quarta-feira, março 31, 2010

O Preconceito na Caixa do Supermercado

Não pude deixar de reparar nas compras da senhora que estava à minha frente, na caixa do super mercado, com mais de cem quilos de envergadura, eram pizzas, salsichas, hamburguers, ovos, batatas fritas, bolachas, colas, etc.

Em contraponto com a lentidão de movimentos da senhora, fui invadido pela ligeireza dos pensamentos preconceituosos, que povoaram de imediato a minha cabeça.
Para os derrotar, uma parte de mim, começou a defendê-la. «Provavelmente aquela comida é para os filhos...» Mas o preconceito racional continuava activo: «o que não deixava de estar errado, até porque a sua filha já lhe seguia as pisadas.»
Tive de ser ainda mais forte para os silenciar, lembrar-lhes que aquela comida, que para muitos é de "plástico" era a mais económica e mais rápida de se fazer em casa, das muitas que se vendem por aí. «Estamos a voltar ao tempo em que as visitas ao talho e à peixaria começam a ser um "luxo", que não está acessível a toda a gente...»
E quem disse que o senhor "preconceito" me largava?
«Claro que se pode fazer uma comida mais barata e mais saudável, tendo como base as saladas e as sopas de legumes, mas muitas pessoas têm a mania que detestam sopa (a começar nos nossos filhos...)», exclamou ele no alto da sua sapiência...
Escolhi este óleo de Botero, porque a gordura, pelo menos na arte, continua uma formosura, apesar dos preconceitos da sociedade.

segunda-feira, março 29, 2010

O Trabalho na Fábrica

Como lhe iria explicar, que sentia saudades do trabalho da fábrica?

Sentia falta das palavras que trocávamos, das segundas feiras mágicas em que o futebol era rei, em que pertencer ao Sporting e ao Benfica (ser do Poarto era uma coisa periférica, regional), era delicioso termos algo a que nos agarrarmos quase até ao fim do dia, fintando o ar salazarento do encarregado, que ainda não se adaptara às liberdades de Abril e que queria colocar um "relógio de ponto" na casa de banho por causa das costureiras, que muita "água" vertiam. Ela dizia outra e outras coisas. Embora fosse um tipo ordinário, à distância de trinta anos acho-lhe alguma graça.
Sentia falta dos "cromos" de todas as idades, especialmente da carpintaria, a parte maior da fábrica, que tinham uma inveja do caraças, porque a secção dos estofes era a única que tinha as bem ditas mulheres. Até me arranjaram um namorico com a Teresa, porque normalmente ia ajudá-la no transporte de tecidos. Mas claro que nunca se passou nada, acho que éramos demasiado amigos e isso sempre afastou o pecado, digo eu, claro...
Ao olhar à minha volta, no interior daquele casarão de três pisos, com mais serradura que soalho, descubro muitas personagens capazes de alegrar alguns livros que ainda estarão por escrever. O curioso foi terem-me aparecido duas, que ficaram logo ali, paradas, o André "polidor" e o Serafim "escrivão". O André era das pessoas mais calmas daquele lugar, trabalhava de bata, uma bata castanha, cujos bolsos eram escolhidos para guardar coisas "impossíveis" dos outros. Quando alguém perdia alguma coisa, diziam que devia estar na "casaca" do André. Nunca se arreliava com estas brincadeiras, nem mesmo quando lhe colocaram um rato pequenino, ainda vivo. Limitou-se a pegar-lhe no rabo e a oferecer-lhe a liberdade, nos labirintos povoados de móveis.
O Serafim era a pessoa mais divertida da fábrica. Era um faz tudo, que fazia a ligação entre o escritório e o pessoal. Os seus óculos de lentes "garrafais" e o seu sorriso fácil, identificavam-no como o melhor contador de anedotas e de histórias das redondezas. Ficámos amigos logo no meu primeiro dia da fábrica. Ele percebeu que eu não estava à vontade e deu-me logo motivos para sorrir, quando me chamou sortudo, por ir trabalhar para a "gaiola das malucas"...
Afinal não era assim tão difícil de explicar, as saudades que eu tinha do meu primeiro emprego a sério...
Acho que já utilizei por aqui esta ilustração de Hart Benton, mas foi a que me pareceu mais adequada...

sábado, março 27, 2010

Eu Sei, Devia ir ao Teatro Mais Vezes...

