quinta-feira, outubro 01, 2009

O Primeiro de Outubro

Não sei muito bem quantos anos se passaram, sei apenas que o primeiro dia do mês de Outubro passou a ser
o meu dia da Liberdade.
Foi durante as férias, no começo de Agosto, que recebi o convite irrecusável de secundar o meu avô paterno, na sua principal actividade comercial. Disse logo que sim. Na manhã seguinte viajei para a cidade, para me despedir do emprego "seguro" e medíocre", de escriturário de terceira...

O avô Xico já tinha ultrapassado os setenta e continuava a sua vida feliz e errante de feirante, de Norte a Sul, enchendo de preocupações a avó Lurdes. Após as habituais pressões familiares, o avô ofereceu-se para cobrir o meu ordenado de funcionário público, promovendo-me a seu chófer particular, ajudante de campo e confidente nas horas pardas do negócio.
Os meus pais torceram o nariz na altura mais acabaram por se habituar à ideia. Embora sonhassem com outro futuro para mim, preferiam que o companheiro de aventuras do avô fosse da família e não um estranho.
Já tinha conduzido meia-dúzia de vezes a velha "ford transit", que hoje seria imprópria para consumo, graças à ASAE... só não conhecia a preceito o "Senhor Xico" da venda, a personagem carismática, adorada por clientes e colegas, devido à sua simpatia e graça natural, algo que não se aprende em nenhuma escola.
Durante quatro anos fui orgulhosamente o condutor da carrinha e o montador do estaminé nas feiras que faziam parte do nosso circuito comercial. Ao avô cabia o papel principal, vender o queijo da serra, com a lábia e os truques de quem nasceu para o ofício. A frase, «melhor que isto não há», fazia milagres, tal como o facto de ter sempre um queijo aberto para a "prova dos nove".
Foi bom conhecer o verdadeiro "mundo" português. Ainda hoje recordo as nossas almoçaradas em tascas bem povoadas de mulherio, a quem ele fazia sempre questão de apresentar o neto, sem se esquecer de lhes piscar o olho, apelidando-me de "fresquinho e competente para atacar quaisquer curvas..."
Para trás ficou o certinho e desesperante funcionalismo público, que não me deixou qualquer saudade. A única coisa que não funcionava em câmara lenta, eram as bocas sujas dos meus colegas. Passavam o tempo a "cortar na casaca" do chefe, que bajulavam assim que ele pisava o soalho da secção. Fiquei sempre com a sensação que tinha tido a "sorte" de trabalhar com o melhor coro de hipócritas e lambe botas da repartição...
Pouco tempo depois de mudar de vida, percebi finalmente o sentido da expressão: «não há vida como a do campo».
Um dia o avô começou a sentir umas dores, que se foram agudizando, que acabariam por o deixar quase fechado em casa, colocando fim a quatro anos memoráveis, recheados de mil e uma aventura no mundo especial das feiras.
Como estava longe de ser um vendedor, lá tive mais uma vez de mudar de profissão. A única certeza que tive nesse momento, era que funcionário público, nunca mais...
O "Mercado das Caldas" é da autoria de Mártio pintor almadense.

14 comentários:

  1. Nada como um avô... que sorte, Luís. Acredito que foi um tempo muito bem passado.

    Beijinhos

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  2. A sua história é linda e tenho a certeza que fez a melhor opção.Quando seguimos o nosso coração as hipoteses de sermos bem sucedidos são imensas.Teve um percurso muito vivido e muito rico e só por isso valeu a pena,e deve ser muito bom aprender e trabalhar com um avô.Tem concerteza muito boas recordações.

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  3. desculpem...

    mas isto é ficcção.

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  4. embora não me importasse nada que fosse verdade, Cris e Anita...

    sempre preferi o pó das estradas de areia, à "naftalina" de alguns empregos...

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  5. Uma história muito bela, Luís.
    Um abraço.

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  6. hehe Muito boa história... convincente. :)

    Beijinhos

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  7. mais uma das tuas belas histórias Luís, a lembrar que somos um país de veias antigas...

    _______

    um fim de semana aprazível
    e um beijo

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  8. convenci-te mesmo, estavas mesmo a ver-me ao volante da "transit" e a montar a tenda na feira, Cris...

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  9. sim, claro que somos, Maré...

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  10. Mais um daqueles contos, Luís.
    Delicioso. Com o outros que ando a ler:)
    Beijinho

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  11. a nha praça... mais um bocadinho e via a minha casa!!!
    isto de sentimentalismos tem que acabar!
    beijinhos

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  12. não vai acabar nunca, Gaivota, nasce connosco e acompanha-no até ao fim...

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