segunda-feira, agosto 08, 2016

«Não imaginas o quanto tenho aprendido contigo, companheiro.»


Sempre que se fala na sua segunda vida, ele sorri... e fica-se por aqui. Nem uma palavra sobre o assunto.

Claro que um dia também quis ser apenas músico de jazz, mas depressa percebeu no sarilho que se ia meter. Já não se chateia de ser funcionário público das nove às cinco, pela montra que é de ideias e de comportamentos esquizofrénicos. Claro que até tinha pensado em reformar-se mais cedo, mas como os governantes alteraram as regras, ele teve de mudar de planos...

A transferência da tal vida quase inteira para a casa de campo herdada dos avós, com espaço suficiente para criar e ser livre, continua quase presente. Mas como passa muitos fins de semana a tocar, continua aparentemente a ser mais sonho que realidade... embora a casa esteja lá à espera, a caminho do Sul.

Só me disse uma vez, quando estava a ouvir os meus desabafos: «uma das melhores qualidades que tenho é não me levar demasiado a sério, nem sequer ter a mania que sou o melhor músico da minha rua. O que isso me tem poupado dinheiro em antidepressivos...»
Eu sorri e percebi a mensagem: há defeitos que também são qualidades... 

E embora não seja de me lastimar, graças aos seus exemplos deixei de perder tempo a "lamber as feridas" ou a querer mudar o mundo sozinho...

Acho que ele já devia ter ouvido da minha boca algo como: «Não imaginas o quanto tenho aprendido contigo, companheiro.»

Especialmente com os seus silêncios e pausas.

(Óleo de Gosta Adran Nilsson)

2 comentários:

  1. Luís, este texto fez-me lembrar que, na generalidade, somos muito bons a ter pena de nós e temos tendência para dar de comer às nossas angústias. Muitas vezes usa-se as lamentações para justificar a inércia. Isto parece-me bem que seja contrariado.

    Já o que não está ao nosso alcance mudar, não vale a pena gastar energias. Há coisas que temos de incorporar na vida, sem que se trate de conformismo.

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    1. É humano, Isabel...

      Faz parte da nossa natureza.

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