sexta-feira, fevereiro 03, 2012

O Pão e o Barro


A minha Cidade Natal sempre gostou de se afirmar artisticamente, com a arte do barro.

Além do Rafael Bordalo Pinheiro e de toda uma tradição de "loiça malandra", que continua a ter como ponto alto as famosas "garrafas das caldas" e os "bonecos com badalo", havia a Secla, uma grande exportadora de peças de cerâmica, de alguma forma inovadora, tendo recebido a colaboração de inúmeros artistas plásticos, e ainda mais meia dúzia de fábricas de renome, que acabaram por ser engolidas pelas "chinesices" da economia mundial.

Havia também uma série de oleiros artesanais, com as suas rodas milagrosas, movidas pela força e engenho humano, algumas das quais conheci de perto.

Foi por tudo isto que sorri quando a Beatriz me contou,  que com nove anos, provocou uma série de estragos, na sua casa e na dos avós, só para que a oficina do senhor João não fechasse. No ano anterior tinha feito uma visita de estudo com a escola primária e achou tudo aquilo fascinante. Quando a professora contou na sala de aula que a oficina do senhor João era capaz de fechar, porque ele cada vez tinha menos encomendas, a Beatriz e mais algumas colegas decidiram partir o que existisse de barro em casa, para que os pais e avós fossem comprar peças novas ao senhor João.

Na época (anos noventa...) não tinham noção que o seu gesto era insignificante, pensavam que ao deixar cair uma caneta, uma tigela ou um alguidar, garantiam a sobrevivência do oleiro.

A oficina acabou mesmo por fechar, como tantas outras, por este país fora...

Pensei em como são deliciosos os tempos em que pensamos que podemos mudar o mundo...

O óleo é de Nadine Lundahl.

10 comentários:

  1. Uma delícia de história...
    E como sempre muito bem ilustrada!

    Abraço

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  2. A ingenuidade que depois perdemos, ou somos obrigados a perder... Mas o gesto da Beatriz e das colegas foi de mais!

    Belo quadro, como sempre!

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  3. :)

    "Pensei em como são deliciosos os tempos em que pensamos que podemos mudar o mundo..."

    Pois é. O problema é quando nos apercebemos disso e não tentamos mudar o que está ao nosso alcance: alguma coisa em nós.

    beijinho, Luís

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  4. um beijinho com votos de um bom fim de semana, luís*

    (re.abri a tradução da memória :)

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  5. A inocência das crianças é comovedora.
    Um abraço

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  6. uma história de perdas, cada vez mais comum entre nós, Rosa.

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  7. há sempre gente bem intencionada por ai, nessa selva capitalista, Graça.

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  8. nessa altura não pensamos muito em nós, Maria. :)

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  9. já vi, Alice.

    nem tudo é mau neste país. :)

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