Agora que os últimos pescadores se transferiram para o moderno “porto de abrigo”, à entrada da marina, Albufeira perdeu boa parte da sua identidade e a gente do mar tem que disputar aos turistas cada metro quadrado de praia, se quiser sentir o calor da areia debaixo dos pés.
O porto de abrigo era uma velha aspiração de classe, ainda Albufeira era uma vila piscatória e o trabalho do mar verdadeiramente duro, os remos, as redes, os barcos, tudo à força de braços. Concretizou-se agora, já os pescadores eram poucos e, aqui que ninguém nos ouve, quando o espaço que ocupavam na praia passou a valer mais do que o pequeno porto construído à boleia da marina que escavaram no vale da Orada para plantar casas nas suas margens, não se envergonhando de terem inutilizado a pequena praia da Baleeira, a preferida da Edite, desde o seu tempo de mocinha.
Na Praia dos Pescadores, os motores já tinham substituído as velas, era o tractor que arrastava os barcos para os pôr em seco, a madeira já se tornara material obsoleto para construir barcos e os seus nomes estavam a apagar-se da proa substituídos por números de matricula, rasurando invocações antigas “Deus me Guie”, “Sempre Veio”, “Vamos à Vida”, “Estrela da Manhã”, ”Maria Cristina”, “N.S.da Orada” obra de pintores “naives” que acrescentavam a estes nomes uma estrela, um peixe estilizado, uma imagem religiosa, uma sereia e arabescos geométricos que tornavam os barcos particularmente belos.
O peixe já não chegava a horas de almoço e a lota tinha-se mudado para um edifício coberto, novas tecnologias e muito gelo, e começava a esquecer-se o antigo ritual que presidia à venda, onde os dedos da mão também falavam e só os iniciados entendiam:
_ “vai-s’a vender vende-se! ‘tá trê’ de fora”. E três dedos da mão esquerda deviam á vista de todos, para mostrar que o preço estava na casa dos duzentos “98, 97, 96, 95...” por aí fora, sempre em sentido decrescente, até se ouvir “chui”, exclamação usada pelo comprador para dar a ordem de compra, cujo preço correspondia ao último número anunciado, neste caso 295 escudos, há quantos anos isto lá vai!
Não há-de tardar muito que um gabinete de imagem, como há tantos no “allgarve”, invente um nome menos proletário para esta praia, a que só os velhos se referirão pelo seu nome de sempre, Praia dos Pescadores.
Mais um texto de Joaquim Nacimento, acompanhado de um quadro de João Vaz.
O porto de abrigo era uma velha aspiração de classe, ainda Albufeira era uma vila piscatória e o trabalho do mar verdadeiramente duro, os remos, as redes, os barcos, tudo à força de braços. Concretizou-se agora, já os pescadores eram poucos e, aqui que ninguém nos ouve, quando o espaço que ocupavam na praia passou a valer mais do que o pequeno porto construído à boleia da marina que escavaram no vale da Orada para plantar casas nas suas margens, não se envergonhando de terem inutilizado a pequena praia da Baleeira, a preferida da Edite, desde o seu tempo de mocinha.
Na Praia dos Pescadores, os motores já tinham substituído as velas, era o tractor que arrastava os barcos para os pôr em seco, a madeira já se tornara material obsoleto para construir barcos e os seus nomes estavam a apagar-se da proa substituídos por números de matricula, rasurando invocações antigas “Deus me Guie”, “Sempre Veio”, “Vamos à Vida”, “Estrela da Manhã”, ”Maria Cristina”, “N.S.da Orada” obra de pintores “naives” que acrescentavam a estes nomes uma estrela, um peixe estilizado, uma imagem religiosa, uma sereia e arabescos geométricos que tornavam os barcos particularmente belos.
O peixe já não chegava a horas de almoço e a lota tinha-se mudado para um edifício coberto, novas tecnologias e muito gelo, e começava a esquecer-se o antigo ritual que presidia à venda, onde os dedos da mão também falavam e só os iniciados entendiam:
_ “vai-s’a vender vende-se! ‘tá trê’ de fora”. E três dedos da mão esquerda deviam á vista de todos, para mostrar que o preço estava na casa dos duzentos “98, 97, 96, 95...” por aí fora, sempre em sentido decrescente, até se ouvir “chui”, exclamação usada pelo comprador para dar a ordem de compra, cujo preço correspondia ao último número anunciado, neste caso 295 escudos, há quantos anos isto lá vai!
Não há-de tardar muito que um gabinete de imagem, como há tantos no “allgarve”, invente um nome menos proletário para esta praia, a que só os velhos se referirão pelo seu nome de sempre, Praia dos Pescadores.
Mais um texto de Joaquim Nacimento, acompanhado de um quadro de João Vaz.