quarta-feira, maio 10, 2017

Visita ao Café Gelo ( a propósito de um café com o O'Neill com visita guiada)

Nunca percebemos totalmente o quanto mudamos, o quanto nos deixamos transformar pelo tempo (quase um gigante, que está em todo o lado e se mete em tudo... mesmo sem o chamarem).

Claro que não falo de banalidades, do cabelo que se agarra aos cinzentos e se deixa levar pelo vento, ou ainda  do abdómen que descai, mesmo que se finja não beber imperiais e se frequente o ginásio da esquina.

Falo de já não conseguirmos ouvir as pessoas que dizem sempre a mesma coisa (sim há muitas pessoas iguais aos canais generalistas de televisão...). Levantamos-nos em silêncio, para não quebrar a "magia destes dias gémeos".

Quando me afasto gosto de viajar dentro da memória e de ter saudades do tempo em que podíamos dizer maluquices e éramos capazes de espremer a imaginação, como se fosse uma laranja sumarenta.

Ainda hoje me pergunto, porque razão não aceitei  de imediato o desafio de me tornar poeta, de ser mais um daqueles tipos que gostam de fintar rimas e de ver dançar as palavras, ao mesmo tempo que se esquecem de lavar demasiado o corpo, argumentando que a água e o sabão azul gastam a pele...

Foi numa dessas viagens interiores que tive uma memória com música e perguntei a uma nuvem, «o que será feito da Dulce "pianista"?» Essa mesmo, que tinha olhos multicolores e usava mini-saia, quando todas as miúdas da rua se pavoneavam à nossa frente dentro de calças de ganga apertadas. Além de gostar de contar anedotas que abriam muito a boca às meninas púdicas, ela era capaz de alegrar qualquer filme mudo com as suas improvisações de piano.

Hoje sei que fui um parvo, quando preferi namorar uma das tais miúdas que se fingiam esquisitas. Não fui o único. Todos nós tínhamos medo de amar a Dulce...

(Fotografia de Ami Strachan)

8 comentários:

  1. Pois é Luis, a idade também trás coisas boas, como a perda do medo à diferença, porque se aprende que não é necessáriamente má. Não raras vezes é até muito boa.
    Amigo, até ao dia 17estou ausente. Aqui não tenho computador, visitar e comentar amigos, pelo Smartphone é uma verdadeira aventura, para a qual já me vai faltando a paciência, pelo que não deve estranhar a minha ausência.
    Abraço

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    1. É verdade, Elvira.

      Há sempre alguma coisa que se ganha com o Maio maduro...

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  2. Olha, Luís, eu não sei se, apesar da idade nos dar esse discernimento e mais vontade de seguir o que queremos, não sei se, dizia, a conjuntura e nomeadamente a instabilidade a nível do emprego não está a truncar esse caminho, impedindo que se aposte na diferença.

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    1. Claro que haverá sempre obstáculos à nossa frente, Isabel (alguns colocados por nós próprios...).

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  3. Essas memórias são bálsamos, para nos ofereceres este texto delicioso de ler.
    Muito obrigada.
    A imagem foi muito bem escolhida.
    beijinho
    :)

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    1. É a vidinha, que às vezes corre em "câmara lenta" e dá para fazer uma redacção, Piedade. :)

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  4. Mas tu és um poeta das imagens e da vida, Luís :)

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    1. Só de vez em quanto, Laura, quando me distraio. :)

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