E devia mesmo...

Há sempre desculpas para explicar esta "fuga". Eu então tenho pelo menos três, que uso com frequência: ter dois filhos pequenos (que já começam a não ser tão pequenos quanto isso, pelo que esta desculpa tende a esgotar-se...); defender que o teatro deve ser uma arte de diversão e não um espectáculo demasiado intelectual, que não abane os nossos sentidos; e por último, achar que é demasiado caro, para ser frequentado como devia por quem vive sem grandes larguezas;
Mas se pensar bem no assunto, acho que nem sempre tenho a disponibilidade mental que o Teatro precisa e merece. É por isso que não me ficou muito das últimas peças que vi.
Tenho cada vez mais consciência de que não sou muito diferente do cidadão comum. Também eu quero e preciso de me distrair desta vida, que tem uma grande tendência a tornar-se demasiado séria e dramática.
Ao dizer estas coisas, estou longe de desculpar os encenadores, que preferem trabalhar para o seu "umbigo" e para as minorias (que não são menos, devido à distribuição generosa de convites...) com ar intelectual, que ocupam as primeiras filas das salas.
Uma vez entrevistei um actor, que já depois da entrevista, me confessou que aquilo que mais o inquietava, era ver quase sempre as mesmas caras na plateia. Ele próprio sentia algum sentimento de culpa por perceber que não se fazia um esforço para conquistar novos públicos para o teatro...
Mas a vida está longe de ser uma coisa simples.
Por exemplo, hoje, que é o Dia Mundial do Teatro, vou para fora devido a compromissos familiares e não posso assistir ao colóquio que irá acontecer ao fim da tarde, no Teatro de Almada, sobre Morais e Castro, nem à peça, "O Fazedor de Teatro", que é exibida à noite.
Por acaso assisti à peça, quando esteve em exibição, ainda no velho teatro de Almada, num quase monólogo, deste grande actor (em tamanho e talento)...
Escolhi um quadro de Magritte, porque também ele, é tão teatral...

quinta-feira, março 25, 2010

Dentro da Galeria...

A inspiração não tem sido muita... nestes dias estranhos, em que as horas parecem ter menos minutos.
Como não sabia o que escrever, achei que era boa ideia colocar a fotografia que tirei para lá da entrada, uma espécie de "Surpresa 2"...

terça-feira, março 23, 2010

Surpresa

No meio das ruínas de Alfena, Trafaria, havia aquilo que quase podia ser confundido com um concurso de "grafitte". O da fotografia é apenas uma entrada...
E pensar que aquilo fica quase no meio de nada, onde se pode ver o mar com uma abrangência especial, entre a Trafaria e a Costa de Caparica...
Não é que me renda a estes "malfeitores de spray colorido", mas que há alguns com talento, há...

domingo, março 21, 2010

A Poesia da Alice


A Alice é presença assídua aqui no Largo. Para quem não a conhece, digo que é uma excelente poeta do Norte, que traduz a memória com palavras...


comparação inequívoca

estás a ver o frio a rematar-se ali na esquina?
e a velha à janela a fingir-se menina à lua?
e o homem sem rosto que passa por nós como o medo?
sabes que horas são quando voltas a abanar as mãos?

espera, deixa-me desenhar-te
vou buscar o x acto e os lenços de papel
estás a ver o calor do meu braço ferido?
e a colheita encarnada da minha pele clara?
e as salinas no lugar das pupilas?
sabes que temperatura está no meu coração?

espera, deixa-me fixar-te
vou buscar o relógio e o tempo lá parado
estás a ver o lobo a rondar a incerteza?
e a seiva dos espaços densos sem palavras?
e as gretas a rachar-me os lábios mal beijados?
sabes que dor me corta as veias quando viras as costas?

espera, deixa-me perdoar-te
vou buscar o futuro à mesinha do meu quarto
estás a ver o meu sono espantado a vigiar-me?
e a ressaca a martelar o meu corpo contra a noite?
e o meu andar parado quando calço saltos altos?
sabes que te amo?

