Zeca Afonso fez noventa anos no dia dois deste mês.
Falou-se e escreveu-se muito do seu património discográfico (para uns tantos perdido, para outros esquecido ou abandonado, mas eu acho que não, deve ser sim, um daqueles "tesouros" muito bem guardados no cofre de alguém...), até se fizeram as petições do costume, para que a obra do Zeca fosse classificada de interesse nacional. Algo que me parece um pouco inconsequente, pois se há obra musical que sempre teve e tem interesse nacional, será a de Zeca Afonso.
Como continuamos a não saber o que se passa no "lado de lá do mundo", talvez até seja possível que o Zeca, escreva e cante, sobre aquilo que lhe querem dar agora (e "panteão" rima com tanta coisa...) que ele não está por cá, para receber... E também já deviam saber que o Zeca não gosta nada dessas coisas.
Para o conhecermos bem basta escutarmos atentamente as letras das suas canções. Fazia-nos melhor escutar os seus poemas que pedem revoluções, que assinar petições.
Mas nem era sobre isso que queria escrever...
Três dias antes do dia de aniversário do Zeca, Pedro Ayres Magalhães fez sessenta anos.
Continuo a pensar que o Zeca e o Pedro são as pessoas mais importantes do panorama musical dos últimos cinquenta anos, não só pelo que criaram, mas muito pelo que influenciaram. Curiosamente, ou não, exerceram a sua influência em espaços musicais completamente diferentes.
Se o Zeca aos noventa anos de idade, já está próximo de ter conquistado a "unanimidade" (o que quer que isso seja...), o Pedro ainda está muito longe desse patamar. Mas eu sei que ele irá lá chegar. Deixo aqui algumas das suas palavras, ditas numa entrevista ao jornal "I" (que falam um pouco do que escrevi):
«Eu senti a solidão de ser português quando era adolescente,
nos anos 70. E o que me fazia impressão em Portugal era ninguém se relacionar
com esse problema. Por isto sentia falta de pensar, de teorizar. Encontrei a
resposta a escrever canções sobre a saudade, sobre o que somos como portugueses, tanto nos Heróis do Mar como nos Madredeus. Os Madredeus não foram
bem entendidos, mas amanhã, quando as pessoas estiverem ainda mais
insatisfeitas com o presente, irão pesquisar e nessas pesquisas vão encontrar a
história, muito bonita, de uma banda que cantava sobre o ser português e que
foi tocar essas palavras a todo o mundo.»
Há ainda outra coisa que une o Pedro ao Zeca, bastante importante: nunca se "venderam", nem cederam à nossa maneira pequenina de se estar na cultura (e nas outras coisas, claro), sempre que podiam passavam ao largo das "capelinhas" do costume.
(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)