domingo, fevereiro 01, 2015

O Retrato do "Botas" Mudou de Salão


Não reagi com alegria nem tristeza, quando me disseram que o escritório da família do doutor Henrique já não era ali, rente ao jardim. O senhorio resolveu aproveitar a nova lei das rendas para tornar aquele terceiro andar demasiado caro, para um simples museu de família, mesmo que tivesse um nome respeitado, pelo menos por esta maltinha que está no poder.

Lembrei-me do quadro com a fotografia de Salazar, em destaque numa das paredes do salão, Estava ali como estavam outras coisas, a decorar aquela casa antiga, de uma família que continuava a acreditar nas "castas", como se as pessoas fossem como os vinhos...

Só lá entrei uma vez. Enganado. Foi por isso que estava lá e não estava. Eles falavam e eu fingia que escutava. A única pessoa que conhecia daquela família era o tio médico, ausente do álbum de fotografias desde muito cedo. Era a "ovelha negra", algo que nunca o incomodou. Eles não deviam sonhar que eu o conhecera, mas afirmaram, quando descobriram que eu era de Almada, que quem gostava muito da Outra Banda era o "tio comunista". Oferecendo-me de seguida um sorriso, no mínimo sacana.

Também lhes sorri, enquanto me lembrava que o tal homem do retrato não passava de o "botas", para o doutor Henrique, que embora não fosse comunista, convivia melhor com esse rótulo que com o apelido herdado da família salazarista, que continuava a sonhar com o D. Sebastião.

Sonhos que não iriam desaparecer, agora que foram obrigados a mudar de rua.

2 comentários:

  1. Infelizmente ainda anda muita gente à espera de um D. Sebastião.
    Um abraço

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    1. é natural em momentos como os que vivemos, Elvira, em que nos sentimos impotentes para mudar o que quer que seja...

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