Alice Macedo Campos
Por este dia ser especial, juntei á mesma mesa, rente ao Tejo, o Fernando (e claro, o Álvaro, o Ricardo e o Alberto) e a Alice...

sábado, março 20, 2010

A Felicidade Não é Amiga do Conhecimento

Uma coisa que me irrita, é o facto do conhecimento nos trazer quase sempre mais dúvidas e angústias, ao nosso dia a dia.

É demasiado visível que as pessoas ignorantes são muito mais felizes que todos aqueles que poderiam ser confundidos com enciclopédias ambulantes (falo de quase todos nós, tal é a quantidade de conhecimento que vamos absorvendo - e a "net" ainda piorou mais as coisas...).
É por isso que as pessoas de mais idade, do interior, que quase nem andaram na escola (quem tem ou teve avós que viveram sempre em pequenas aldeias, sabe do que falo), têm um conhecimento especial da vida, onde existe ainda muita magia, onde ainda se acredita em "milagres", inclusive da natureza. Não é por acaso que revelam a espaços, uma inocência e credulidade, invejáveis e perigosas.
Nas cidades é praticamente impossível encontrar pessoas assim, tão terra a terra, com uma sabedoria diferente, alimentada por extraordinário universo popular, que nos oferece tantas lições de vida.
É assim, queremos saber tudo e acabamos ainda com mais dúvidas do que as que tínhamos, antes de iniciarmos a viagem neste "carrocel louco".
É o preço que pagamos pelo atrevimento de querermos saber cada vez mais e mais...
Escolhi o "Baile" de Fernando Botero, porque até essas festas populares, foram quase engolidas pelo progresso. Sim, há vinte, trinta anos, os bailes eram uma instituição do povo, mesmo nas cidades. Agora fazem apenas parte do "revivalismo" das pessoas de idade maior...

quinta-feira, março 18, 2010

Os Livros Também Servem para Ajustar Contas

É verdade, os livros também servem para ajustar contas. Contas com o passado, contas com os nossos "inimigos de estimação", contas com as namoradas que não tivemos, etc.

Especialmente a ficção. Quase todas as personagens são criadas à imagem de gente que nos deixa marcas negativas ou positivas, no nosso quotidiano.
Onde também sempre existiram ajustes de contas foi na poesia. Camões e Bocage, por exemplo, eram bons nisso...
Tudo isto para dizer que não me devia admirar de alguns ajustes de contas cobardes que se fazem por aí. E não me admiro. Só não consigo perceber é quando isto acontece entre pessoas próximas, que aparentemente convivem num ambiente de amizade...
Não sei o que é que se passa na cabeça desta gente, capaz de escrever autênticos insultos, disfarçados de poemas, ainda por cima injustos, desonestos e desleais.
Quem me estiver a ler, não percebe nada do que estou para aqui a dizer, por isso é melhor ir mesmo aos pormenores: uma pessoa que se julga poeta, resolveu fazer um pequeno caderno de poemas, onde faz vários ajustes de contas, quase todos cobardes, e pior ainda, falsos.
Num dos poemas consegue ser do mais rasteiro que existe por aí, resolveu chamar "cabrão" (por ser tino/ tem na cabeça/ uns perfeitos adornos/ muito parecidos/ com dois cornos), a uma das pessoas mais cordatas e bem formadas que conheço.
Eu nem sei qual é a palavra que devo usar para qualificar este "ajuste de contas" de um homem notoriamente doente, cobarde e mal formado.
Porque no meu ponto de vista, só uma pessoa doente é capaz de escrever algo que nunca será poesia, inspirado apenas na inveja, no cinismo e no despeito, que lhe devem corroer as entranhas. Provavelmente, por nunca ter sido capaz de ser um ser humano, integro, amigo e honesto como o Grande Senhor da Cultura Almadense que tenta denegrir.
Falo de duas pessoas de Almada...
O óleo é de Pierre Bonard.

