É essa nitidez que me leva a citar algumas palavras de Sidónio Muralha, das suas "Vivências":
«Será possível uma operação plástica? Acaso ainda possuímos reservas de bom senso e de generosidade para salvarmos o que nos pode salvar, ou vamos cortar aos pedaços a corda que nos levaria ao outro lado do abismo para industrializarmos a forca e a introduzirmos com pagamentos facilitados, em todos os lares dos cinco continentes? Todos hesitam, quase ninguém ousa responder, e é nesse clima de permanente ameaça que os jovens amam, querem construir, mas o terreno é movediço, cantam a coragem entre quatro muros de medo, são confiantes mas se se sabem traídos protesta de toda e qualquer maneira, mas o eco responde com ressonâncias de tédio e como um céu de chumbo, uma estrangulada angústia vai lentamente descendo. É por essa razão, que pesa e magoa, que eles procuram refúgios inusitados que os mais velhos, se de facto envelheceram, não aceitam e não compreendem. Mas seria idiota que eles esperassem compreensão de quem lhes deixou uma herança de mil alqueires de insegurança e ódio, toneladas de problemas, um laboratório macabro com frascos sujos rotulados meticulosamente - guerra - tráfico de armas - fome - entorpecentes - mortalidade infantil - racismo - detestai-vos uns aos outros.»
Ninguém diria que este texto foi escrito em Dezembro de 1971... Pode facilmente ser transportado para 2025.
(Fotografia de Luís Eme - Algés)
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