quarta-feira, setembro 11, 2013

«Estou a falar de putas e não de prostitutas. Não façam confusão.»


O "Avô Zeca" adorava falar sem o que a minha avó chamava "tento na língua". Era por isso que a malta ficava por ali à sua volta, a ouvi-lo regalada.
Como qualquer anarquista que se prezasse, não suportava a gente "cheia de nove horas" nem achava graça nenhuma aos tempos que estávamos a voltar a viver.
Andava sempre com um bocado da fralda da camisa de fora e com a boina de lado. Não era defeito era feitio...

Quando uma mulher vulgar passou frente ao vidro do café foi adjectivada por vários elementos da mesa, quase tudo coisas de mau gosto.

O "Avô Zeca" não achou piada aquele palavreado carregado de  preconceitos e lembrou: «Quando eu era um rapaz novo a casa de chá mais fina era também a mais célebre casa de putas da cidade. Estou a falar de putas e não de prostitutas. Não façam confusão.»

A malta riu mas ele acrescentou: «Não disse nenhuma piada. É que enquanto as mulheres pobres tinham de fazer pela vida para arranjar uns tostões, fartando-se de bulir aqui e ali, as senhoras ricas faziam o que lhes apetecia. E parece que nesses tempos lhes apetecia muito cornear os maridos.»
Nova gargalhada geral.
Ele agora também sorriu e continuou, abanando os ombros: «também parece que nunca veio mal nenhum ao mundo. Eram todos felizes.»

Depois  de se levantar e pedir mais uma taça de tinto ao balcão, disse: «Ainda hoje tenho a sensação que só os pobres é que "matam e morrem por amor".»

O óleo é de Raymond Leech.

8 comentários:

  1. Anotado então, conforme o Avô Zeca gostaria! :)

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  2. E era bem verdade. Era bem assim. Eu lembro-me. Até porque lá em casa, o meu pai e o meu avô materno eram muito liberais nas conversas à hora do jantar. Anos 50 mas muito à frente os dois...

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  3. Quando eu era miuda ouvia muito falar nas putas. O engraçado é que não se tratava de prostitutas, que essas eram chamadas de mulheres da vida. Putas entre aquele pessoal tinha outro sentido que nunca cheguei a entender muito bem. Por exemplo quando dois homens brigavam, às vezes duas mulheres ou até marido e mulher, sempre um deles dizia:
    "Põe-te nas putas antes que te parta a fuça"
    Outra coisa que o pessoal costumava dizer, é que só era mulher da vida, a mulher pobre. A rica, tinha um deslize, um capricho ou era doente.
    Outros tempos, outros modos de pensar.
    Um abraço

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  4. parece que ainda há dois mundos, Rovênia.

    um onde existe dinheiro e parece que tudo é permitido.

    e depois o outro, onde se olha de lado, aponta o dedo e há regras estúpidas.

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  5. a Graça e as mulheres da sua geração, sabem bem o tamanho e a diferença dos "dois ou três mundos"...

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  6. esse é ainda outro ponto de vista humano, Elvira.

    não me esqueço que num dos primeiros serviços onde estive havia um fulano que era conhecido como "varina" e avisaram-me logo que era bufo e perigoso.

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  7. Um avô cheio de sabedoria, um autêntico sociólogo!

    Abraço

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