segunda-feira, março 15, 2010

Já Cheira a Primavera

A Primavera já está aí, com um cheirinho a Verão.
Percebe-se que tanto ela como as restantes estações, deixaram de se regular pelos nossos calendários, aparecem quando querem, e não quando nós queremos...
Acredito que, mais tarde ou mais cedo, haverá um reajustamento humano. Mas será sempre insuficiente para este tempo de tantas incertezas...
A fotografia. "fresquinha", é de Alfama.

sexta-feira, março 12, 2010

A Escola Novamente nas Ruas da Amargura

A Escola volta a ser falada pelos piores motivos: duas mortes, a de um aluno (ainda criança...) e de um professor. Segundo consta, ambas de suicídio.

Não é a altura ideal para crucificar a Escola, para dizer mal ou bem dos professores, dos alunos ou dos pais, porque a responsabilidade deve ser repartida por todos. São todos culpados por se ter chegado a um ponto destes, em que já há vitimas mortais...
A história é longa e tem vários capítulos: a desresponsabilização de vários governos em todo o edifício educativo; a desvalorização do papel do professor como educador; a pouca atenção dos pais em relação aos filhos na escola; o baixar dos braços de muitos professores em relação ao seu dia a dia; a falta de respeito dos alunos pelos professores e colegas, etc.
São muitos os motivos que ditaram as mortes do Leandro e do Luís. Mas o mais forte foi o facto de serem seres humanos mais sensíveis e frágeis que os restantes companheiros de aventura...

A foto de Robert Doisneau, diz-nos que já é tempo de se olhar para a escola, com olhos de ver...

terça-feira, março 09, 2010

Outras Maneiras de Olhar o Mundo...

A minha filha com ar de gente crescida, ontem perguntou-me:
«Pai, não achas que o céu está furado?»
Sorri levemente, acrescentando: «se calhar está.»
Foi a explicação que os seus cinco anos arranjaram, para tanta chuva, que vai batendo recordes em quase todo o lado, de cheias, derrocadas, precipitação por metro quadrado, etc.
Um humorista era capaz de acrescentar que o S. Pedro anda com um problema de incontinência...
Mas ontem era ontem e hoje ai está o Sol a brilhar. Talvez tenham "remendado" o furo, ou colocado uma "fralda" ao S. Pedro.
Por hoje parece que o problema está resolvido. Amanhã? Logo se vê...

segunda-feira, março 08, 2010

As Flores e as Mulheres

Acho que todos os homens sabem que as mulheres gostam de flores, mesmo os distraídos.

Mas acho uma banalidade oferecer flores no dia 8 de Março às mulheres que amamos, tal como no dia do seu aniversário.
Bonito seria fazer aquilo que normalmente nos esquecemos, de oferecer flores num dia qualquer do calendário das nossas vidas, apenas porque sim, apenas porque nos deu um impulso dos bons e não porque alguém determinou que é hoje, esse dia...
Só que este mundo está longe de ser um lugar perfeito e justo. E nós somos tão distraídos...
E continua a ser necessário comemorar-se o Dia da Mulher, com e sem flores...
O óleo é de Gary Kelley. Escolhi-o porque hoje é um dia igual a todos os outros, bom para namorar e oferecer flores.

domingo, março 07, 2010

Não sei Não...

«Só não trai, quem não pode ou não quer.»

Há frases assim, generalistas, do género da que despertou muitas risadas, por ser assinada por baixo pela grande figura do "nacional-revistismo", a boa da Lili Caneças (nunca pensei referenciá-la num dos meus blogues...). Acho que era mais ou menos assim: «estar morto é o contrário de estar vivo».
Acredito que há sempre mais nuances, porque a vida nunca é uma coisa assim tão simples, como estas palavras, tão cheias de certezas (as de cima claro)...
O quadro é de David Hatfield, "Mulheres e Degas".

sexta-feira, março 05, 2010

Lições de Vida

Gosto de receber lições de vida. Ontem foi dia (aliás, noite) de receber mais uma, de um dos "Capitães de Abril", mais genuinos, e mais importantes, de todo o processo revolucionário que pôs termo à ditadura e nos devolveu a democracia. Falo do coronel Vasco Lourenço, que foi o convidado das "Tertúlias do Dragão", organizadas pela SCALA, em Almada.

