domingo, setembro 10, 2023

A ignorância "atrevida" e "burra" televisiva (cada vez mais normal)...


Logo que ouvi pela primeira vez a notícia, pareceu-me estranha, até pela marca obtida ser demasiado vulgar. Refiro-me ao recorde dos 10.000 metros tão badalado hoje nas televisões, porque finalmente Samuel Barata tinha batido o recorde nacional desta distância (com 27.45,00")  de Fernando Mamede.

Como fiz atletismo e gostava de estatística, tinha algum conhecimento sobre as melhores marcas nacionais de praticamente todas as disciplinas. Com o passar dos anos, fui-me afastando da modalidade, mas não ao ponto de perceber que estava a ouvir uma "burrice" nos vários canais televisivos que anunciavam o dito recorde.

Consultei a lista dos recordes nacionais e das melhores marcas e verifiquei que estava certo. Ou seja, estava a dar-se relevo a algo que nunca teve grande importância, que são os tempos obtidos em provas de estrada (se excluirmos a maratona...). E isso acontece porque há diferenças substanciais entre os vários percursos, que podem ser mais - ou menos - favoráveis a que se obtenham grandes marcas. Isso acontece por exemplo nas maratonas. Há duas ou três maratonas espalhadas pelo Mundo que são as onde se conseguem melhores resultados, e por essa razão são as mais procuradas pelos atletas...

Ou seja, o verdadeiro recorde de Portugal dos 10.000 metros, nem sequer pertence a Fernando Mamede. É de António Pinto e foi obtido em 1999, com 27.12,47". A segunda e terceira melhor marcas pertencem a Fernando Mamede e a Carlos Lopes, obtidos na mesma prova realizada a 2 Julho de 1984, que toda a gente que gosta de atletismo se deve recordar. Carlos Lopes estava isolado, quando Fernando Mamede faz uma parte final de prova incrível e além de passar Lopes, bateu o recorde Nacional e o recorde do Mundo (que nessa prova também foi batido por Carlos Lopes...). Mamede conseguiu a excelente marca de 27.13,81" e Lopes, 27.17,48". E ainda existem duas outras marcas com tempos inferiores ao de Samuel Barata, em pista, as de Domingos Castro (27.34,53", obtida em 1993) e de Dionísio Castro (27.42,84" em 1988).

Sem pretender desvalorizar o valor de Samuel Barata, sei que está longe da qualidade atlética destes cinco fundistas portugueses citados (na sua época eram dos melhores do Mundo)...

Se queriam noticiar este feito, não deviam falar em recorde, mas sim em melhor marca. E sem se esquecerem de dizer que tinha sido obtido numa prova de estrada, que continua a estar longe de ter a credibilidade dos tempos realizados numa pista de atletismo.

Estranho não ouvir ninguém da FPA (Federação Portuguesa de Atletismo) a manifestar-se sobre esta notícia. 

(Fotografia de Luís Eme - Óbidos)


6 comentários:

  1. Bom dia
    O título do texto diz tudo, amigo.

    JR

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    1. Por acaso, este tema não mexe muito com as nossas vidas, Joaquim.

      Mas é dada tanta notícia errada, diariamente, que nos deixa em sobressalto...

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  2. O jornalismo faz cada vez menos o "trabalho de casa".
    Tudo de bom, meu Amigo Luís.
    Uma boa semana.
    Um abraço.

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    1. Sim, investiga-se cada vez menos porque o jornalismo está pelas ruas da amargura, Graça.

      Cada vez se vende menos jornais (mesmo digitais), porque pensamos que se podemos ter notícias de borla, porque razão as pagamos. Só que não é a mesma coisa...

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  3. Aqui há 50 anos quase toda a gente lia, pelo menos, um jornal por dia...e agora a ignorância grassa por tudo quanto é sítio, inclusive no jornalismo.
    Na passada 2.feira, antes e após o jogo de futebol Portugal-Luxemburgo, a RTP entrevistou na rua algumas pessoas, nomeadamente adolescentes, pois aquela gente mostrou uma total incapacidade de se expressar, não sabendo completar uma frase (era só SIM ou NÃO), é deprimente ver tanta ignorância espalhada por este país todo agarrado ao telemóvel. Uma tristeza!
    Estamos a voltar ao tempo da pedra lascada. Entretanto, nas escolas, a Suécia já regressou aos manuais em papel, abandonando o digital.

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    1. Quando se perde a independência económica, perde-se também a liberdade jornalística, Severino.

      A maior parte dos órgãos de comunicação social pertencem a grandes grupos económicos, que além de terem redacções cada vez mais reduzidas, apostam mais no "espectáculo" que na informação séria.

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