Quando ele me disse, «tu nem calculas as vezes que tenho passado por otário, Luís», lembrei-me da minha mãe, que também sempre foi boa a passar "por parva", para evitar conflitos e por ter alguma curiosidade em ver até onde iria a chamada "esperteza saloia", que sempre teve mais de urbana que de campestre...
Fazia-lhe confusão ver as pessoas correrem atrás das "possibilidades remotas" de um dia se tornarem ricas, com um golpe de sorte, mas não lhe ouvia uma palavra de desagrado em relação a elas. Era ele que se achava errado, por nunca na vida ter comprado uma cautela da lotaria ou ter jogado no totobola, muito menos no euromilhões. Mas não era agora que iria mudar. Nem queria...
Vivia da sua reforma de funcionário público, a ocupação mais amaldiçoada do país pelos governantes actuais e cada vez mais reduzida. Não o preocupava, receber cada vez menos, embora tivesse descontado quarenta e dois anos. O que o preocupava era ver os netos sem trabalho e terem de emigrar, como tantos da sua geração o fizeram nos anos sessenta.
Acabou por desabafar: «Acho que tive bastante sorte na vida, Luís. Como eu sou, se estivesse agora na flor da idade, tornava-me mais facilmente um "sem abrigo", que um milionário...».
O óleo é de Miroslav Yotov.
"Nós somos feitos da mesma máteria dos sonhos."
ResponderEliminarShakespeare
[abç]
Lúcido!
ResponderEliminarBeijos, Luis
sim, Margoh.
ResponderEliminarpois, Cris.
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