Vasco Lourenço além de ter desmontado alguns mitos, explicou-nos a verdadeira génese do "Movimento dos Capitães", num período em que quase todos os militares tinham consciência que a única solução para colocar fim à Guerra Colonial era política. A vontade colectiva de devolver a dignidade e o prestígio das Forças Armadas cresceu de tal forma, que era impossível recuar... e a Revolução saiu à rua no dia 25 de Abril de 1974.
Focou depois o desprendimento dos militares em relação ao Poder. Acrescentando que o grande objectivo do MFA foi criar condições para a realização de eleições livres, para que o poder pudesse ser entregue aos partidos políticos escolhidos pelos portugueses.
E foi isso que aconteceu. Quase trinta e seis anos depois, podemos dizer que se há alguém que não tem qualquer culpa da situação actual do nosso país, são os "Capitães de Abril".
E vou mais longe, não houve ninguém na nossa História de Portugal, que desse uma prova tão grande de generosidade e de desapego ao poder, como os "Capitães de Abril".
Basta olharmos com olhos de ver para todas as revoluções, desde a independência de então Condado Portucalense, em 1143, ao 28 de Maio de 1926.
É também por isso que irei ler com todo o interesse o livro-entrevista, "Do Interior da Revolução", de Maria Manuela Cruzeiro e Vasco Lourenço.

quinta-feira, março 04, 2010

Ser Solidário e Ser Livre

Sou solidário com as jornadas de luta, porque o nosso país nunca foi tão injusto (depois da Revolução de Abril), como nos nossos dias.

Mas continuo sem perceber o porquê da existência de "piquetes" de greve.
Num país livre e democrático, cada um de nós não é livre de tomar as opções que acha mais próximas da sua filosofia de vida?
Isto sem esquecer aqueles que vivem tão "à justa", que nem se podem dar ao luxo de fazer greve...
A fotografia "White Angel" é de Dorothea Lange.

De Olhos em Bico

Não sei se os assobios do pessoal de Coimbra colocaram os olhos dos jogadores e do Queirós em bico, mas era bom sinal, se isso tivesse acontecido...

Depois de ter lido que a escolha da China se deveu ao jogo com a Coreia, já no Mundial, só me ocorre um comentário: «só pode ter sido pelo facto de terem os olhos em bico.»
Mas não há ninguém como o Luís Afonso, para nos fazer sorrir, como hoje na sua tira de "A Bola".
Afinal o futebol é isto (devia ser, claro), pura diversão...

terça-feira, março 02, 2010

"Os Putos" do Haiti

A "enxurrada" de notícias trágicas que nos perseguem, acaba por trazer, com quase a mesma velocidade, a indiferença.

A Madeira, o Chile, não reduziram em nada os problemas sociais do Haiti, que estão a enfrentar agora as cheias...
Os órfãos talvez seja um dos problemas mais complicados de se resolver deste pequeno país. Graças à pedofilia, quem apenas quer ajudar as crianças, vai ser sempre olhado de lado...
[...] Em todos os campos de refugiados, e por toda a cidade, há bandos de miúdos sozinhos. Criam cumplicidades, como os do grupo do estádio, dormem juntos, roubam juntos. Mas também há os que não têm ninguém. Como o menino desesperado que avistei do carro ao abandonar Port-au-Prince, chorando em soluços, procurando um rosto conhecido no meio da multidão. Teria oito ou nove anos e fixou-me por instantes. «O que foi?», perguntei à distância, esperando que me conseguisse entender. Mas ele atravessou a rua, continuando a sua busca. O meu carro arrancou no sentido contrário e, mesmo sabendo que seria impossível cruzarmos a fronteira, o meu coração não parava de repetir: «Leva-o, leva-o.»
Este foi o final da reportagem da jornalista Patrícia Fonseca, publicada na "Visão" e no seu "Quiosque". Diz quase tudo.

O Haiti paradíziaco de Paul Gaugin, tão diferente da actualidade...