Sei que o desporto é uma actividade especial, onde normalmente não se reserva qualquer espaço para os vencidos. Talvez isso explique a cultura da vitória, "a qualquer preço", que infelizmente quase que se tornou "lei" (acredito que está mais associada às modalidades colectivas, pela cultura de clube que foi crescendo à sua volta...).
O simplicidade e a beleza do futebol tornou-o cada vez mais popular, com tudo o que isso tem de positivo e negativo. Não foi por acaso que se começou a tornar na "bandeira" de um bairro, aldeia, cidade ou região. O passo seguinte foi a sua transformação, a pouco e pouco, num espectáculo de massas. Construíram-se estádios, passou a ser televisionado e em pouco tempo transformou-se num dos negócios mais rentáveis do planeta.
A "cegueira clubística" também cresceu, ao ponto de se perceber que a maior parte das pessoas que se deslocam aos estádios, vão lá para verem os seus clubes vencer e não para assistir a uma boa partida de futebol. Não querem que ganhe o melhor, querem sim que ganhe o seu clube. Normalmente o êxito dos clubes assenta nesta "cegueira" colectiva, onde quem está de fora ou não tem clube, sente que isto já não tem nada a ver com desporto.
Pinto da Costa foi, entre nós, o dirigente que conseguiu aprimorar todos os aspectos que o poderiam ajudar a vencer (dentro e fora dos estádios). Não se limitou a ter grandes equipas de futebol, também se tornou influente no chamado poder do futebol (durante anos deixou que o cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol fosse entregue à Associação de Futebol de Lisboa, porque tinha mais interesse que a Associação de Futebol do Porto controlasse a arbitragem, a justiça e a disciplina...).
Mas sentiu que ainda não controlava "tudo". E é neste cenário que aparece a figura famigerada do "guarda Abel", que controlava um grupo de bandidos (dizem que era composto por agentes de autoridade e por foras da lei...), que começou a incendiar o terror nos estádios. Quem dizia ou escrevia mal sobre o FC Porto, levava. Houve dezenas de jornalistas agredidos. Infelizmente resultou. Ou seja, o clima de "medo" instaurado, fez com que se fingisse estar tudo bem. Os árbitros, desde sempre os mais "vulneráveis" do "desporto-rei" eram primeiro aliciados e depois ameaçados (se não erravam pelas "prendas" recebidas, erravam pelo "medo"...). Foi este o panorama do futebol português até surgir o "Apito Dourado"...
Embora não houvesse condenações (existiam provas mas foi um problema encontrar testemunhas...), muita coisa mudou no futebol depois do "Apito Dourado". Foi pena que o então presidente do Benfica em vez de ter aprendido a lição, tivesse tentado imitar Pinto da Costa, colocando pessoas da sua confiança em lugares-chave no poder. Porque o mais importante continuava a ser vencer, "vencer a qualquer preço"...
Embora seja benfiquista, estou do lado de Frederico Varandas, que não tem medo de usar nenhuma palavra (ao contrário de vários jornalistas, que sempre se acobardaram, ao longo dos anos - falo sobretudo dos agredidos e ofendidos. Rui Santos, com quem não concordo muitas vezes, é dos poucos que nunca teve medo de falar do que se passa fora das quatro linhas...) contra Pinto da Costa.
Para mim, o futebol ganha-se dentro das quatro linhas, mesmo com alguma injustiça (depende sempre do nosso ponto de vista...), como aconteceu agora na final da Liga dos Campeões. Mas gosto mais que seja a bola a caprichar em não entrar, graças ao guarda-redes ou ao poste, que a coisas estranhas, como a "cegueira" temporária de qualquer árbitro.
Faz-me confusão que Frederico Varandas esteja sozinho nesta luta contra a corrupção no futebol português. Faz-me confusão ver tanta gente a fingir que acredita no "pai natal"...
(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)