quarta-feira, maio 18, 2016

Jazz com Passos Trocados ou Qualquer Coisa Parecida


Tenho dois ou três amigos quase chanfrados, que primam em ser diferentes, em praticamente tudo na vida. Todos eles fingem que não gostam de ser portugueses. Mas mal passam a fronteira, dão uma cambalhota e voltam a sentir uma necessidade enorme em pertencer ao país do Ronaldo e do Mourinho.

Esfregam na cara de todos aqueles que só gostam de países com engraçadinhos de olhos e pele clara, que são sobrinhos afastados do Vasco da Gama e do Fernão de Magalhães e habitam normalmente em Portugal, um país que é quase uma ilha.

Um deles é músico, daqueles bons que até costumam ser convidados para fazer digressões com outros colegas de ofício, capazes de encher salas e pavilhões por esse mundo fora.

Pertence a uma "tribo" que gosta de oferecer nomes estranhos aos amigos. Embora não tenha nenhuma costela açoriana, é o  "Whale Hunter" (Caçador de Baleias). Tudo porque um dia descobriram que gosta de raparigas com mais carne que osso.

Uma vez perguntei~lhe se ele sabia porque se tinha tornado músico e levei com uma resposta quase de cinema:

«Finjo que fui para músico porque tinha os pés rebeldes. Como havia sempre mais que uma coisa que me distraía fazia com que andasse a dançar as modas de forma diferente do resto da malta do baile, percebi que talvez resultasse melhor se eu fosse um dos tipos do palco com cara de "gira-discos".»
Soltou uma gargalhada antes de continuar: «Mas olha que é mentira. Mas como já a repeti tantas vezes, até eu já começo a acreditar que é verdade.
Com o jazz passa-se a mesma coisa, digo que durante os ensaios percebi que as minhas mãos eram parentes dos pés e acabou por ser o próprio professor a emprestar-me uns discos de jazz e a fazer um rascunho sobre o meu futuro.»
Nova gargalhada e uma pergunta: «Não achas que sou um bom mentiroso?»

Abanei a cabeça e disse que não, antes de lhe dizer que ele também devia escrever histórias. Ele riu-se e desculpou-se, afirmando que não fazia ideia se ainda sabia escrever...

(Fotografia de Harry Callahan)

6 comentários:

  1. Luís, esta foto é belíssima... uma 'piquena' daquelas que tem mais carne que osso.

    Apesar da motivação que o levou a ser músico não seja grande coisa, ainda bem que é bom nessa arte. Sobretudo no jazz, pois, gosto muito.

    Quanto a essa forma de estar, mentir como ele diz, não é a minha onda (ou a minha praia!) e tenho dificuldade em lidar com pessoas assim porque não lhes consigo achar piada e colidem com a minha atitude.
    Sim, talvez no escrever histórias se movimentasse bem.

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    1. Quase todos os artistas são bons mentirosos, Isabel, gostam de fabular a vida. Especialmente aqueles que dão entrevistas a revistas de "mexericos". :)

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  2. Pois, a imagem é belíssima.

    Quanto ao mentir, comigo também não daria, certamente...

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  3. Gostei muito da ideia de "pés rebeldes" como escolha de uma "vida" :)

    O teu amigo deve ser um bom contador de histórias :)

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  4. É, dos bons, exagerados e mágicos, Glória. :)

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