que, «a imaginação é um barco.»
Zé Gomes, assim que viu o seu amigo, Manuel, alentejano do mundo, expressou[v] a amizade dos dois desta forma: «ambos ciganos por temperamento, e com pernas incansáveis, entendemos-nos sempre às maravilhas, até porque nunca se quebrou entre nós aquele ritual de cerimónia que acompanha as amizades verdadeiras.»
Manuel da Fonseca abraçou o amigo e ofereceu-nos um bom exemplo[vi] da sua alma de vagabundo: «sou barco de vela e remo, sou vagabundo do mar. Não tenho escala marcada nem hora para chegar: é tudo conforme o vento, tudo conforme a maré…» [...]
[i] “Lisboa Livro de Bordo”, José Cardoso Pires, p.114.
[ii] “Colheita Perdida”, Carlos de Oliveira, p. 20.
[iii] “Lisboa Livro de Bordo”, José Cardoso Pires, p 38.
[iv] “Gráfico de Vendas com Orquídea”, Dinis Machado, p 114.
[v] “A Memória das Palavras I”, José Gomes Ferreira, p. 180.
[vi] “Antologia Poética, Manuel da Fonseca, p. 59.
Carlos de Oliveira[ii] continuava deslumbrado com o Sol que brilhava rente ao Tejo: «o ar boreal reflecte-nos os olhos, tão limpos que os extingue.» Cardoso Pires sorriu e deu uma palmada nas costas do amigo, antes de resolver falar de coisas mais palpáveis, recordando[iii] as muitas vezes que desceu a rua do Alecrim em direcção ao rio, como se o estivesse a fazer naquele momento, «quando olho para o fim da rua, descubro que os enormes guindastes da Lisnave da Outra Banda do rio se encontram quase do lado de cá, em cima do Cais Sodré.» Sem se esquecer de brincar com a situação, fingiu perguntar-lhes: «atravessaram o Tejo ou foi o Tejo que encolheu durante a noite?»
O Dinis olhou-me com aquele olhar doce de criança grande, igual ao das tardes que partilhámos no primeiro andar da rua Ancheta, no Chiado. Confidenciou-me[iv], «tive sempre uma pequena bússola – para me levar aos pais, aos amigos, aos trabalhos de que gostava. E guiou-me para as auroras boreais dos livros e dos filmes.» Com o olhar preso a um cacilheiro que cortava as águas do rio, contou-nos que, «a imaginação é um barco.»
Zé Gomes, assim que viu o seu amigo, Manuel, alentejano do mundo, expressou[v] a amizade dos dois desta forma: «ambos ciganos por temperamento, e com pernas incansáveis, entendemos-nos sempre às maravilhas, até porque nunca se quebrou entre nós aquele ritual de cerimónia que acompanha as amizades verdadeiras.»
Manuel da Fonseca abraçou o amigo e ofereceu-nos um bom exemplo[vi] da sua alma de vagabundo: «sou barco de vela e remo, sou vagabundo do mar. Não tenho escala marcada nem hora para chegar: é tudo conforme o vento, tudo conforme a maré…» [...]
[i] “Lisboa Livro de Bordo”, José Cardoso Pires, p.114.
[ii] “Colheita Perdida”, Carlos de Oliveira, p. 20.
[iii] “Lisboa Livro de Bordo”, José Cardoso Pires, p 38.
[iv] “Gráfico de Vendas com Orquídea”, Dinis Machado, p 114.
[v] “A Memória das Palavras I”, José Gomes Ferreira, p. 180.
[vi] “Antologia Poética, Manuel da Fonseca, p. 59.
Gostei tanto de ler!
ResponderEliminarQue belo encontro que nos faz esquecer os desencontrados caminhos que trilhamos!
ResponderEliminarAbraço
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarTambém eu gostei de ler!
ResponderEliminarDeve ser bom “não ter escala marcada nem hora para chegar.” Depois de tantos anos a cumprir horários, é-me difícil imaginar uma liberdade destas! Nem nas férias de verão o consigo fazer! Mas invejo quem o consegue...
que acto de exorcísmo Luís!
ResponderEliminardas marés que rebentam na vontade dos ventos...
quando contávamos os dias
nos rumores das marés
escrevíamos os círculos das gaivotas
para prevenir o frio dos Invernos.
ainda não sabíamos que as aves
circulam sempre
ainda que as nossas mãos antecipem
a rebentação das sombras.
foi assim que descobrimos
que o mar
é um destino de céus vertiginosos.
__ como que um beijo Luís.
obrigado!
comentamos ambos o meu blog às 23.11 :) deve ser um sinal de sorte! beijinhos, luís. fica bem!
ResponderEliminaróptimo, Helena.
ResponderEliminarsim, sabe bem fazer disto outra coisa melhor, momentaneamente, Rosa...
ResponderEliminaré dificil, Catarina, mas pelo menos nas férias tento não ligar muito ao relógio...
ResponderEliminareu não lhe chamava exorcismo, Maré.
ResponderEliminarfoi um rever, um voltar a olhar, voltar a escutar e a aplaudir tanta gente boa que fez coisas maravilhosas no mundo das letras...
esperemos que sim, Alice.
ResponderEliminarboas férias.
Que belo momento de leitura acabei de ter!
ResponderEliminarUm abraço
e foi nesse sentido que eu te li.
ResponderEliminarum autêntico exorcismo para o meu dia que tinha sido " infernal" :)
beijos Luís
que bom, gostares, Rosa Brava.
ResponderEliminarque bom, ajudar a libertar-te, por momentos, de um dia "infernal", Maré.
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