terça-feira, maio 03, 2022

Crescer num Mundo com "Escolas" para Raparigas e "Escolas" para Rapazes...


Embora nunca me tenha sentido completamente confortável no mundo "onde os homens não choravam", foi assim que cresci e fui aprendendo a ser homem (por vezes erradamente, mas a vida era isso...).

A presença de um casal amigo (uma agradável surpresa...) na nossa "tertúlia" das segundas, ajudou-nos a viajar no tempo e no espaço, trazendo para a mesa muitas das nossas tradições e também a nossa gastronomia, num mundo tão diferente do dos nossos dias...

De repente, voltei à infância. Lembrei-me de coisas, como a "matança do porco", onde com apenas cinco, seis anos, comecei a assistir a todo aquele "espectáculo", inclusive à gritaria do animal que adivinhava o seu destino (aprendia a esconder o arrepio que me invadia o corpo, provocado por aqueles guinchos). De ano para ano, custava menos, com menos de dez anos devo ter tido a "permissão" para segurar uma das patas... quase num ritual de masculinidade.

Também me lembrei das touradas, que hoje olho como um espectáculo bárbaro (não faço manifestações, acredito que elas morrerão de "morte natural"). Visitei várias vezes a praça de touros das Caldas de mão dada com o avô (um verdadeiro aficionado...), desde os sete, oito anos. Na altura não tinha idade para perceber o porquê de tudo aquilo, muito menos para o questionar. Mas estava longe de ser um espectáculo agradável... Deve ter sido por isso que desde a adolescência, nunca mais visitei qualquer praça...

Quando falámos da gastronomia, falámos desse mundo antigo, tão compartimentado, em que um homem que gostasse de cozinhar, corria o risco de ser olhado de lado, porque "a cozinha era das mulheres"... E de como tudo é diferente, de como hoje podemos ser quase tudo, sem merecermos qualquer reparo.

Claro que a educação conta muito nestas coisas das igualdades... Por sermos dois rapazes, a mãe sempre nos habituou a fazer pequenas tarefas (lavávamos louça, estendíamos roupa... "tarefa proibida", por exemplo, para os homens no mundo da minha sogra, que uma vez fez quase um escândalo, quando a quis ajudar a estender roupa no quintal.

Ainda bem que o "mundo" em que os meninos se vestiam de azul e as meninas cor de rosa, quase que já não existe...

(Fotografia de Luís Eme - Beira Baixa)


11 comentários:

  1. Mais uma vez estou de acordo contigo. Hoje um homem que cozinha é sexy. : ))
    Nunca vi o meu avó fazer “trabalho de mulheres”. E a minha avó nunca trabalhou “fora de casa”. A minha mãe também não, mas apenas porque não houve necessidade financeira e não porque “ficava mal”. : )

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    1. Ainda bem que hoje podemos ser quase tudo, Catarina.

      A sociedade mudou tanto nos últimos 30 anos!

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  2. Bom dia
    Cresci num mundo muito parecido , e recordo-me até do problema que as minhas irmãs tiveram quando queriam usar calças (quando a moda chegou) pois o meu pai não admitia tal descaramento , e até eu não podia cortar o cabelo conforme queria , e muito menos usa-lo maior um pouco .
    Graças a Deus que o muro que existia nas escolas para dividir os recreios desapareceu para sempre .

    JR

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    1. Pois, ser mulher então era terrível, Joaquim.

      Nós sempre tivemos mais liberdade.

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  3. Sou de Lisboa por isso não tenho essa " experiência " dos rituais do campo. Andei num liceu só para raparigas. A minha mãe estava em casa, qual fada do lar, a tratar da família, onde se incluía a minha avó.
    O meu pai não sabia fazer nada em casa. Mais tarde, com a morte muito prematura da minha mãe, ele começou a fazer algumas coisas. E viu que até tinha algum jeito. O meu pai morreu no Natal passado com 98 anos, durante o sono...
    Eu pertenço a uma geração que recusou sempre ser dona de casa. Eu queria era sair e alinhar com os outros. Sou um produto de Abril.
    A minha filha é um misto das duas coisas: sabe fazer tudo sozinha mas pede ajuda quando é preciso. E trabalha muito, quer na sua vida profissional, quer noutros projetos académicos em que está sempre envolvida. O meu genro acompanha-a em tudo. É engraçado vê-los em casa!
    Quanto a um homem a cozinhar ser sexy, acho que só depende do homem e não da sua ocupação...😊

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    1. : ))) Não é só o homem que é sexy só por si. O ambiente também contribui para a sua sexyness. : )) Da mesma forma quando se vê um homem a puxar um carrinho de bebé, a correr, e com um cão ao lado (ou sem cão) há qualquer coisa de atraente naquela imagem. : ))

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    2. Que bom que o mundo tenha mudado tanto, Maria.

      Claro que há por aí muita gente burra presa ao passado. Azar o deles...

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  4. Sou do tempo da escola dos rapazes e da escola das meninas e ainda fui professora de turmas separadas.
    Contudo nada disso fez de mim uma fada do lar, antes pelo contrário.
    O meu pai e o meu sogro não mexiam um dedo em casa, o meu marido já fazia alguma coisa, o meu filho, como pai solteiro com duas crianças, faz tudo menos passar a ferro.
    Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

    Abraço

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    1. Eu sou "pioneiro" das primeiras turmas mistas no ciclo, Rosa. Deverá terá sido em 1974 ou 1975.

      E sempre fiz praticamente tudo em casa. Até porque vivi sozinho alguns anos.

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  5. Em miúdo, atraído pelos cheiros e antegozando os sabores, enfiava-se na cozinha a ver avó materna a cozinhar. Talvez tenha sido aí que, inconscientemente, se meteu por mim adentro a ideia de um dia mexer em tachos e panelas.
    A malta daqueles tem a noção e o privilégio de saber o que é a “comida de casa”, feita pelas avós, pelas mães. Os cheiros, os sabores eram diferentes. Comidas simples mas bem confeccionadas, insuportavelmente domésticas, banais, mas a saberem a comidinha.
    Volta e meia ouve os netos a falar da insuportável comida que servem uns na creche, outros já na escola.
    Em casa do pai fome nunca houve mas a comida era, com variantes saídos da imaginação delirante da minha avó materna, sempre a mesma coisa. Fazia autênticos prodígios, a avó. Comia-se o que a mercearia fiava – o velho rol - e então era: arroz, massa, feijão, grão, ovos, chouriço, toucinho, bacalhau, que naqueles tempos era a comida dos pobres, o célebre bacalhau a pataco. Mas havia criada e a mãe não trabalhava. Criada é assim uma coisa dita um tanto incorrectamente. No fundo era sempre alguém, conhecida de alguém, gente que vivia com extremas necessidades e a quem se dava tecto e comida. Ao domingo, uns tostões para ir ao café do bairro beber um café com leite e um bolo.
    Como diz o poeta Manuel António Pina: a infância não se vê da infância.

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    1. A vida mudou muito, mas não precisamos de renegar o passado, Sammy.

      As memória são tão importantes. Os cheiros, os sorrisos, as palavras, as mesas cheias de gente da família...

      Não tenho nada contra ter ido a touradas ou contra o ritual da matança do porco. Sei que me enriqueceu como ser humano.

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