terça-feira, abril 02, 2024

A Gente Boa de Abril e de Almada


Cresci numa cidade conservadora, que nunca se livrou (por vontade da maioria das pessoas que votavam...) do domínio da chamada direita democrática (PSD). Mesmo hoje é governada por um movimento independente, cujo presidente é um "dissidente" dos sociais democratas. Embora tenha sido uma "lufada de ar fresco" não se podem esperar rasgos demasiado revolucionários na sua governação.

Falo de Caldas da Rainha. A minha ligação à prática desportiva desde cedo fez com que passasse ao lado de muitas coisas. Mas aquela mania de querer "mostrar aos outros", o que se tinha e não tinha, sempre me fez confusão à cabeça. Sim, ter vontade de fazer uma casa com mais um divisão ou comprar um carro mais caro, que o familiar, vizinho ou até amigo (é uma maneira estranha de se ser amigo, mas acontece...), só para mostrar que tinha subido mais um degrau da tal "escadaria social", como se isso fosse a coisa mais importante do mundo.

Felizmente foi possível partir aos dezoito anos para a Cidade Grande, viver os meus primeiros tempos com um casal solidário e amigo, cuja formação superior não os desviou das preocupações sociais, de olhar os outros, nem de sentir que o País se começava a desviar de uma forma significativa do sonho de Abril...

O Zé e a Elisete foram muito importantes para uma ainda maior consciencialização política, e para o bom uso que se devia fazer da liberdade individual. Embora os meus pais fossem de esquerda (tal como eu perdiam as eleições todas nas Caldas...), não tinham a cultura social e política dos primos.

Mas a grande mudança deu-se quando eu tinha 24 anos e escolhi Almada como o meu porto de abrigo. Em pouco tempo, senti logo que pertencia aquela gente, sem preconceitos e manias de grandeza. Por ser governada pela CDU, a cidade tentava resistir (e conseguiu por alguns anos...) ao cavaquismo e ao mundo dos "novos-ricos", que essa figura tão bem caricaturada como "múmia", trouxe para o poder.

Apesar das muitas transformações do País, a gente de Almada que tive o prazer de conhecer, era a minha gente. As pessoas que trato orgulhosamente pela "Gente Boa de Abril".

Não as vou enumerar, até porque são bastantes as pessoas que me ajudaram a ser um melhor ser humano e cidadão. Gentes que valorizavam sobretudo os valores colectivos e que continuavam (e continuam...) a sonhar com o "País de Abril"...

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)


4 comentários:

  1. Há dias falar de Abril, agora falar das Caldas da Rainha.
    Fugazmente, conheceu as Caldas da Rainha através de Luiz Pacheco que por lá se refugiou fugindo à polícia civil e outras coisas mais. Sempre gostou das cavacas que um tio materno, quando por lá passava, na sua vida de caixeiro da Fábrica de Tecidos da Senhora da Hora, lhe trazia. Longe estava de pensar que um dia conheceria as Caldas por motivos de obrigação militar.
    Atirador de infantaria, recruta e especialidade tirada em Tavira, entrou no Regimento de Infantaria nº 5 para ministrar uma recruta, depois formar batalhão e ir para África, «rapidamente e em força» como tinha decidido o botas de Santa Comba. Por desígnios que desconhece, por completo, acabou por ficar no RI5 de Janeiro de 1967 até Outubro de 1970 a ministrar recrutas a novos mancebos. Conheceu no RI5 alguns dos futuros Capitães de Abril, que na altura eram tenentes. Dois deles embarcaram na «aventura spinolista do 16 de Março de 1974» que ainda não está, por completo, deslindada. Talvez um dia…
    Pacifista por educação cívica, juntamente com um alferes, nas aulas de instrução nocturna, liam poemas da «Praça da Canção» do Manuel Alegre e dos «Poemas Completos» de António Gedeão: «Tenho quarenta janelas,/nas paredes do meu quarto,/sem vidros nem bambinelas,/posso ver através delas,/o mundo em que me reparto.»
    Não mais voltou às Caldas da Rainha, não mais voltou ao café da bomba de gasolina de Alfeizerão, uma bomba de gasolina da Mobil, que, apenas, não era como as bombas de gasolina que o imaginário dos filmes americanos lhe transmitiu.
    Duas, três mesas, uma jukebox a um canto, todas as sextas-feiras do último mês, de quase quarenta meses de tropa, dez tostões na ranhura da jukebox e o «Make Me An Island» do Joe Dolan a cantar no sonolento café, 2, 3 gins tónicos a completar o cenário.
    Ele que até à data, depois de um milhão de gin-tónicos bebidos, em muitos e diversos bares, uns rascas, outros a armar ao fino, terá sempre na memória o sabor daqueles gins.
    As circunstâncias fazem milagres e ele sabe que os gins eram merdosos e aproveita para citar Nuno Júdice que agora nos deixou: «nada nos faz reviver melhor o passado do que um cheiro que em tempos lhe esteve associado.»

    Veio por um comentário, saiu-lhe um lençol de prosa. A velha história: perguntam-lhe as horas, começa a dizer como se fazem os relógios na Suiça!...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gostei de saber "como se fazem os relógios na suiça", Sammy. :)

      Eliminar
  2. «valorizavam sobretudo os valores colectivos»
    Sempre serão valores individuais...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não percebo, José.

      Há valores colectivos e valores individuais. Penso que seja uma coisa pacífica...

      Eliminar