quarta-feira, junho 27, 2007

A Fonte da Aldeia


Da varanda da minha casa vejo a “Fonte da Aldeia” como era há 40 anos, uma fonte de mergulho com um negrilho ao lado, uma da faia e uma cerdeira que já lá estavam quando eu nasci.
Vê-se pelo nome que esta é a fonte mais antiga dos Pereiros e a sua água fresca nascida da fraga, a alguns metros de profundidade, terá sido o elemento primordial para fixação dos primeiros moradores. Desde então, com ela se baptizaram gerações de conterrâneos meus, a outros tantos aspergiu, a quase todos lavou a cara e a todos matou a sede, sem que alguma tenha secado.
No S. João, o largo á sua volta era o sítio escolhido para acender o fogo e, nesse fim de Junho, a fonte ainda tinha água suficiente para o banho lustral de quem tinha preguiça de descer ao rio. A fonte e o rio iriam minguar nos meses seguintes e, na fonte, iria nascer apenas um fio de água que era preciso “guardar” até chegar para encher o cântaro, uma pessoa de cada vez, dia e noite, pois era preciosa demais para se desaproveitar.
Esperar a água ou “guardar a vez” era um acto social dos moradores, melhor dizendo, das moradoras, pois essa tarefa cabia às mulheres, na repartição que então vigorava, e a vez de cada uma era assinalada pela ordem do alinhamento dos cântaros no poial e respeitada com o máximo rigor.
Para a fonte convergia o povo e este intervalo na dura faina do campo era aproveitado para conviver, para falar da vida, principalmente da vida alheia e para encontros de namorados que se tocavam discretamente e faziam juras de amor.
Na minha memória, a Fonte da Aldeia ainda é assim, e quem me dera ter uma fotografia antiga para vos mostrar como mudou, depois que alindaram excessivamente e lhe alteraram o traçado.
Terão julgado irrelevante substituir, por novas, as pedras seculares, terão pensado que era inteligente mudar-lhe a entrada, deixando sem sentido as escadas que levavam ao fundo, eliminar-lhe o poial onde se pousava o cântaro antes de o pôr à cabeça, ou substituir-lhe, por betão, as enormes lajes de xisto que lhe serviam de cobertura e guardavam musgo de muitos séculos!
Eu sei que não foi por mal, mas esta não é a Fonte da Aldeia guardada no imaginário dos que partiram e que ali desejam voltar a matar a sede e a saudade, porque ainda acreditam que a sua água será sempre a melhor do Mundo.
Mas será que isto importa, quando se tem água canalizada em casa?!

Mais um texto de Joaquim Nascimento.

4 comentários:

  1. eu também ia à fonte... e ao lado da fonte havia o lavadoiro onde as mulheres se esfregavam contra a roupa da casa, vitória infeliz...

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  2. E toda a àgua da fonte ficava no azul fresco de uma bilha, só conheci as de plástico. E por trás da porta verde um escuro fresco da descida, e o medo do escuro e do fresco, descer, leve, a medo e a custo, a mão que se molha, o peso da água e da bilha agora com sentido. Sempre a àgua que derrama e teima em molhar, mas é fresca a àgua, e antiga.

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  3. E toda a àgua da fonte ficava no azul fresco de uma bilha, só conheci as de plástico. E por trás da porta verde um escuro fresco da descida, e o medo do escuro e do fresco, descer, leve, a medo e a custo, a mão que se molha, o peso da água e da bilha agora com sentido. Sempre a àgua que derrama e teima em molhar, mas é fresca a àgua, e antiga.

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  4. Tenho horror a este tipo de arranjos que não respeitam a traça original.
    Infelizmente, é o que mais se vê por esse país adiante.

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