quarta-feira, abril 04, 2007

O Monopólio das Palavras


Nunca esqueci as palavras de alguém que me é querido, quando me contou a história da sua passagem meteórica por um partido político. Por ser uma figura respeitada na cidade onde vivia, quase que foi empurrado para dentro de uma organização política, ainda nos tempos revoltosos. Aceitou o desafio, sem saber muito bem ao que ia.
Como não era burro, depressa percebeu que a democracia invocada nos discursos, um pouco por todo o lado, não passava de uma teoria para se espalhar pelos outros. Um dia, já cansado de ouvir sempre a mesma voz, que iniciava, mediava e terminava as sessões do partido, pediu a palavra.
Dirigiu-se ao camarada que tinha o “Monopólio das Palavras” e disse-lhe, olhos nos olhos, que a democracia não era feita a uma só voz. Quando o questionou, porque razão não havia espaço para mais vozes e opiniões nas reuniões, ouviu a desculpa, meio envergonhada, de que ninguém pedia a palavra e ele ia falando...
Antes de sair pela porta fora, para não mais entrar na sede, daquele ou doutro partido, ainda lhe deu um recado final, «Se gosta assim tanto de se ouvir e de ser o único a tomar decisões, devia ter escolhido um partido totalitário e não um partido socialista. Dessa forma não se enganava a si nem aos outros.»
Escusado será falar das histórias que inventaram, pouco tempo depois, para explicar esta saída pouco airosa, de um partido que continua a afirmar-se democrático.
Talvez esta história explique um pouco, porque razão, o nosso país, quase trinta e três anos depois da Revolução dos Cravos, continue tão afastado dos desígnios de Abril.
Lembrei-me deste episódio, por duas vezes, em meia dúzia de dias. O mais curioso foi isso acontecer em duas tertúlias, que deviam funcionar de uma forma distante dos monólogos. Senti-me incomodado por ver que há pessoas que aparecem nestes encontros apenas para se exibirem, como se estivessem num palco. Gostam tanto de se ouvir, que nem percebem (ou fingem não perceber...) que a sua ânsia de falar, além de roçar o ridículo, rouba espaço e tempo aos outros.

Esta litografia colorida é da autoria de Rafael Bordalo Pinheiro, publicada na "A Paródia", de 16 de Maio de 1900, num hino a todos os papagaios parlamentares. O desenho é de tal forma feliz que continua a fazer juz a todas estas "aves falantes" que nos rodeiam.

6 comentários:

  1. Sei do que falas Luís.

    Conheço alguns destes papagaios, machos e fémeas, que além de se afirmarem donos da verdade, não deixam mais ninguém falar.

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  2. Quase todos nós conhecemos pelo menos um exemplar destes.
    E é fugir deles a sete pés, que não há quem aguente!

    Um abraço e uma Páscoa feliz.

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  3. Como te compreendo...
    É terrível...

    Um beijo, Luís e uma Boa Páscoa

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  4. Volto aqui, já depois da Páscoa, só para te dizer que o "teu" papagaio me trouxe umas ideias para um post...

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  5. Quem não conhece Alice?...

    Até parece que o mundo é deles...

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  6. O problema é quando não temos hipótese de fuga, Sininho...

    Fico satisfeito por o "papagaio" ter servido de inspiração lá para a "Falésia"... com tantas variedades de "pássaros" e "passarões", claro.

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